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Por nove votos a um, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira que universidades públicas podem cobrar mensalidade por cursos de pós-graduação lato sensu, que compreendem programas de especialização e os chamados MBAs (Master Business Administration). O julgamento diz respeito à Universidade Federal de Goiás (UFG), mas tem repercussão geral, ou seja, a mesma decisão deve ser aplicada por outros tribunais e juízes em casos parecidos. Mestrado e doutorado continuam sendo necessariamente gratuitos.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), com sede em Brasília e abrangência sobre 14 unidades da federação, inclusive Goiás, considerou inconstitucional a cobrança de mensalidade pela UFG. O TRF1 manteve uma decisão anterior da Justiça Federal de primeira instância, que atendeu o pedido de um aluno de um curso lato sensu em Direito Constitucional da universidade.
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A UFG recorreu. Segundo a universidade, o TRF1 deu interpretação equivocada a trechos da constituição que dizem que a educação é direito de todos e dever do Estado e que o ensino público é gratuito. De acordo com a UFG, os dispositivos constitucionais sobre o direito social à educação não incluem gratuidade em cursos lato sensu. Isso porque tais cursos têm objetivos que dizem respeito aos interesses individuais dos estudantes, como o aprimoramento profissional e a reciclagem.
O relator, o ministro Edson Fachin, concordou com a UFG. Os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia o acompanharam. Entre outros pontos, eles destacaram a falta de recursos públicos para aquelas atividades que realmente devem ser gratuitas. Assim, não há sentido em proibir a cobrança no lato sensu. Fux destacou, por exemplo, o sucateamento das universidades públicas brasileiras.
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— A garantia constitucional da gratuidade de ensino não elide a cobrança por universidades públicas de mensalidade em curso de especialização. Sendo esse o único fundamento da impetração, incorreto o entendimento do tribunal recorrido que, sem observar a vinculação entre atividade em face da qual se estabeleceu a tarifa, estende a ela a gratuidade — afirmou Fachin.
Alguns ministros, como Moraes e Toffoli, também criticaram as barreiras à entrada de recursos privados para ajudar o financiamento de universidades públicas, como doações de ex-alunos. Segundo eles, isso não passa de preconceito e ideologia.
— Criou-se um escudo ideológico de que qualquer aproximação da universidade pública com o dinheiro, cobrança de curso ou aproximação da iniciativa privada é a privatização do ensino público. Por isso minha grande felicidade com o voto do ministro Fachin, que rompe essa barreira — disse Alexandre de Moraes.
Apenas o ministro Marco Aurélio discordou do relator. Ele entende que o acesso à universidade pública é gratuito, sem distinção de curso. Celso de Mello foi o único a não votar porque estava ausente.
Há, hoje, 51 casos semelhantes paralisados em instâncias inferiores à espera da decisão do STF. A sessão para julgar o caso começou na semana passada, mas apenas as partes e outros interessados se manifestaram. Os ministros votaram apenas nesta quarta.
Na ocasião, também se manifestaram a favor da cobrança a União e o Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies). Foram contra a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra) e o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes).
O procurador federal João Marcelo Torres, que falou em nome da UFG, argumentou que os cursos lato sensu não são financiados pelo poder público, uma vez que servem apenas para aprofundar os estudos da graduação. Assim, pode haver cobrança.
— Os cursos de especialização não conferem graus acadêmicos a quem os conclui. Destinam-se ao aperfeiçoamento profissional dos seus estudantes e não, como mestrado e doutorado, às atividades de pesquisa e docência, estas sim, sempre dependentes de apoio do Estado – afirmou João Marcelo Torres.
MEDIDA DIVIDE OPINIÕES
Presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Ângela Paiva Cruz comemorou a decisão do Supremo. De acordo com ela, a medida traz mais segurança jurídica às universidades.
— Historicamente as demandas apresentadas às universidades tinha cobrança, e hoje ganhamos mais segurança jurídica para continuar fazendo esse oferta, que é benéfica para a sociedade. As demandas são feitas porque as instituições acreditam que vão encontrar nas universidades grupos qualificados e competência necessária para qualificação, mas não necessariamente no mestrado e no doutorado. Não acreditamos que a medida vai contra a gratuitdade da universidade pública. Essa cobrança está sendo feita há muitos anos. Não estamos defendendo a privatização da universidade e nem a cobrança dos curso regulares — argumenta.
Na opinião da presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos, Tamara Naiz, a aprovação do pagamento pode abrir uma brecha para que outras cobranças sejam feitas nas universidades públicas:
— Quebra o princípio constitucional da gratuidade da educação nas instituições públicas de ensino. A educação superior brasileira já é extremamente elitizada e isso dificulta mais o acesso e permanência da ampla maioria da população. Essa decisão pode abrir a prerrogativa para que se volte a sugerir a cobrança de mensalidade no mestrado e a seguir isso na própria graduação. Além disso, em momentos de crise é muito tentador e fácil que se pense em alternativas para substituir o financiamento público nas instituições. Pagamos impostos para custear esse ensino nas universidades públicas. É dever do estado.
Segundo Tamara, outro problema da cobrança de taxas em especializações é impulsionar desigualdades entre áreas das universidades.
— Sabemos que há alguns cursos que têm apelo mercadológico e que essas especializações cobradas nas universidades públicas geram ilhas de excelência. Esse dinheiro não vai para o caixa geral da universidade. A universidade precisa se desenvovler como um todo e não ter setores que cobram e têm melhores instalações que outros — diz Tamara.
A presidente da Andifes, no entanto, nega que a cobrança de especialização esteja promovendo realidades diferentes dentro da mesma instituição.
— É evidente que um setor onde já há expertise muito alta será demandado. Mas a procura por especializações está presente em todas as áreas das universidades. Essa mensalidade cobre o custo do curso e uma taxa vai para melhoria de infraestrutura, manutenção de laboratórios, insumos, entre outras coisas.
Fonte: G1