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Mais de dois anos após a tragédia de Brumadinho (MG) foi selado hoje (4) no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) um amplo acordo que engloba todo o processo de reparação dos danos coletivos.
O documento estima que a mineradora Vale, responsável pelo episódio, deverá desembolsar pelo menos R$ 37,68 bilhões, valor que pode aumentar porque os custos da reparação ambiental foram incluídos na conta como uma projeção.
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Ficou acertado que o meio ambiente deverá ser recuperado integralmente, sem nenhum limite de gasto, ressalvado os danos que já foram identificados como irreparáveis e serão compensados com projetos já previstos.
Ocorrido em 25 de janeiro de 2019, após o rompimento de uma barragem na Mina Córrego do Feijão, a tragédia deixou 270 mortos, dos quais 11 corpos ainda estão desaparecidos. O episódio também causou destruição de comunidades, devastação ambiental, impactos socioeconômicos em diversos municípios e poluição no Rio Paraopeba.
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Além da mineradora, assinaram o acordo o governo de Minas Gerais, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública do estado.
As negociações vinham se arrastando desde o ano passado. Foram realizadas diversas audiências que envolvem diferentes ações civis públicas movidas pelo MPMG e pelo governo mineiro. Ambos apresentaram como pedido inicial uma indenização de R$ 54 bilhões. Desse montante, R$ 28 bilhões seriam para cobrir danos morais sociais e coletivos. Os R$ 26 bilhões restantes se referiam às perdas econômicas, segundo estudo da Fundação João Pinheiro, instituição de pesquisa e ensino vinculada ao estado de Minas Gerais.
Na primeira contraproposta da Vale, o valor era de R$ 21 bilhões. Sem evolução nas tratativas, o governo mineiro chegou a dar as negociações por encerradas no fim do mês passado.
O termo de medidas de reparação, como foi nomeado o acordo, prevê o custeio de diversas medidas de caráter reparatório e compensatório dos danos coletivos. As indenizações individuais e trabalhistas que deverão ser pagas aos atingidos estão sendo discutidas em outros processos judiciais e extra-judiciais.
Foram criados sete grupos de despesas: transferência de renda e demandas das comunidades atingidas; investimentos socioeconômicos na Bacia do Paraopeba; segurança hídrica; reparação socioambiental; mobilidade urbana; melhoria dos serviços públicos; e medidas de reparação emergencial.
Valor
O valor acordado de R$ 37,68 bilhões inclui R$ 5,89 bilhões que já foram gastos com determinadas obras e ações realizadas pela mineradora desde a tragédia. Serão destinados R$ 3 bilhões para projetos nas comunidades que sofreram impactos e R$ 6,1 bilhões para um programa de transferência de renda aos atingidos.
Outros R$ 4,7 bilhões serão para investimentos socioeconômicos em 26 municípios da Bacia do Paraopeba: a Vale irá executar as medidas, mas projetos das prefeituras e também dos atingidos poderão ser contemplados dentro desse montante. A recuperação ambiental foi estimada em R$ 6,55 bilhões, valor que poderá ser maior já que todos os danos ao meio ambiente deverão ser reparados.
Além disso, R$ 6,42 bilhões serão revertidos para variadas obras nas áreas de saúde, saneamento e infraestrutura. São previstas reformas de hospitais e intervenções consideradas necessárias para assegurar a segurança hídrica da região metropolitana.
Os R$ 4,95 bilhões restantes financiarão, como medida compensatória, obras de mobilidade. A principal delas será o Rodoanel Metropolitano, um projeto do governo mineiro para desafogar o tráfego que passa por áreas urbanas de Belo Horizonte, Contagem e Betim. A previsão é a construção de 100 quilômetros de vias que contornarão a Região Metropolitana de Belo Horizonte e ligarão as rodovias federais BR-040, BR-381 e BR-262.
Um dos objetivos do governo estadual é deslocar para o futuro Rodoanel o fluxo de veículos, sobretudo caminhões de carga e grandes carretas de passagem que hoje entram na capital mineira por falta de uma alternativa. A expectativa é reduzir consideravelmente o fluxo em regiões marginais e urbanas de Belo Horizonte e reduzir acidentes, principalmente no Anel Rodoviário, via que anualmente registra um alto volume de colisões e atropelamentos.
Em 2017, um levantamento apresentado pela prefeitura de Belo Horizonte apontou que no período de 10 anos, entre 2007 e 2016, morreram 319 pessoas e 10.209 ficaram feridas em acidentes no Anel Rodoviário.
O acordo não quita danos socioambientais que ainda não foram diagnosticados. Isso significa que os prejuízos que venham a ser futuramente conhecidos poderão motivar novas negociações. Também não há interferência no processo criminal. Da mesma forma, continua a tramitar normalmente a ação civil pública movida pelo MPMG com base na Lei Anticorrupção de Empresas.
Nesse processo, a Vale é acusada de corromper o mercado de certificação de barragens e R$7,9 bilhões foram bloqueados de sua conta.
Prioridade
A mineradora divulgou comunicado dizendo a reparação da tragédia é uma prioridade. “Desde as primeiras horas após a ruptura, há pouco mais de dois anos, a empresa tem cuidado das famílias impactadas, prestando assistência para restaurar sua dignidade, bem-estar e meios de subsistência. Além de atender às necessidades mais imediatas das pessoas e regiões afetadas,a Vale atua também na entrega de projetos que promovam mudanças duradouras para recuperar as comunidades e beneficiar a população de forma eficaz”, diz o texto.
Em nota conjunta, o governo de Minas Gerais, o MPMG, o MPF e a Defensoria Pública do estado afirmaram que o acordo dá às pessoas atingidas a certeza e a celeridade da reparação socioambiental e socioeconômica dos danos difusos e coletivos, além de implicar ganhos para a população em geral já que o meio ambiente é patrimônio de todos.
“Este é o meio mais efetivo de garantir os direitos das pessoas atingidas, haja vista que o processo judicial tem resultados incertos e pode demorar muito. Por exemplo, há outros casos de desastres ambientais, inclusive em Minas Gerais, cujos processos ainda não acabaram, quase 20 anos depois”, acrescentou o MPMG.
Protesto
Assim como nas demais audiências realizadas para negociar o acordo, atingidos pela tragédia realizaram um protesto em frente ao edifício do TJMG onde ocorreu o encontro. A principal crítica diz respeito à falta de transparência. Como as negociações se deram sob o princípio da confidencialidade, apenas os participantes das tratativas tiveram conhecimento dos detalhes. Não foram tornados previamente públicos os projetos que estavam em discussão.
As três organizações escolhidas pelos atingidos da tragédia de Brumadinho para assessorá-los – a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), o Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) e o Instituto Guaicuy – chegaram a publicar documento pleiteando que todos os termos do acordo sejam tornados públicos. Também cobraram a criação de espaços abertos para discuti-lo. No início do mês, a Aedas também apresentou uma lista com 220 medidas consideradas prioritárias para a reparação dos danos.
O Movimento dos Atingidos por Barragem anunciou que questionará judicialmente o acordo. “O valor não cobre o prejuízo causado a todas às famílias, mortes e destruição ambiental. Quem ganha é a Vale. A ação pedia R$ 54 bilhões e a reparação vai sair por R$ 37 bilhões. É uma imensa violação esse acordo sem a participação dos atingidos. Vamos continuar lutando para que o crime seja punido e a reparação integral seja alcançada. O que o acordo garantir será considerado por nós apenas uma parte da reparação”, disse Joceli Andrioli, integrante da coordenação nacional do movimento.
Governança
Um ponto-chave das negociações era a governança dos projetos de reparação. A solução pactuada foi dividir responsabilidades pela execução dos projetos, definindo também os atores responsáveis por fiscalizar cada um. São dezenas de projetos, sendo que alguns serão executados diretamente pela Vale. Em outros, caberá a ela apenas disponibilizar os recursos para ações do governo estadual e para definição dos atingidos em conjunto com o MPMG, o MPF e a Defensoria Pública do estado.
O acompanhamento das medidas e dos gastos envolverá a Controladoria-Geral do Estado, a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, o Tribunal de Contas do Estado, as instituições de Justiça e auditorias independentes que deverão ser contratadas.
A solução superou impasse colocado desde o início das negociações: o governo de Minas Gerais, o MPMG e o MPF manifestavam discordância em ter como referência a experiência da Fundação Renova. Trata-se da entidade que assumiu a gestão de todos os projetos da reparação dos danos da tragédia no município mineiro de Mariana, ocorrida em 5 de novembro de 2015, após o rompimento de uma barragem da Samarco deixar 19 mortos e causar impactos sociais, econômicos e ambientais em diversos municípios da Bacia do Rio Doce, até a foz no Espírito Santo.
A Fundação Renova foi criada conforme acordo firmado em março de 2016. Participaram das negociações a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Na época, o MPMG e o MPF foram contra os termos negociados. Eles avaliam que a estrutura da Fundação Renova permite que suas decisões sejam, em última instância, controladas pelas mineradoras.
O presidente da Fundação Renova, André de Freitas, considera legítimo que se busque alternativa específica para Brumadinho, mas também avalia que aprendizados da reparação da tragédia de Mariana deveriam ser levados em conta.
“Foi um desastre sem precedentes. A solução criada também foi inédita. Se fossemos começar de novo, eu faria algumas melhorias. Há muitos aprendizados. Tentamos algo novo e a minha avaliação é que entregamos muito mais da reparação em comparação com o que ocorreu em outros desastres, como o acidente radiológico com césio-137 em Goiânia e a poluição industrial em Cubatão (SP), onde predominaram processos na Justiça que podiam levar mais de década”, disse Freitas.
Fonte: Agência Brasil