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Foi durante um monitoramento de fauna no Parque Estadual do Turvo que o biólogo e guarda-parque Anderson Cristiano Hendgen e o estagiário, Ademir Fick viveram um momento único: ficaram frente a frente com dois cachorros-vinagres (Speothos venaticus), uma espécie de canídeo considerada uma das mais raras do Brasil e que está ameaçada de extinção.
“Estávamos em deslocamento na estrada que liga o portão do parque ao Salto do Yucumã, em atividade de monitoramento de fauna, pois havia chovido na noite anterior e isso facilita na identificação de pegadas. Avistamos algumas aves e paramos para tentar identificar as espécies. Quando olhei para frente, em direção à estrada, observei dois animais entre a estrada e a mata. Estavam longe e olhando rapidamente parecia com a irara (Eira barbara). Chamei o Ademir. Ele conseguiu fazer umas fotos. Logo eles entraram na mata e não foram mais vistos”, conta o guarda-parque.
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O encontro com o animal silvestre no início de julho foi uma grande surpresa. Em um primeiro momento a dupla não havia percebido que se tratava de uma raridade. “Como na hora achamos ser outra espécie não demos muita importância, pois a irara é aparentemente comum no parque, nem passou pela minha cabeça que poderia ser uma espécie nova”, acrescenta.
O biólogo que costuma usar as redes sociais como ferramenta de educação ambiental, compartilhou então os registros feitos da espécie observada. Foi então que um pesquisador entrou em contato perguntando se haviam mais imagens, pois ele suspeitava que seria uma espécie nova para região, o tão ameaçado, cachorro-vinagre.
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Mas a emoção vai muito além da experiência pessoal, traz ainda um viés importantíssimo para a ciência. Com câmeras em mãos a dupla fez os primeiros registros desta espécie para o estado do Rio Grande do Sul. Até então não havia dados históricos que comprovassem a ocorrência do animal para a região. “O registro está sendo muito comemorado por todos que trabalham com conservação e proteção da biodiversidade aqui no estado”, acrescenta Anderson.
A espécie possui ampla distribuição. Ocorre do Panamá ao Sul do Brasil, e também em países vizinhos como Paraguai, Argentina, Bolívia, Peru e Equador. No nosso país existem populações desse canídeo em quatro domínios naturais: Amazônia, Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica.
Cada qual apresenta um status, mas em todas essas localidades o animal corre perigo. E apesar da grande área de abrangência este cão silvestre é extremamente difícil de ser observado em campo. Entre os poucos registros que existem deste animal pelo Brasil, a maioria foram feitos com câmeras instaladas no interior da mata.
“Estou muito feliz por ter sido privilegiado junto com meu colega Ademir, em conseguir um registro assim, de uma espécie superimportante. “, afirma.
Na Mata Atlântica os únicos flagrantes da espécie eram oriundos do estado de São Paulo e também do Paraná. O avistamento do cachorro-vinagre no Rio Grande do Sul é um grande achado e demonstra a importância das unidades de conservação, além de comprovar que ainda existe muito para ser descoberto nas florestas brasileiras.Conversando brevemente com o gestor do parque e os demais colegas já estamos alinhando uma forma de monitoramento da espécie no local. Alguns pesquisadores já se mostraram interessados em tentar monitorar e obter mais registros— Anderson Cristiano Hendgen
Com mais de 17 mil hectares o Parque Estadual do Turvo é considerado o fragmento de Mata Atlântica mais importante para o estado. O local é refúgio de outros mamíferos ameaçados, como a onça-pintada (Panthera onca), maior felino das Américas, e a anta (Tapirus terrestris), o maior mamífero herbívoro terrestre do Brasil.
Cachorro-vinagre (Speothos venaticus)
O cachorro-vinagre, também conhecido como cachorro-do-mato-vinagre, é o menor representante da família Canidae no Brasil. O animal é inconfundível, pois se diferente totalmente dos seus parentes mais próximos, que são: o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), graxaim-do-campo (Lycalopex gymnocercus), raposinha-do-campo (Lycalopex vetulus), lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) e cachorro-do-mato-de-orelhas-curtas (Atelocynus microtis), outro canídeo extremamente raro.
De porte pequeno, apresenta as pernas curtas e robustas, orelhas redondas, cauda curta e pode pesar até 7 quilos. A pelagem é castanha com tons avermelhados, o dorso é mais escuro que a região ventral. Acredita-se que as características morfológicas deste canídeo seja uma adaptação da espécie para caçar presas em tocas no ambiente florestal em que vive.
Na dieta deste carnívoro encontram-se principalmente tatus e roedores de pequeno e médio porte.
O cachorro-vinagre pode ser avistado sozinho, mas geralmente vive aos pares ou em pequenos bandos com pouco mais de dez indivíduos. Pesquisas apontam que este canídeo já se adaptou a viver em áreas que sofreram impactos pelo homem, mas na grande maioria das vezes ela está associada à áreas preservadas, quase intactas.
Fonte: G1