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Alguns dos comportamentos mais comuns em cães incluem a lambedura, já percebeu? É habitual, por exemplo, vermos cães lambendo os seus tutores, seus brinquedos ou o próprio focinho.
Não à toa, o uso da língua está relacionado à percepção do mundo por estes bichos. Apesar de terem cerca de 10 vezes menos papilas gustativas que o ser humano, o paladar é um importante sentido para os cães e os ajuda a recolher informações e “enxergar” melhor o mundo.
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Mas diferentes lambidas têm diferentes significados. Para entender cada um deles, o Vida de Bicho conversou com Fabio Nakabashi, médico-veterinário mestre em psicologia experimental e análise do comportamento; e Daniel Svevo, médico-veterinário comportamentalista e adestrador. Confira!
Lamber para entender
De acordo com Fabio, as principais finalidades da língua na vida canina estão relacionadas à alimentação, apreensão, mastigação, umidificação e deglutição dos alimentos.
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“A língua tem uma função especial na ingestão de água, formando uma espécie de concha para levar a água para a cavidade oral”, comenta o médico-veterinário.
Segundo ele, cachorros não serviriam para serem “masterchefs de cozinha”, uma vez que possuem um número consideravelmente menor de papilas gustativas, quando comparado ao de seres humanos.
Mesmo com um paladar menos desenvolvido que o humano, o sentido atua complementando o olfato — este, sim, extremamente potente para a espécie.
“Os cães usam o olfato para detectar os compostos químicos voláteis presentes em alimentos e outros objetos, e o paladar ajuda a complementar essa informação sensorial”, diz Daniel.
Ao provar um alimento, por exemplo, o cachorro recebe informações sobre o seu sabor, textura e temperatura. Elas são combinadas com as informações olfativas que ele recebe dos compostos químicos voláteis presentes na comida.
“Juntos, esses sentidos ajudam o cão a determinar se um alimento é seguro para comer e se é algo que ele gosta. Além disso, quando estão farejando algo, eles muitas vezes colocam a língua para fora e lambem o ar para pegar partículas de odor”, explica Daniel.
Desta forma, o paladar ajuda a complementar a informação olfativa, permitindo que o animal obtenha uma imagem mais completa do objeto que está farejando.
Combinados, olfato e paladar são essenciais para o sistema sensorial dos cães e desempenham um papel crítico em sua capacidade de interagir com o mundo ao seu redor.
Significados da lambida
Nem todas as lambidas possuem o mesmo significado. Para além da percepção do mundo, o comportamento também atua como uma forma de comunicação entre os cães — como não conseguem falar, usam também a língua para se expressar.
Filhotes
Com filhotes, por exemplo, a lambida está relacionada à limpeza e às necessidades básicas do pet.
“A mãe lambe vigorosamente o recém-nascido para estimular a respiração/batimento cardíaco, defecação/micção, retirada de líquidos das vias respiratórias e limpeza das fezes e urina. Os filhotes praticamente só possuem um movimento para adquirir a comida, sugar”, explica Fabio.
Segundo ele, depois do desmame é comum ver filhote lamber a boca da mãe em busca de algum alimento que ela possa regurgitar.
Cachorro lambendo outro cão
Entre adultos, quando a lambedura é na boca de outro cão, pode ser um sinal de “bandeira branca”:
“Há cães que lambem a boca de outros animais como uma maneira de mostrar que eles não querem confusão. Isso pode significar um convite para brincadeira ou até uma submissão”, diz Daniel.
Cachorro lambendo o tutor
A submissão ao tutor também pode ser expressa através da lambedura. Mas, aqui, outros fatores podem estar envolvidos.
“Normalmente, os cães aprendem que, ao interagir lambendo, eles vão ganhar uma brincadeira ou atenção”, explica Daniel.
Se o tutor reforça esse comportamento, presenteando o cachorro com carinho, atenção ou brincadeira após a lambida, ele vai se sentir estimulado a agir assim quando estiver em busca dessas recompensas.
Estamos falando de um comportamento que muitos tutores gostam, mas merece atenção caso a pele esteja desprotegida de alguma forma.
“O cão não deve lamber regiões mucosas ou feridas dos humanos. Apesar de um animal saudável não transmitir diretamente uma zoonose pela lambida, a mucosa oral dos pets podem incluir bactérias que não fazem parte da nossa microbiota (por exemplo, a Pasteurella sp) e vice-versa”, alerta Fabio.
Se a pele do tutor está íntegra, a lambedura está permitida — mas lembre-se de fazer a higiene depois!
Muitos se perguntam se a lambida seria o beijo do cão — o famoso “lambeijo” —, e estaria, portanto, relacionado ao afeto. A relação é polêmica porque antropomorfiza o animal, algo que a ciência e os estudiosos procuram evitar.
Na visão dos especialistas, não se trata necessariamente de um beijo, e, sim, de algo mais relacionado, realmente, à recompensa.
A mesma ideia vale para quando o animal lambe o comedouro, por exemplo. Ele entende que, se fizer isso, pode ganhar comida devido ao reforço promovido pelo tutor.
Cachorro lambendo a pata
No caso da lambedura das patas, o comportamento está mais associado a uma forma de extravasar a energia e desestressar.
“Isso pode ser um indicador de algum problema de bem-estar, no qual o cão extravasa lambendo as patinhas. É um comportamento que pode se tornar compulsivo”, alerta Daniel.
Mas, às vezes, trata-se apenas de uma busca de atenção do tutor — que, quando nota que o cão está lambendo as patas, intervém. O animal entende que, assim, será notado pelo tutor e passa a repetir a ação.
Cachorro lambendo o focinho
Outro tipo de lambedura comum é a do focinho, que muitos tutores não entendem. Mas Daniel explica que é um comportamento apaziguador — uma maneira de mostrar que eles não querem confusão.
“Às vezes o tutor dá uma bronca no cachorro e ele lambe o focinho na tentativa de dizer ‘olha, eu não quero confusão. Está tudo bem, fica calmo’. Isso pode existir e é uma maneira dos cães se comunicarem não só com os tutores, mas também entre si. Eles entendem esse tipo de sinal.”
Cachorro lambendo a ferida
Já se falou muito sobre propriedades cicatrizantes da lambida ou da saliva dos cães, mas, segundo Fabio, isso é apenas um mito.
“Apesar da presença de proteínas chamadas histatinas, que inibem a reprodução de bactérias, a saliva canina não ajuda a cicatrizar. A lambedura de feridas por cães é, basicamente, a limpeza mecânica da ferida contra sujidades”, explica.
O comportamento se torna prejudicial quando ocorre em uma frequência muito alta, compulsivamente, e leva a uma dermatite psicogênica.
“Nesse caso, é preciso cuidar, senão a ferida não sara. Normalmente, é necessário o uso do colar elisabetano”, orienta Daniel.
Ele diz também que é preciso entender qual é a causa primária dessa lambedura, já pode surgir em decorrência de uma ferida prévia e, assim, aumentar a frequência; ou também derivar de uma compulsão instalada por um problema de bem-estar.
“O cão pode não ter atividade suficiente, então começa a se lamber e a ferida se forma depois”, explica Daniel.
Se essa for a situação, o ideal é levar o bicho ao médico-veterinário para entender a causa da lambedura, interromper a compulsão e tratar a ferida.
Lambedura excessiva: o que fazer?
A lambedura excessiva (ou seja, praticada com muita frequência) pode ser sinal de alguns problemas físicos ou comportamentais.
“Caso o cão esteja com alguma dor ou coceira em determinada região, a lambedura será um sinal, assim como tentamos massagear o local de dor ou passamos a unha quando coça”, explica Fabio.
Ele diz que há também uma doença específica chamada dermatite por lambedura acral, que apesar de ainda ter uma causa incerta, sabe-se ter um componente psicogênico envolvido — como estresse, depressão, tédio, etc.
“A lambedura se torna compulsiva e o tratamento envolve mudanças ambientais e terapia com psicotrópicos. Sabe-se que o ato de lamber pode liberar endorfinas nos cães, e isso nem sempre é algo benéfico”, informa o médico-veterinário.
Fonte: Vida de Bicho