23 abril, 2024

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Em artigo, Professor da Unesp explica por que os humanos fazem sexo na posição “papai-mamãe”

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Muito embora sejam conhecidas inúmeras posições para o ato sexual entre os humanos, a posição “papai-mamãe”, na qual os parceiros se colocam deitados frente a frente, com o homem sobre a mulher, é a mais convencional e possivelmente uma das mais confortáveis. O Kama Sutra, o secular texto indiano sobre o comportamento sexual humano, relaciona dezenas de outras posições, mas a posição “papai-mamãe” atravessa os tempos e mantém-se como uma das preferidas, ou mais frequente, entre os casais. E por que os humanos copulam com os parceiros colocados frente a frente?

Nas demais espécies de mamíferos, inclusive entre os demais primatas, a cópula ocorre em um período específico do ciclo estral (no período fértil da fêmea), exclusivamente para fins reprodutivos, com a fêmea se colocando de costas para o macho, que se apoia sobre seu dorso para que ocorra a penetração. Na espécie humana o sexo é praticado em qualquer fase do ciclo menstrual da mulher, praticado sem que seja, necessariamente, para fins reprodutivos (praticado mesmo após a idade reprodutiva), e, em boa parte das vezes, a cópula se dá com os parceiros na chamada posição “papai-mamãe”. Além da espécie humana, o chimpanzé-pigmeu, ou bonobo (Pan paniscus), é uma das poucas espécies de mamíferos que foge à regra: essa espécie incorporou aos seus hábitos a prática do sexo para fins não reprodutivos, como forma de apaziguar conflitos entre os membros do bando, e a cópula, que normalmente ocorre com o macho se colocando por trás da fêmea, também pode ocorrer em posições variantes, como a posição “papai-mamãe”. Mas, além dos bonobos, dentre os quais a posição “papai-mamãe” é uma variante ocasional, os humanos são os únicos que a praticam regularmente, especialmente quando a finalidade é a reprodução.

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Voltando à pergunta, por que os humanos copulam com os parceiros colocados frente a frente? Poderíamos apresentar inúmeras respostas a essa pergunta, tantas quantas nossa imaginação possa permitir. Talvez pudéssemos responder que a posição “papai-mamãe” permite que um parceiro visualize as reações da face do outro, o que revela sentimentos e reforça a união do casal. Outros responderiam que a posição “papai mamãe”, por ser exclusividade dos humanos, revela o quanto somos diferenciados e evolutivamente superiores às demais espécies. Ou ainda que esta posição é indicativa de termos deixado nossa condição animal e ascendido a uma condição cultural e espiritual superior. Há também os que responderiam que esta é a única posição adequada a um casal moralmente decente, e outros responderiam que suas respectivas religiões proibiriam variações consideradas pecaminosas ou aberrantes.

Talvez a resposta seja mais simples: fazemos sexo frente a frente porque nossa anatomia favorece essa posição.

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Nos humanos, a abertura do canal vaginal é mais ventral, mais frontal que nas demais espécies. Nas outras espécies de mamíferos, a abertura do canal vaginal está mais deslocada para trás, o que favorece a cópula com o macho se colocando por trás da fêmea. Na nossa espécie, a posição frontal da abertura do canal vaginal favorece a cópula frente a frente.

Poder-se-ia argumentar que a posição frontal da abertura do canal vaginal é apenas aparente, decorrente do fato de sermos bípedes e de postura ereta, mas este argumento não é totalmente correto. Muito embora a postura ereta permita melhor visualização da genitália humana, a posição anatômica da genitália, quando comparada à de outros mamíferos e primatas, é mais ventral. Mesmo que fêmeas de chimpanzés, orangotangos, etc. sejam colocadas em posição ereta, a abertura do canal vaginal permanece em posição mais posterior, ou mais dorsal.

Neste ponto, se retornarmos à resposta dada (fazemos sexo na posição papai-mamãe porque nossa anatomia assim o favorece) veremos que o problema é mais complexo: por que as mulheres têm o canal vaginal em posição mais frontal? Note que a pergunta é “por quê”, e não “para quê”. Afinal, a mulher não tem a genitália em posição ventral para poder fazer sexo frente-a-frente com seu parceiro, mas assim o faz por ter a genitália nessa posição. Portanto, a nova pergunta é: por que as mulheres têm a abertura do canal vaginal em posição mais frontal?

Para responder a essa nova pergunta é necessário dizermos que, ao longo da evolução da espécie humana, foram fixados caracteres anatômicos ditos neotênicos, ou seja, caracteres que, comparados aos de outros primatas são considerados juvenis. Ao longo do desenvolvimento embrionário humano, foram reduzidas as taxas de crescimento de determinadas estruturas e, ao nascermos, essas estruturas se apresentam menos desenvolvidas. Após o nascimento, algumas dessas estruturas mantêm taxas reduzidas de crescimento, e o crescimento cessa em estágios anteriores ao do desenvolvimento das mesmas estruturas em outras espécies primatas. Ou seja, mesmo no ser humano adulto, essas estruturas apresentam-se em um estágio de desenvolvimento aquém daquele verificado nos demais primatas e demais mamíferos. Mantemos essas estruturas em uma forma “juvenil” quando em comparação às das demais espécies aparentadas. São estruturas neotênicas.

Ao nascer, o bebê humano apresenta-se bem menos desenvolvido que os bebês de outros primatas. O estágio de desenvolvimento de um bebê humano, no nascimento, é comparável ao desenvolvimento do feto de um macaco. Nossos bebês são prematuros quando comparados aos bebês de outros primatas.

Ao nascermos, muitos de nossos órgãos ainda não estão totalmente formados e continuam seu desenvolvimento durante a infância. Em outros primatas, esses mesmos órgãos já estão totalmente ou quase totalmente desenvolvidos no nascimento. Nossos dentes só surgem muito mais tarde. Nossas suturas cranianas só se fecham também muito mais tarde. Quando nascemos, nosso cérebro tem apenas 23% de seu tamanho final, enquanto o cérebro de um chimpanzé ao nascimento já atinge 40% do tamanho de um cérebro adulto, e o cérebro de um macaco rhesus ao nascimento tem 65% de seu tamanho final. Ao final do 1º ano de vida, o cérebro do chimpanzé já tem 70% de seu tamanho definitivo enquanto nosso cérebro só atingirá essa proporção depois do nosso 3º ano de vida.

Algumas de nossas estruturas anatômicas cessam seu desenvolvimento em fases anteriores àquelas verificadas em espécies aparentadas. O hallux (o dedão de nosso pé), paralelo aos outros dedos, é mais uma característica juvenil: retivemos seu crescimento antes que o hallux assumisse outra posição. Nos demais primatas o hallux é, durante a vida intrauterina, paralelo aos outros dedos, tal como o nosso. Mas nesses primatas o crescimento e desenvolvimento intrauterinos são mais acelerados e deslocam o hallux de tal forma que ele se coloca em oposição aos outros dedos, o que favorece a função de preensão. Nos humanos, a posição do hallux mantém-se tal como era em fases juvenis. A posição do forame magno (abertura pela qual passa a medula, comunicando a cavidade craniana com o canal vertebral), no homem, é na base do crânio, similar à de fases juvenis dos primatas. O mesmo ocorre com o aparecimento e disposição de pelos no corpo.

A lista de caracteres juvenis, retidos ao longo de nosso desenvolvimento, é bem maior. Mas um caráter em especial nos interessa: a posição ventral da abertura do canal vaginal das mulheres. Nos embriões e fetos de outros mamíferos, o canal vaginal também ocupa posição ventral, mas como o desenvolvimento e crescimento do feto no útero é mais acelerado quando em comparação aos nossos, a posição do canal vaginal desloca-se para trás. Como nascemos “antes do tempo”, retivemos mais essa característica juvenil, que, como consequência, nos facilita a cópula em posição frontal.  Portanto, a posição anatômica da abertura do canal vaginal, resultante de nossa neotenia, favorece a adoção da posição “papai-mamãe”.

Os primatas se desenvolvem lentamente em relação aos outros mamíferos, mas em nós, humanos, essa tendência foi acentuada. Um abrandamento de nossas taxas de desenvolvimento desencadeou nossa neotenia. Em relação ao desenvolvimento intrauterino dos demais primatas, nascemos antes do tempo: somos prematuros.

Contudo, se nossos bebês são prematuros quando comparados aos de outros primatas, seria de se esperar que as mulheres tivessem uma gestação mais curta que a gestação das macacas. Isso realmente ocorre?  A resposta, à primeira vista, poderia ser não. Afinal, a duração da gestação humana, de 40 semanas, é uma das mais longas dentre os primatas. No chimpanzé, a gestação dura cerca de 230 dias, ou 33 semanas. É necessário, porém, que consideremos não o tempo tradicional, planetário, medido em dias, semanas e meses, mas sim um tempo relativo, biológico, que leve em consideração o metabolismo, tempo médio de vida, tempo necessário para atingir a maturidade sexual e, proporcionalmente ao tempo de vida e de vida reprodutiva do animal, o quanto desse tempo é dedicado à gestação. Quando consideramos esses critérios, verificamos que o tempo da gestação humana é bastante abreviado quando comparado ao de outros primatas.          Nesse tempo biológico, nossa gestação é mais curta, enquanto que o tempo que dedicamos à amamentação e cuidados com a nossa cria, e o tempo gasto até que se atinja a maturidade sexual, são proporcionalmente muito mais longos. Considerando o tempo de gestação e o grau de desenvolvimento dos bebês ao nascimento verificamos que, para que nossos bebês nascessem com grau de desenvolvimento semelhante ao de outros macacos, seria necessário que a gestação das mulheres se prolongasse por, pelo menos, 8 meses além dos 9 que já dura. As mulheres deveriam permanecer grávidas, pois, por pelo menos quase 1 ano e meio.

Uma consequência de nascermos prematuramente é o fato de sermos, ao nascimento, extremamente frágeis e indefesos. Em comparação aos outros mamíferos, nossa sobrevivência é mais dependente dos cuidados de nossos pais. Nossa infância é bastante prolongada e o tempo que os pais dedicam à prole é bastante longo. Este fato, porém, de forma alguma representa desvantagem.

Ao nascermos, nosso cérebro apresenta-se pouco desenvolvido e ainda passível de se impressionar e aprender a partir de nossas relações com o ambiente.  O desenvolvimento do cérebro humano continua ao longo da infância, durante a qual, sob cuidados dos pais e/ou do grupo, e sob estímulos ambientais, desenvolvemos e incorporamos padrões complexos de comportamento. Desse modo, o que seria uma desvantagem (nascimento prematuro) resultou em um dos nossos trunfos como espécie: a grande capacidade de aprender com a experiência vivida. A conjunção de fatores como infância prolongada, dedicação dos pais e um cérebro que nos conferiu grande capacidade para aprender permitiu que estabelecêssemos relações cada vez mais complexas com o ambiente e com as demais espécies.

Pois bem, se o nascimento prematuro e a neotenia explicam a posição ventral da abertura do canal vaginal na nossa espécie, e essa posição anatômica explica a posição “papai-mamãe” quando da cópula, cabe aqui outra pergunta: por que nascemos prematuramente? Uma resposta: por causa do tamanho da nossa cabeça.

Consideramo-nos muito inteligentes. Desenvolvemos a cultura de forma como nenhum outro animal o fez. Atribuímos toda nossa capacidade intelectual ao tamanho avantajado de nosso cérebro.

Mas, nosso cérebro é assim tão grande? Os elefantes têm cérebros muito maiores que os nossos. A baleia-azul tem o maior cérebro dentre os animais.

A questão, portanto, não é o tamanho do cérebro em si. Afinal, corpos maiores exigem cérebros maiores. A questão é quanto de cérebro é necessário para coordenar e integrar os processos fisiológicos do organismo, coordenar as ações, manter, enfim, as atividades e tipo de vida de um determinado peso de corpo.

A resposta para essa questão pode ser obtida quando se compila o peso médio de cérebros e corpos de adultos das mais diferentes espécies de mamíferos. Os dados obtidos, tratados com a metodologia estatística apropriada, indicam qual o peso médio esperado de cérebro para um mamífero de determinado tamanho. Por exemplo, um mamífero qualquer de 5Kg tem, em média, um cérebro de 35g. Mamíferos de mesmo peso que apresentem cérebro maior que o esperado apresentariam um maior “grau de encefalização”. Todos os primatas apresentam cérebro de peso médio superior ao esperado para um mamífero de mesmo tamanho. Em um chimpanzé, por exemplo, que tem peso por volta de 35-40Kg, seria esperado que tivesse cerca de 150g de cérebro, mas na verdade seu cérebro pesa cerca de 400g. Dentre os primatas, nossa espécie é a que apresenta maior grau de encefalização. O homem, com peso médio entre 60Kg e 80Kg, tem um cérebro de cerca de 1,5Kg, e não os 200g que seriam esperados para um mamífero de seu tamanho.  Mamíferos carnívoros apresentam maior grau de encefalização que mamíferos herbívoros. Mamíferos recentes têm mais cérebro que mamíferos de há 70 milhões de anos. Nos humanos, o peso do cérebro corresponde a cerca de 2% do peso corporal, enquanto nos elefantes corresponde à 0,1% e nas baleias-azuis,  apesar de seus 10 Kg de cérebro, este corresponde à apenas 0,005% do peso do animal. Além da relação massa do cérebro/massa corporal, há também que se considerar as diferenças na estrutura cerebral dos diferentes mamíferos, tais como a região do cérebro com maior proporção de neurônios. Por exemplo, os elefantes têm cerca de 85% de seus neurônios localizados no cerebelo, região do cérebro que participa do equilíbrio e integração dos movimentos, e apenas 2% de seus neurônios estão na região do córtex, responsável pelo aprendizado. Nos humanos, cerca de 20% dos neurônios estão na região do córtex, o que explica nossa grande capacidade para aprender e raciocinar. Portanto, o que importa não é o tamanho do cérebro em si, mas o grau de encefalização.  Ainda assim o tamanho do cérebro e, por consequência, o tamanho da caixa craniana fazem parte da explicação sobre o porquê de nascermos prematuramente.

Os ancestrais dos grandes primatas africanos baseavam sua dieta na exploração de itens (frutos, grãos, raízes) encontrados em áreas pequenas, porém em quantidade e de disponibilidade regulares. Mas, nos primórdios da evolução do gênero Homo, na exploração de novos nichos ecológicos, foram favorecidos comportamentos mais flexíveis e complexos, inclusive e principalmente aqueles relacionados à obtenção de alimentos. Esse comportamento mais complexo permitiu que desenvolvêssemos estratégias elaboradas para obtenção de novos itens de alimentação. O custo desse desenvolvimento seria a necessidade de dietas mais ricas em termos proteicos e calóricos. O acesso a alimentos de origem animal, de melhor qualidade proteica e teor de gordura, permitiu maior crescimento e desenvolvimento do cérebro, que por sua vez assegurou o estabelecimento de padrões ainda mais complexos de comportamento. Um verdadeiro círculo, em que o efeito tornou-se causa do processo. Portanto, nesse contexto estavam criadas as condições para que a seleção natural favorecesse cérebros maiores e de estrutura mais complexa. Ainda hoje, bebês humanos que não recebem nos primeiros anos de vida o suprimento adequado de proteínas e gorduras apresentam comprometimento no desenvolvimento do cérebro e comprometimento cognitivo.

Há que se observar que a argumentação apresentada no parágrafo anterior refere-se ao aumento do volume e complexidade do cérebro, mas esse aumento de volume exigiu caixa craniana que comportasse volume maior. De nada adiantaria haver condições ambientais que favorecessem o crescimento do cérebro se, concomitantemente, não houvesse um aumento do volume da caixa craniana. São processos separados e diferentes, haja vista que são diferentes e relativamente independentes os processos de crescimento e desenvolvimento dos tecidos ósseo e nervoso. O encéfalo se origina a partir do ectoderma, enquanto o sistema esquelético, que inclui a caixa craniana, se origina a partir do mesoderma.

O registro fóssil mostra que, ao longo da evolução da linhagem que deu origem à nossa espécie, a caixa craniana apresentou progressivo aumento de tamanho. Gêneros tais como Ardipithecus e Australopithecus já apresentavam caixa craniana maior que o esperado para um mamífero de mesmo tamanho. Nas várias espécies do gênero Homo que se formaram ao longo dos últimos 2,5 milhões de anos, manteve-se o aumento no volume da caixa craniana. Contudo, há que se perguntar: o que motivou o crescente aumento da caixa craniana? Seria um desígnio reservado à nossa espécie? Estaríamos fadados a ter um grande crânio e um grande cérebro?

A resposta para essas questões pode ser bastante simples. No Homo sapiens a caixa craniana é formada por 22 ossos, os quais formam seis placas ósseas que se interligam através das suturas cranianas. Durante o desenvolvimento embrionário, esses ossos crescem segundo um padrão definido, o que confere à caixa craniana seu formato abaulado.  O crescimento desses ossos prossegue durante a infância e, na nossa espécie, prolonga-se além do ponto no qual, na outras espécies, já teria cessado seu crescimento. As suturas cranianas se fecham em diferentes momentos ao longo do crescimento do indivíduo: metade delas até os dois anos de idade, e as demais até os 40 anos de idade. O fechamento precoce dessas suturas e o cessar precoce do crescimento das placas ósseas dificultam o crescimento normal do cérebro, o que leva a alterações no desenvolvimento intelectual da criança. Portanto, é compreensível e esperado que sejam favorecidas por seleção natural as alterações de crescimento ósseo que garantam o crescimento do tecido cerebral, e não aquelas que dificultam esse crescimento. Desse modo, frente às perguntas apresentadas no parágrafo anterior, pode-se responder que o aumento progressivo da caixa craniana é uma consequência da seleção cumulativa de variantes que permitem o crescimento do tecido cerebral, tanto na vida intrauterina quanto ao longo da infância, e da eliminação daquelas variantes que restringem ou dificultam esse crescimento.

Considerando que os ossos do crânio formam um todo interconectado pelas suturas cranianas, uma pequena modificação no formato ou na taxa de crescimento de um deles pode alterar o crescimento e desenvolvimento dos demais. É o que acontece com o osso esfenoide. Esse osso situa-se na base do crânio, tem o formato de uma “borboleta” e ao redor dele ocorre o desenvolvimento dos demais ossos do crânio. É um dos primeiros ossos a se formar no embrião. Qualquer pequena modificação no formato ou taxa de crescimento desse osso pode alterar de modo bastante profundo toda a conformação da caixa craniana.

As modificações no esfenoide que resultam em alterações da caixa craniana, que por sua vez resultam em comprometimento do crescimento do cérebro, ou seja, as modificações no esfenoide que comprometem a adaptabilidade do indivíduo, são desfavorecidas por seleção natural. Porém, ao longo dos últimos milhões de anos, algumas pequenas modificações nesse osso foram determinantes no destino evolutivo da nossa linhagem, uma vez que resultaram em vantagem adaptativa. Em algumas ocasiões, alterações genéticas determinaram alterações no crescimento e rotação do osso esfenoide em relação à posição e formato ancestral, promovendo reorganização na curvatura e crescimento dos demais ossos do crânio, o que resultou em aumento do volume da caixa craniana e abriu espaço para o crescimento do cérebro. O resgate de fósseis da nossa linhagem indica os momentos ao longo de nossa evolução nos quais essas pequenas modificações determinaram o aparecimento de uma nova linhagem com potencial para, ao longo do tempo, desenvolver relações cada vez mais complexas com o ambiente e, eventualmente, sobrepujar espécies aparentadas.

Essas modificações no esfenoide, além de alterarem o tamanho da caixa craniana, permitindo o crescimento do cérebro, também alteraram características de nossa face: o maxilar tornou-se menor, o que trouxe problemas ortodônticos que se manifestam ainda hoje na nossa espécie.

Em resumo, pequenas mutações podem ter determinado pequenas alterações no formato e crescimento do osso esfenoide, o que trouxe, por consequência, uma pronunciada alteração no formato e volume da caixa craniana. As alterações que resultaram em comprometimento do crescimento do cérebro foram eliminadas por seleção natural, mas aquelas que favoreceram esse crescimento foram cumulativamente mantidas. Desse modo, explica-se a aparente “tendência” de crescimento de caixa craniana.

O crescimento da caixa craniana, portanto, é um fato, mas o que este fato tem a ver com nossa neotenia e nossos partos prematuros?

Se fêmeas de nossa linhagem não tivessem abreviado o tempo de gestação, ou seja, se suas gravidezes durassem 1 ano e meio, os bebês nasceriam com uma cabeça bem maior do que um parto normal poderia suportar. O diâmetro da pelve feminina não seria suficiente para permitir a passagem de uma cabeça tão grande.  Ao longo da evolução, enquanto o cérebro e caixa craniana cresciam, concomitantemente foram favorecidas as fêmeas de parto mais precoce. Aquelas de gestação mais prolongada teriam tido maiores problemas no parto, com risco para a sobrevivência da mãe e do bebê.  Mesmo nas mulheres atuais o parto é um momento de risco e, nas mais diferentes culturas, a parturiente conta com a ajuda de um outro membro da espécie para auxiliá-la no momento de dar à luz ao bebê. Desse modo, nos primórdios da evolução humana, as mulheres que casualmente apresentavam gestação abreviada e parto mais precoce tinham mais chance de sobreviver. Embora dessem à luz crianças mais frágeis, compensariam esse fato com o cuidado dedicado à prole. A predisposição genética para partos precoces foi uma característica favorecida por seleção natural que trouxe, por consequência, o nascimento de bebês ainda em estágios precoces do desenvolvimento, o que por sua vez contribuiu para a fixação de nossos caracteres neotênicos, entre eles a posição ventral da abertura do canal vaginal.

Porém, a seleção natural atua, ao mesmo tempo, em várias direções e desse modo também poderiam estar sendo favorecidas as fêmeas com pelve mais larga, o que favoreceria o parto de crianças em estágios mais avançados de desenvolvimento e com crânios maiores. É provável que isso também tenha acontecido, até o ponto em que a conformação da pelve passou a interferir com a postura e locomoção. Uma pelve acentuadamente mais larga comprometeria em demasia (além do que já compromete) o caminhar ereto e a agilidade da locomoção. O Australopithecus afarensis, ainda que de cérebro pequeno comparado ao nosso, já tinha cérebro bem maior que o esperado para um mamífero de mesmo tamanho e já andava tão ereto quanto nós por volta de 4 milhões de anos atrás.  A ação de diferentes pressões da seleção natural resultou na anatomia e fisiologia que temos hoje, em particular na conformação da pelve feminina e no tempo de gestação de nossos bebês. A predisposição genética para partos precoces teria sido uma característica favorecida por seleção natural que permitiu, por consequência, o nascimento de bebês ainda em estágios precoces do desenvolvimento. Isso contribuiu para a fixação de nossos caracteres neotênicos, entre eles a posição ventral da abertura do canal vaginal.

Resumindo, provavelmente praticamos a posição “papai-mamãe” porque essa posição tem a ver com a posição da abertura do canal vaginal; e essa posição tem a ver com nossos caracteres neotênicos; e esses têm a ver com a abreviação da gestação, resultando em partos de bebês prematuros; e esses têm a ver com o tamanho de nossas caixas cranianas; que essas têm a ver com modificações no osso sigmoide; que por sua vez permitiu o crescimento do cérebro em um ambiente no qual a alimentação favoreceu esse crescimento; o que nos dotou de grande capacidade para aprender e raciocinar.

Depois disso tudo é bom que nos lembremos que, além da determinação genética para nossas características e desenvolvimento orgânico, a cultura é componente extremamente forte na determinação de nosso modo de vida. Um caráter de origem biológica, como a posição “papai-mamãe” para a cópula, pode ter seu significado e função alterados em razão de componentes culturais. Um caráter que se desenvolveu e se fixou por uma razão biológica pode ter potencial para outras funções diferentes da original. O filme A GUERRA DO FOGO, dirigido por Jean-Jacques Annaud em 1981, em determinado trecho, mostra indivíduos provavelmente da linhagem Homo copulando por trás, como os demais primatas e demais mamíferos. Uma tribo vizinha, culturalmente mais desenvolvida, copula frente a frente, na posição “papai-mamãe”, e esse comportamento passa a ser imitado pelos demais. É provável que nossa biologia tenha dado origem ao caráter “cópula na posição papai-mamãe” e que a fixação desse caráter no seio da espécie tenha sido acelerada em razão do caráter ter sido incorporado ao nosso universo cultural.

Agora que temos uma explicação para o fato de fazermos sexo na posição “papai-mamãe”, é bom não pensarmos nisso na hora do amor. Há coisas mais prazerosas e estimulantes para se pensar…

Guaracy Tadeu Rocha, professor do Instituto de Biociências  da Unesp de Botucatu, atua na Fundação Vunesp

PS: Autores recomendados, de cujas várias obras foram obtidos os elementos para os argumentos que apresento neste texto: Charles Darwin, Frans de Waal, Jared Diamond, Richard Dawkins e Stephen Jay Gould.

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