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Depois de dois pedidos negados, o Tribunal de Justiça de São Paulo revisou o caso do pai de seis filhos desempregado que foi preso por furtar alimentos em um supermercado da Zona Norte da capital e concedeu um habeas corpus para a soltura dele na última sexta-feira (10).
O réu havia sido detido na terça-feira (7), ao ser flagrado com dois pacotes de carne seca, dois tabletes de chocolate, nove pacotes de suco em pó e um limpador de móveis escondido entre as roupas em um estabelecimento da Brasilândia.
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O homem de 49 anos tentava passar pelo caixa do supermercado sem pagar parte das compras. O valor dos produtos furtados totaliza R$ 231,43, cerca de 20% do salário mínimo nacional, que é de R$ 1.100.
A Defensoria Pública havia ingressado com dois pedidos de soltura dele, que foram negados na primeira e na segunda instâncias da Justiça Paulista.
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Porém, na sexta (10) a desembargadora Rachid Vaz de Almeida, da 10ª Câmara Criminal, entendeu que se trata de um caso de furto famélico, para o qual há jurisprudência formada no Supremo Tribunal Federal (STF) para a aplicação do “princípio da insignificância”, que impede que esses réus sejam mantidos detidos.
“O caso retratado nos autos é absolutamente singular e exige por isso um tratamento diferenciado. A situação de plano comprovada é de evidente furto famélico. A natureza dos produtos sobre o qual recaiu a conduta são necessários para se garantir o mínimo existencial (gênero alimentício). (…) Não há justa causa para a persecução penal, devendo o presente inquérito policial ser trancado”, disse a desembargadora.
Judiciário alheio à fome
Rachid Vaz de Almeida afirmou, na decisão, que a Justiça não pode “ficar alheia a sensíveis questões sociais” enfrentadas pelo país neste momento de crescimento da fome e da miséria.
“Nestes casos excepcionais não pode o Poder Judiciário ficar alheio a sensíveis questões sociais que, indubitavelmente, interferem amais expedita e correta interpretação da lei penal, corrigindo-se eventuais injustiças no caso concreto. Pelo contrário, o Poder Judiciário na missão institucional e democrática que lhe cabe deve diuturnamente corrigir a distância entre o fato social e a realidade normativa”, declarou.
A desembargadora também afirmou que o fato o homem ter pago parte das compras que fez no estabelecimento mostra a “boa-fé” de alguém que “alegou passar por dificuldades financeiras” para cometer o furto.
“O paciente alegou que passa por dificuldades financeiras e os produtos ocultados eram destinados a sua subsistência, tendo em vista que tanto ele quanto sua companheira não dispõem de qualquer meio de sobrevivência, estando ambos desempregados, além de possuírem seis filhos. Merece consideração, ainda, o relato da representante do estabelecimento-vítima, a qual relatou, em solo policial, que o paciente, inclusive, pagou por parte dos produtos que estavam no carrinho de compras na ocasião, demostrando desta forma a sua boa-fé”, declarou Vaz de Almeida.
O defensor público Leonardo Biagioni de Lima, que cuida da defesa do acusado, disse que o alvará de soltura ainda não foi expedido pelo Judiciário, mas que o homem deve ser solto até esta terça (14) do Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo.
“Felizmente a desembargadora reviu as decisões proferidas pela juíza e desembargador plantonistas, trancando o inquérito policial e liberando do cárcere um homem de 49 anos preso por estar passando fome junto a sua família. Resta saber as oportunidades que o Estado vai garantir a esse homem para que não seja obrigado a passar por uma situação como essa novamente”, afirmou o defensor.
Antecedentes criminais
A prisão provisória do acusado havia sido aceita na quarta-feira (8) pela juíza Danisa de Oliveira Monte Malvezzi, da primeira instância, a pedido do promotor Romeu Galiano Zanelli Júnior, que entendeu no processo que o réu já tem passagens na polícia por outros furtos e roubos, tendo sido condenado em ao menos um dos processos a mais de cinco anos de prisão pelos delitos.
“Esses antecedentes demonstram que ele faz do cometimento reiterado e habitual de infrações patrimoniais verdadeiro estilo de vida e meio de ganho, pondo em risco, com esse comportamento, todos os membros da coletividade e causando grande intranquilidade social. Desse modo, para garantia da ordem pública, não vejo a menor possibilidade de responder ele, em liberdade, ao processo que se iniciará em breve”, escreveu Zanelli Júnior na ocasião.
A juíza Danisa Malvezzi afirmou que o fato de o homem estar desempregado “geraria presumível retorno às vias delitivas”.
“Em que pese o indiciado ter declarado endereço fixo, não comprovou atividade laboral remunerada, de modo que as atividades ilícitas porventura sejam fonte ao menos alternativa de renda (modelo de vida), pelo que a recolocação em liberdade neste momento (de maneira precoce) geraria presumível retorno às vias delitivas, meio de sustento”, afirmou.
“Não bastasse isso, [o réu] ostenta longa ficha criminal, inclusive há reincidência na espécie, circunstância impeditiva, nos termos da lei e na eventualidade de condenação, da concessão de regime menos gravoso”, escreveu a juíza.
Ao negar naquele mesmo dia o pedido de habeas corpus da defesa, o desembargador Luis Augusto de Sampaio Arruda também analisou os antecedentes do acusado e o fato dele não ser do grupo de risco para a Covid-19 para ser libertado.
“A despeito de o suposto crime não ter sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, verifico, em análise superficial, que a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva foi bem fundamentada (fls. 88/90) e não consta destes autos que o Paciente se enquadre em grupo de risco da Covid-19”, afirmou Arruda.
Fonte: G1 – Foto: Divulgação/G10 Favelas