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A informação divulgada pelo Sistema Meteorológico do Paraná (Simepar) de que a sensação térmica na cidade Antonina, a 87 km de Curitiba, chegou a escaldantes 81º C no dia 18 de dezembro, deixou muita gente espantada. Não é para menos. Esta é mais ou menos a temperatura de um cafezinho ou do chimarrão dos gaúchos. É apenas, também, cerca de 20º C a menos do que a temperatura de fervura da água.
É preciso diferenciar, no entanto, um ponto importante: temperatura não é a mesma coisa que sensação térmica.
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“Temperatura é a quantidade de calor fornecida pelos raios solares ou pelo ambiente”, explica o meteorologista José Carlos Figueiredo, do Instituto de Pesquisas Meteorológicas da Unesp (IPMet), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e presidente da Sociedade Brasileira de Meteorologia. “A sensação térmica, por sua vez, leva em conta a temperatura e a umidade relativa do ar.”
Também é preciso colocar na equação o “funcionamento” do ser humano. Nas pessoas, o suor é um mecanismo de perda de calor, saindo pela pele e evaporando e, assim, reduzindo a temperatura corporal e a sensação térmica.
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Em ambientes ou climas muito úmidos, a água em forma de vapor, pairando no ar, reduz a taxa de evaporação do suor da pele, e, por isso, faz com que uma pessoa sinta mais calor num local desses do que outra em um ambiente seco de mesma temperatura.
Daí a confusão que há entre os dois conceitos. A temperatura é o valor concreto, real, absoluto do calor – ou do frio – que é medido pelos termômetros. Diferentemente, a sensação térmica é algo subjetivo, que, como a expressão sugere, é o calor ou frio que as pessoas sentem.
Por isso, pode variar de um indivíduo para outro ou até de acordo com a roupa que cada um está vestindo ou do lugar onde nasceu e a que clima está adaptado.
Também deve se observar que mesmo que ela chegue 100º C – como mostram algumas fórmulas de cálculo – a água não ferve, pois objetos e coisas inanimadas não sentem nada, como se sabe.
Origem da sensação térmica
O conceito e a expressão sensação térmica começaram a se popularizar após a Segunda Guerra Mundial, quando as tropas alemãs foram derrotadas numa tentativa de invasão à Rússia, durante o seu inverno rigoroso, também conhecido como “General Inverno”, o mesmo que já havia ajudado a bater Napoleão Bonaparte, em 1812.
Depois do fim do conflito mundial, em 1945, o exército americano criou um índice de avaliação do frio relacionado à velocidade do vento. Esse índice popularizou-se e passou a ser divulgado juntamente com as temperaturas. No Brasil e em outros países quentes, a sensação térmica está relacionada com a umidade relativa do ar e não com o vento, embora esse último possa diminuí-la também.
O problema é que há muitas fórmulas diferentes de calculá-la. Várias estão disponíveis na internet. Desde que surgiu a primeira há cerca de 70 anos, mais de 160 outras foram criadas, cada uma com seus próprios critérios. “Todas são feitas para locais diferentes”, diz Figueiredo. “Desde 1978, vêm surgindo fórmulas diversas, principalmente nos últimos dez anos, devido ao interesse da imprensa em reportagens sobre o clima.”
Segundo o meteorologista Fabio Luiz Teixeira Gonçalves, professor do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, da Universidade de São Paulo (IAG-USP), o cálculo da sensação térmica leva em conta muitas variáveis, além da temperatura, tais como umidade relativa do ar, radiação solar, falta ou presença de vento e vestimentas. “São fórmulas semi-empíricas”, diz. “Elas são ajustadas com questionários aos habitantes locais de cada região. Mesmo assim, ela é subjetiva e varia de pessoa para pessoa.”
Duas das fórmulas mais conhecidas e usadas no mundo são o Heat Index, criado nos Estados Unidos, e o Humidex, do Canadá, ambas disponíveis na internet. O Semipar não divulgou qual fórmula usou, mas apenas a temperatura e a umidade relativa do ar. “Por volta, das 14h daquele dia, o calor em Antonina era de 44.3º C e unidade de 65%”, conta Samuel Braun, um dos meteorologistas do órgão. “Pelos nossos cálculos, a sensação térmica chegou a 78º C.”
Não atingiu, portanto, a marca de 81º C divulgada por alguns portais de notícias. O que, diga-se, não faz muita diferença. O certo é que o Semipar não usou nem o Heat Index nem Humidex.
No primeiro caso, o resultado para temperatura e a umidade registradas na cidade paranaense seria uma sensação térmica de 88.5º C e, no segundo, de 72º C.
O certo é que o ser humano é capaz de suportar isso. Pelo menos é o que garante Gonçalves, da USP.
Conseguimos suportar altas temperaturas?
“Somos extremamente tolerantes a altas temperatura e não só à sensação térmica”, afirma o meteorologista. “Estamos entre os melhores no grupo dos mamíferos. Suamos muito bem e não temos pêlos. E ninguém fica queimado em saunas, nem nas úmidas, que podem chegara a 50°C com umidade relativa de 70 a 80%, nem nas secas onde faz 100ºC e umidade abaixo de 10%.”
Bem menos ameno do que em Antonina. Com esses números, pelo Heat Index, a sensação térmica no primeira caso seria de 133.7 a 155.7ºC e 129.7ºC, no segundo.
O professor de clínica médica, Jamiro da Silva Wanderley, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, também ressalta a grande tolerância humana às inclemências do clima. “Temos uma capacidade de adaptação fantástica, tanto para altas temperaturas como para bem baixas. Vários mecanismos adaptativos são deflagrados de acordo com a necessidade.”
Quando o calor é muito intenso, por exemplo, as pessoas começam a transpirar, para manter sua temperatura corporal dentro do aceitável.
“Passamos a urinar menos e mais concentrado (urina escura, amarelo ouro), para preservar água”, explica Wanderley.
Isso não significa, no entanto, que não haverá problemas. “Se continuarmos com altas temperatura e não nos hidratarmos adequadamente, teremos boca seca, vamos desidratando, podendo ficar com dores de cabeça, prostração, confusão mental e perda de consciência e até coma”, alerta. Além disso, poderá haver problemas renais.
Segundo o médico Onivaldo Cervantes, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), há relatos de que o corpo humano aguentaria até 127ºC – não sensação térmica – por até 20 minutos.
“Mas o fato é que acima de 28ºC, sem vento, o calor já começa a ficar desagradável para o corpo”, avisa. “Além disso, a temperatura corporal não deve ultrapassar os 40ºC, embora em alguns casos possa chegar a 42ºC, o que é muito perigoso. Neste estado febril, as proteínas do sangue começam a se desnaturar (perdem sua estrutura e deixam de ser ativas), o que leva a uma dificuldade circulatória e consequente diminuição da oxigenação dos tecidos.”
Diante disso tudo, Figueiredo defende que não deveria existir fórmulas para calcular a sensação térmica.
“Não serve para nada, pois as fórmulas adotadas não levam em conta fatores metabólicos, gravidez, obesidade, cor da pele, altura, peso e se as pessoas estão em repouso ou não”, critica.
“Como as informações sobre umidade e temperaturas são coletadas à sombra, quando as pessoas saem de casa, não têm a menor ideia do que estão sentindo. Para mim, só serve para serem alardeadas na imprensa informações sem critérios científicos.”
Fonte: BBC