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Estudo expõe violência obstétrica em dois terços dos partos e revela atendimento precário às jovens mães no estado
Um em cada dez partos realizados no estado do Rio de Janeiro é de gestante adolescente, de acordo com a segunda edição do estudo “Nascer no Brasil”, lançado pela Fiocruz em setembro. A pesquisa revela, ainda, que 20% dos nascimentos foram de gestações maduras, quando as mulheres têm acima de 35 anos.
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Os dados foram coletados entre 2021 e 2023 em 29 maternidades públicas e privadas de 18 municípios fluminenses. A equipe entrevistou 1.923 mulheres durante a internação para o parto ou por perda fetal. Os resultados saíram em sete artigos publicados na Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, com apoio do Ministério da Saúde, CNPq, Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) e Fundo Newton.
A médica e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Maria do Carmo Leal, coordenou o estudo. Ela explica a relevância dos achados. “A pesquisa incorporou novos temas e ampliou a amostra em alguns locais, o que garante representatividade, além de criar um retrato sobre as formas de gestar, parir e cuidar no estado.”
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Pré-natal tem alta cobertura, mas qualidade baixa
A cobertura da assistência pré-natal no Rio de Janeiro chega a 98%, mas a adequação do acompanhamento ficou abaixo de 1%, quando consideradas todas as recomendações do Ministério da Saúde.
Do total de gestantes entrevistadas, 79% iniciaram o pré-natal até a 12ª semana de gestação. Apenas 75% realizaram o número mínimo de consultas para a idade gestacional no parto. Menos de 20% das mulheres receberam todas as orientações recomendadas. As informações incluem riscos e benefícios dos tipos de parto, maternidade de referência e uso de álcool e tabagismo.
A existência de um problema ginecológico prévio ou identificado durante a gestação também requer atenção redobrada no pré-natal. A baixa adequação ao pré-natal pode estar ligada à elevada razão de mortalidade materna, fetal e perinatal no estado, conforme o estudo.
Gestantes jovens enfrentam abandono no sistema
O estudo também revela que as adolescentes enfrentam situação mais precária do que outros grupos. De acordo com as entrevistadas, elas peregrinaram mais em busca de atendimento para o parto e foram menos vinculadas à maternidade de referência, tendo uma chance menor de contar com acompanhante em tempo integral durante o trabalho de parto. Um obstetra no Rio de Janeiro deveria garantir esse vínculo desde o início do pré-natal, segundo os protocolos de saúde.
Gestantes adolescentes, com menos de 20 anos, enfrentam maiores riscos na gestação e no parto. Estudos na área de saúde mostram que esse grupo registra mais mortes de bebês logo após o nascimento e mais partos prematuros. Embora o índice de desenvolvimento de diabetes gestacional nesse grupo seja menor, há outros problemas: as jovens recebem um pré-natal deficiente e passam por condições precárias no momento do parto.
Já as mulheres acima de 35 anos enfrentam outros riscos. Há maior chance de síndromes hipertensivas, diabetes gestacional, descolamento prematuro de placenta e morbidade materna grave. No geral, esse grupo recebe mais orientação sobre a maternidade.
Violência obstétrica atinge 65,3% das mulheres
Independente do grupo etário, o estudo da Fiocruz mostra que dois terços das mulheres relataram ter sofrido, pelo menos, um tipo de violência obstétrica. Os toques vaginais inadequados são a forma mais relatada, com 46,2% dos casos. Negligência aparece em 31,5% dos relatos e abuso psicológico é mencionado por 21,7% das entrevistadas.
A pesquisa revela que a violência obstétrica atinge de forma mais severa as mulheres que já enfrentam outras vulnerabilidades sociais. Mulheres negras e solteiras relataram mais casos. Aquelas com menor renda e escolaridade até o ensino médio incompleto (menos de 12 anos de estudo) sofreram mais abusos físicos e toques vaginais inadequados.
Mulheres primíparas (grávidas pela primeira vez), que já tinham entrado em trabalho de parto, com trabalho de parto prolongado e que tiveram parto normal também apresentaram maiores prevalências em algumas dimensões investigadas.
Depressão e ansiedade afetam quase um quinto das puérperas
A pesquisa da Fiocruz também identificou sintomas de depressão em 17,9% das mulheres. A ansiedade afetou 16,3% das entrevistadas, e sintomas de estresse pós-traumático associado ao parto apareceram em 7,7% dos casos.
Baixa escolaridade e história de transtorno mental prévio estiveram associados aos sintomas dos três transtornos. As iniquidades sociais e os desfechos negativos no parto e nascimento foram fatores ligados a esses resultados.
A enfermeira, pesquisadora e coordenadora-adjunta do estudo, Silvana Granado, destaca a importância dessas nuances. “O lançamento desse estudo não apenas simboliza um momento importante de divulgação dos resultados e diálogo com a sociedade, mas também reforça a urgência de qualificar a atenção à gestação e ao parto e nascimento como um caminho essencial para a redução da mortalidade materna no país.”
Desigualdade marca acesso a acompanhante e analgesia no parto
As diferenças entre os setores público e privado são grandes. No SUS, 80% das mulheres tiveram acompanhantes em tempo integral. No setor privado, o índice chegou a 98%. A analgesia peridural foi oferecida a apenas 1% das parturientes do SUS. No setor privado, a 30%.
Nos municípios do interior, 66% dos partos foram cesáreas. No setor privado, o índice alcançou 85%. A maioria dessas cesáreas aconteceu antes do trabalho de parto. Na rede privada, apenas 15% das mulheres tiveram parto normal.
A pesquisa mostra problemas na organização da rede de atenção. Metade dos estabelecimentos públicos e privados conveniados ao SUS não estava cadastrada no Sistema Nacional de Regulação (Sisreg) para internação de gestantes e recém-nascidos de risco. Quase um terço das gestantes de alto risco foi atendido em maternidades sem unidades de terapia intensiva materna ou neonatal.
A próxima etapa do Nascer no Brasil 2 está prevista para 2026. O estudo revelará dados sobre gestação, parto e nascimento de todo o país.