25 abril, 2024

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Padre excomungado de Bauru comenta decreto do Vaticano sobre homossexualidade e vocação sacerdotal

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Um decreto sobre a formação de sacerdotes publicado nesta quarta-feira (08 pelo Vaticano, recorda a exigência de abstinência sexual e a proibição de homossexuais no exercício do sacerdócio.

“A Igreja, respeitando as pessoas envolvidas, não pode admitir no seminário e nem nas ordens sagradas os que praticam a homossexualidade, apresentem tendências homossexuais profundamente enraizadas ou apoiem o que se conhece como cultura gay”, destaca o documento, publicado nesta quinta-feira pelo Osservatore Romano, diário oficial do Vaticano.

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Este novo guia completo, aprovado pelo Papa, atualiza uma versão emitida há 46 anos, mas a não admissão de padres com tendências homossexuais foi tratada pela Igreja Católica em 2005. O documento faz exceção para as “tendências homossexuais que sejam unicamente a expressão de um problema transitório como, por exemplo, uma adolescência ainda não terminada” . A declaração repercutiu na imprensa e nas redes sociais.

Em 2013, o padre Roberto Francisco Daniel, mais conhecido como padre Beto, de Bauru (SP), foi excomungado da igreja católica por defender, publicamente, temas polêmicos como aceitar homossexuais e pessoas divorciadas na comunidade cristã.

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Ele, que é formado em Direito e História, fundou a própria igreja, a Humanidade Livre, após a expulsão. Padre Beto falou sobre as declarações do Vaticano.

 

Padre Beto, como o senhor analisa a postura da igreja em relação à homossexualidade e a homofobia?

Padre Beto: Eu vejo a postura da igreja como homofóbica.  Afinal, em relação aos fiéis o Catecismo é muito claro. O homossexual pode frequentar os sacramentos da igreja, desde que viva em castidade. Em outras palavras, a igreja aceita o homossexual, mas não a homossexualidade. Se esta postura não é homofóbica, eu não sei mais o que é homofobia. O resultado desta determinação eclesiástica é o conflito interno do homossexual, que foi criado no catolicismo, e a rejeição de sua sexualidade tanto por ele como por seus familiares. Em relação aos sacerdotes a postura piora. Os candidatos ao sacerdócio não somente precisam ter vocação (o que é justo e correto), mas precisam ser heteros. A igreja recusa oficialmente candidatos homossexuais ao sacerdócio, mas não para por aí, julga os homossexuais como pessoas imaturas! A homossexualidade seria para a igreja uma “adolescência não terminada” segundo o decreto sobre a formação dos sacerdotes.

 

A igreja Católica está fora da atual realidade no mundo sendo contra a união entre pessoas do mesmo sexo?

Padre Beto: Com certeza. Ela se recusa a assimilar os conhecimentos adquiridos pela Medicina, Psicologia e Psiquiatria sobre a sexualidade humana. Ela continua com conceitos atrasados e não facilita, a seus fiéis como também aos candidatos ao sacerdócio, uma lúcida educação sexual.

 

 

O Vaticano ressaltou em um decreto que os homossexuais não podem ser padres. Por que o gay não é admitido? 

Padre Beto: Segundo o decreto enxerga o que chama de “tendências homossexuais” como a expressão de um problema transitório como, por exemplo, uma adolescência ainda não terminada. Daí se presume que, somente superando este problema transitório o candidato estaria preparado para o sacerdócio? Ora, homossexualidade não é problema, mas uma sexualidade. O homossexual não é um ser imaturo. Todos os amigos que tenho homossexuais, assim como os homossexuais que casei nestes anos depois da minha excomunhão, são pessoas extremamente maduras. Para ser homossexual assumido em um país como o nosso é preciso um alto grau de maturidade. E a igreja assume a posição de que o homossexual não consegue viver no celibato. Ora, o celibato é uma vocação e está independe da sexualidade. Muitos heteros, apesar de terem vocação para o sacerdócio, não possuem vocação para o celibato. O texto não é lucido e demonstra uma falta de conhecimento sobre a sexualidade humana, como também acaba por ser homofóbico. Eu imagino o que aconteceria com uma empresa que determinasse que seus funcionários fossem somente heterossexuais. Ou o que acontecesse com a igreja se ela determinasse que os sacerdotes fossem somente brancos e não negros.

 

Como o senhor enxerga o futuro da igreja Católica frente a essas posturas rígidas que negam a diversidade?

Padre Beto: Se a igreja não mudar radicalmente de postura ela vai continuar a perder fieis. As novas gerações não se identificam mais com posturas tão retrógradas como a não aceitação da homossexualidade, a recusa do uso da camisinha e de métodos anti-concepcionais, a declaração de que sexo fora do casamento é pecado, a não aceitação das mulheres no sacerdócio etc. Mas, não só isso. A igreja incentiva a hipocrisia e a homofobia, pois, durante quinze anos de sacerdócio não conheci nenhum fiel que realmente obedecesse às regras da moral sexual da igreja. Se vive uma vida fora das regras, mas representa-se um papel dentro da igreja como se estivesse vivendo as regras. E a homofobia é alimentada como afirmei acima, apesar de muitos sacerdotes serem gay (apesar de não assumidos). São essas contradições que os jovens não aceitam mais.

 

Qual a sua opinião sobre a cura gay?

Padre Beto: Em relação à homossexualidade não se pode falar de “cura”. Isso é um absurdo, a homossexualidade não é uma doença. Doente é a sociedade e as instituições que se recusam em aceitar a diversidade sexual e vivem em uma esquizofrenia de comportamento. Possuem um discurso e uma prática contrastantes. Aqui sim é necessária uma cura.

 

Esta forma de tratar os homossexuais está de acordo com os ensinamentos de Jesus?

Padre Beto:O Cristo é muito mais revolucionário do que a igreja vende. Cristo veria com uma grande tristeza a forma como essas pessoas são tratadas hoje. Se você lê os evangelhos, vê que Ele é muito solidário com as pessoas marginalizadas, se aproxima dessas pessoas sem nenhum julgamento e é muito mal visto pelas pessoas “corretas”, e vai ser muito mal visto até chegar à cruz.

Hoje, Cristo estaria lutando pelos direitos individuais das mulheres, dos homossexuais e em relação a outras questões. Com certeza estaria do lado LGBT. Jesus é o verbo que se fez carne, Deus que se faz presente entre nós. Para ter voz, teria que se adaptar à época. Por isso, Deus apareceu como homem, assim como Jesus. Se aparecessem como mulher, naquela época, seriam apedrejados no primeiro discurso. Se o verbo se fizesse carne hoje, viria na pele de uma mulher, pobre, negra e lésbica, com toda certeza. O verbo se fez carne na periferia, não nasceu em Roma, que era a capital, não era um romano que teria status e poder. Se fez gente no lugar marginalizado e se une aos marginalizados.

Sexualidade é saúde, não é só uma questão moral. Nesse ponto, a igreja deve começar a se abrir para a diversidade sexual: reconhecê-la como riqueza e não como pecado. Há muitos homossexuais dentro do clero, então seria fácil.  As palavras do sacerdote são muito importantes para um povo tão religioso. A igreja poderia ajudar na educação sexual de qualidade. Ao invés de castrar a sexualidade ou limitá-la, poderia ensinar sobre gravidez. Em uma boa educação, o jovem sabe que não deve se casar sem conhecer a intimidade do parceiro. O celibato também não deveria ser obrigatório.

 

A Excomunhão

 

Depois de atuar por 14 anos na Igreja Católica, o padre Roberto Francisco Daniel, mais conhecido como padre Beto, renunciou ao sacerdócio e acabou por ter sua excomunhão decretada. Tudo aconteceu após declarações registradas num vídeo publicado no Youtube, onde o padre aborda e questiona temas relacionados à moral e fala com aceitação sobre assuntos como bissexualidade e homossexualidade.

 

O Vaticano ratificou a decisão da excomunhão dado pelo bispo de Bauru em novembro de 2014, mas até hoje, padre Beto diz não ter recebido nenhum comunicado. “É incrível, mas até hoje não recebi nenhuma comunicação oficial. Eu soube pela imprensa apenas”, comenta o religioso.

 

O religioso se afastou da igreja em abril de 2013, após ser repreendido pela diocese local por suas declarações na internet. Em redes sociais ele contestou os princípios morais conservadores da igreja e opinou sobre assuntos considerados polêmicos como homossexualidade e infidelidade. Por não se retratar publicamente, como determinou o bispo de Bauru, ele foi excomungado.

 

Desde então, padre Beto continuo a desenvolver atividades pastorais – missas, casamentos e atendimentos. O diferencial é que, no caso dos casamentos, por exemplo, ele tem realizado cerimônias entre pessoas divorciadas e do mesmo sexo, o que seria impossível de se imaginar na Igreja Católica.

 

Com pensamentos progressistas e humanitários, padre Beto defende uma revisão na moral sexual da Igreja Católica. Segundo ele, há que se considerarem questões como métodos contraceptivos, masturbação e diversidade sexual.

 

“A moral sexual da igreja como um todo precisa ser revisada, pois está muito defasada. A igreja precisa discutir sobre esses assuntos, pois da maneira que está gera hipocrisia. Um exemplo básico é que as maiorias dos casais usam anticoncepcionais, camisinha, fazem vasectomia, mas frequentam a igreja e fingem usar o método Billings (tabelinha), que é pregado pelos padres. Os jovens também já começam a sexualidade com culpa, através da masturbação, ato que a Igreja Católica considera individualista e pecaminoso”, diz.

 

Poucos sabem, mas a excomunhão não tira o título de padre de alguém. E por isso mesmo tendo sido excomungado, ele continua sendo padre, até mesmo perante a Igreja Católica.

 

“Tornei-me um padre excluído, mas continuo sendo padre”. Eu me sinto padre, não tem como mudar isso. Banido, mas eu sou um sacerdote. Isso oficialmente, para Igreja Católica. Existe o processo de secularização. Eles (o Vaticano) podem abrir um processo desse e para a Igreja Católica eu deixo de ser padre mesmo, eu volto ao estado laico. Por enquanto eu sou um padre, só que um padre excomungado. O pessoal usa o ex-padre talvez por não entender a excomunhão, o que ela é. Eu espero agora com a criação da Humanidade Livre espero que o pessoal fale “ele é um padre da Humanidade Livre”, explica padre Beto.

 

 

QUEM É PADRE BETO?

 

Padre Beto (Roberto Francisco Daniel), bauruense, nascido em 1965. Formado em Radialismo (SENAC-SP), em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (Bauru), em História pela Universidade do Sagrado Coração (Bauru) e em Teologia pela Universidade Estadual Ludwig-Maximilian de Munique, Alemanha. Nesta última concluiu seu doutorado em Ética. Foi ordenado Padre pela Igreja Católica em Bauru no ano de 1998.

Exerceu o ministério de sacerdote na Diocese de Bauru por 14 anos. Professor de Filosofia da Faculdade de Direito (ITE), professor de Filosofia nos Cursos de Direito, Administração e Magistério da Unip-Bauru. Ministrou aulas de Filosofia para o ensino médio e cursinhos.

Por cinco anos foi apresentador da rádio 96 FM Bauru. Durante nove anos foi cronista do Jornal da Cidade (Bauru) e logo após escreveu para o Jornal Bom Dia (Bauru). Foi apresentador da “Mensagem do Dia” na 94 FM (Bauru) e apresentador do programa “Tema Livre” na mesma rádio. Também apresentou o programa “Espaço Aberto” pela Auri Verde AM Bauru, aos Domingos das 22h à Meia Noite. Atualmente é cronista de vários jornais. Autor de diversos livros sendo dois em língua alemã. O último livro publicado foi “Coragem para Pensar Diferente”. Em 2013 recebeu o Prêmio “Rio Sem Preconceito”, que homenageia personalidades que de alguma forma contribuíram na luta contra a discriminação no país.

 

Fonte: Assessoria

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