17 abril, 2024

Últimas:

Pesquisadores identificam, documentam e valorizam as mais de 200 línguas faladas no Brasil

Anúncios

Gersem Baniwa ainda se lembra dos castigos que sofria, em meados dos anos 1980, quando falava em Baniwa, sua língua indígena, dentro da escola: uma placa com os dizeres “Eu não sei falar português” era pendurada no pescoço do aluno e só era retirada quando outro cometia o mesmo “pecado”, o de exercer a sua cultura.

— Era uma humilhação psicológica. Para os missionários que comandavam as escolas, as línguas indígenas eram do diabo. E, para o governo, era coisa de gente que não é humana, não era civilizada — diz Gersem, hoje um dos maiores especialistas brasileiros em educação escolar indígena.

Anúncios

Até a Constituição de 1988, era dessa forma preconceituosa que parte do país tratava sua diversidade linguística. Apesar de avanços recentes em pesquisas, ainda não há uma definição clara de quantos idiomas são falados no Brasil. Nesta semana, o IBGE deu início à coleta do Censo 2022 em terras indígenas. Uma das questões é justamente a contagem dos dialetos no território. Na última edição, de 2010, foram registrados 274 idiomas diferentes nas aldeias. No entanto, pesquisas com outras metodologias apontam que esse número pode chegar a 350.

Em 2010, o país criou o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), um instrumento oficial de identificação, documentação, reconhecimento e valorização das línguas faladas pelos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Segundo o Iphan, responsável pelo INDL, o Brasil registra oficialmente línguas indígenas (cujos últimas projeções do órgão foram de 160 a 180); de comunidades descendentes de imigrantes (que o Iphan calcula haver em torno de pelo menos 30); a Libras, Língua Brasileira de Sinais, bem como línguas indígenas de sinais; e, por fim, reminiscências de línguas africanas que fazem parte do universo cultural das religiões de matriz africana no Brasil (em especial, o Iorubá).

Anúncios

Em nota, o instituto afirmou que historicamente a preservação das línguas foi papel única e exclusivo das comunidades linguísticas e à revelia do Estado brasileiro, que, “contrariamente, teve papel central no solapamento de nossa diversidade linguística”. Ainda segundo o Iphan, os esforços oficiais de preservação, valorização e reparação às perdas da diversidade linguística são relativamente recentes e incipientes, se comparados, por exemplo, com países de grande diversidade linguística, como o México e a Colômbia.

“O Brasil é um dos países mais multilíngues em termos absolutos do Globo Terrestre. Entretanto é também um dos países mais hegemonicamente monolíngues, de modo que grande parte da população só se expressa em português, diferentemente de outros países, onde é bem mais comum uma pessoa ter competência na língua oficial nacional, na materna de seu grupo étnico e em uma ou mais línguas de outros países ou de outros grupos étnicos”, apontou o Iphan.

Filó em Vila Flores (RS) conta a história da imigração italiana em Talian (Foto: Acervo Secretaria de Turismo e Cultura de Vila Flores)

Nasce uma gramática

Filho de um indígena que fez parte da primeira geração da etnia Paiter Suruí a ter contato com brancos, o professor Joaton Suruí decidiu construir a gramática da língua — que leva o mesmo nome da etnia — falada em sua aldeia. Em 2006, ele começou esse trabalho na escola da sua comunidade, em Cacoal, a 485 quilômetro de Porto Velho, capital de Rondônia. Pelo trabalho, foi o vencedor do prêmio Educador Nota 10 em 2008.

— Comecei a fazer por necessidade. Foi quando comecei a dar aula da língua materna, mas não existia a forma escrita da língua do povo Paiter Suruí — explica Joaton.

Reunido com as comunidades, o professor e seus alunos passaram a debater o nascimento da gramática Paiter Suruí — língua falada pelo povo que viveu isolado até 1968. Como consultor principal, ele utilizou o pai, de 85 anos, que viveu na floresta a maior parte da vida e não fala português.

— Sempre que eu tinha dúvida, perguntava para ele. Ele falava e repetia e foi algo muito lento, por ser muito novo para mim como professor — explica. — Ainda falta definir muita coisa, criar um padrão para todos os professores trabalharem da mesma forma, com materiais didáticos próprios. Agora tem até livro escrito na nossa língua e em português.

Uma enorme dificuldade do trabalho foi com os números. Na língua Paiter Suruí, os números naturais só iam até cinco — que são representados, segundo ele, por palavras enormes. Em quantidades maiores, o caminho é o “muito” ou associações como “juntando os pés e mãos” ou “muito igual cabelo”.

— Pensamos muitos em como criar símbolos específicos que podem representar os outros números. Cheguei a criar até o cem. Preciso ainda formalizar e sistematizar isso para apresentar a outros professores — diz Joaton.

O Brasil tem 3.466 escolas indígenas. Dessas, 2.538 ensinam pelo menos uma língua indígena — e, em 144, a língua indígena é exclusiva. São 168 idiomas diferentes ensinados em sala de aula. A língua Makuxí é a mais comum, ensinada em 191 escolas do país, seguida por GuajajáraW (em 185 escolas) e Tikúna (em 141 escolas).

Em algumas cidades, até escolas não-indígenas têm aulas de línguas que são faladas em aldeias das regiões. Este é o caso, por exemplo, de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. A cidade tem quatro línguas cooficiais, além do português. Ela foi, em 2002, pioneira no processo de oficializar a diversidade linguística, que tem sido seguido por outros municípios brasileiros.

Herança dos imigrantes

Vila Flores, no Rio Grande do Sul, também tem uma segunda língua cooficial, o Talian, variante de uma língua falada na região do Vêneto, na Itália, que chegou ao Brasil com os imigrantes e é encontrada no Espírito Santo, Mato Grosso, Santa Catarina e, especialmente, na Serra Gaúcha. Entre os falantes, estão os técnicos de futebol Tite, da Seleção Brasileira, e Felipão, campeão do Mundo em 2002.

— Por ser um município muito pequeno, ainda preservamos o Talian genuíno no interior. Ainda há alguns da 3ª geração de imigrantes que estão vivos, que passaram para a 4ª e a 5ª. E já tem uma gurizadinha da 6ª geração que também arranha a língua — diz Makielen Zandoná Ceccato, Secretária de Turismo e Cultura de Vila Flores. — Tenho 41 anos e cresci com meus avós e pais falando Talian. Meus tios e meus pais falam direto em casa. No convívio, a gente aprende. Nunca sentamos para aula.

A cidade virou a capital estadual do Filó, um espetáculo que conta a saga da imigração italiana em Talian. Assim, em comunidade, se reúnem num espaço cultural para manter a tradição viva. Além disso, já há um projeto de implementar a língua no currículo escolar.

— Outro dia ouvi de uma jovem Macuxi: “Estou estudando minha língua para eu ser mais Macuxi”. Diversidade é riqueza. Cada uma dessas línguas descreve um mundo diferente, tem suas lógicas, representa formas únicas de existir — diz Ananda Machado, especialista em diversidade linguística da UFRR.

Fonte: Extra

Últimas

Duck Creek Organiza One Duck Creek Summit Anual para Desenvolver Conexão, Pertencimento e Comunidade

17/04/2024

Anúncios COLUMBIA, S.C., April 17, 2024 (GLOBE NEWSWIRE) — Duck Creek Technologies, fornecedora de soluções inteligentes...

Categorias