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Para começar bem o ano, tive a ousadia de resumir um texto publicado pelo meu filho Henrique*, já citado antes.
Cada vez que leio, vejo a beleza das imagens dançando em frente dos meus olhos…
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“O menino sai correndo, perfurado pelo som de uma sirene em alto volume. Para na janela. As mãos espalmadas contra o vidro, como se o impedisse de seguir a ambulância pela rua. Ele a acompanha com o olhar e dá um suspiro. Volta à mudez habitual.
Dona Cassandra era mesmo a avó favorita e também a única. Ela já ajudava bastante desde o diagnóstico do menino, e ainda mais depois do acidente do pai. Meses horríveis, em que pisavam no estilhaço dos dias.
A filha de dona Cassandra era quem mais havia se desgastado no processo, não menos pela solidão. Uma vez disse para a mãe que se sentia um dique, quase não suportando os golpes da maré. Cada vez que pisava no hospital era mais um golpe da maré.
Dona Cassandra estendia a mão para segurar a da filha. Aquele toque, mãos envolvendo-se, o calor, as rugas ao redor dos dedos e no dorso, um entrelaçar de mães, parecia o golpe final. Estouro da barragem.
A avó não estava na casa no dia. O menino na sala, quieto, montava uma torre de Lego. A mãe concentrada e o pai no banho. Escutou-se um barulho, uma pancada — depois a monotonia da corrente do chuveiro. A mãe e o menino se assustaram, mas só ela correu até lá. Abriu a porta, logo a fechou e pegou o celular. Dois homens entraram carregando uma espécie de cama portátil e saíram carregando o pai.
Os dedos da mãe se fecharam em torno do braço do menino: – tudo bem continuar montando a torre no apartamento da vovó?
A cada sirene que passa na avenida, principalmente quando dona Cassandra está num sono pesado e o apartamento emudece como o mar num dia bom, o menino corre até o vidro, bate as mãos com força e assiste, concentrado, à trajetória da ambulância que percorre o asfalto gritando. Sempre no aguardo, quieto, sem nunca fazer a pergunta, a única pergunta possível, a única pergunta possível e urgente, inescapável. Prefere o silêncio”.
* https://revistagueto. com/2018/11/19/o-canto-da-sirene-de-henrique-balbi/
**Dr André Balbi é médico nefrologista, professor adjunto de Nefrologia da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) e atual Superintendente do HCFMB.