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Diversas referências culturais indicam que só haveria uma alternativa se, algum dia, extraterrestres viessem fazer um passeio cósmico ao nosso planeta: disparar com artilharia pesada.
Mas, do leve clássico de 1980 ET – O Extraterrestre, passando pelas décadas de episódios de Star Trek até os livros de Isaac Asimov e Ursula K. Le Guin, os escritores e roteiristas de ficção científica vêm se debatendo há muito tempo com esta questão: como nós trataríamos os extraterrestres na realidade?
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Na cultura popular, os extraterrestres, muitas vezes, são apresentados como cidadãos de segunda classe, abaixo dos seres humanos.
Não fosse pela intervenção do amigo humano de ET, o corpo do alienígena protagonista teria sido aberto em uma mesa de cirurgia. Já no filme Distrito 9, de 2009, milhões de extraterrestres são confinados em favelas sul-africanas — uma alegoria da intolerância e da crueldade da vida real.
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Ainda não foram encontradas provas de vida extraterrestre, mas certamente estamos procurando. De qualquer forma, nossas eventuais descobertas no futuro próximo muito provavelmente serão sinais de vida microbiana que, um dia, terá existido em Marte — o que está longe dos humanoides ilustrados nos filmes e programas de TV.
Mas existe a equação de Drake, que indica que há uma possibilidade real, estatisticamente falando, de que existam extraterrestres inteligentes em algum lugar, mesmo se as estrelas precisarem se alinhar para nos encontrarmos e fazermos contato, devido à vastidão da galáxia e à enorme distância entre os planetas.
“Encontrar vida ou fazer contato sempre será muito improvável até o dia em que isso aconteça”, segundo John Zarnecki, professor emérito de ciências espaciais da Universidade Aberta, no Reino Unido.
“Isso me lembra os exoplanetas”, afirma ele. “Quando era um jovem pesquisador, nós falávamos sobre esse tema e todos suspeitávamos que os exoplanetas existiam, mas não havia forma de encontrá-los porque tecnicamente era muito mais difícil.”
Agora sabemos que os exoplanetas existem e alguns são até possíveis candidatos para abrigar vida, já que existe água neles.
Por isso, com a nossa busca contínua por vida alienígena e a possibilidade de encontrá-la, não é fora de propósito imaginar como reagiríamos se, algum dia, fizéssemos contato — especialmente considerando que as espécies alienígenas inteligentes provavelmente serão muito diferentes da nossa forma humana.
A equação de Drake
Em 1961, o astrofísico americano Frank Drake criou uma fórmula para estimar o número aproximado (N) de civilizações avançadas que provavelmente existem na Via Láctea e podem ser encontradas:
N = R* x fp x ne x fe x fi x fc x L, em que:
R* = taxa de formação de estrelas na Via Láctea
fp = fração dessas estrelas com sistemas planetários
ne = número médio de planetas em cada sistema planetário que podem potencialmente permitir o desenvolvimento da vida
fe = fração de planetas com potencial de desenvolvimento da vida que realmente têm vida
fi = fração de planetas com vida que desenvolvem vida inteligente/civilizações
fc = fração dessas civilizações que desenvolvem tecnologias com sinais detectáveis no espaço
L = período de tempo em que essas civilizações emitem sinais detectáveis para o espaço
Direitos dos não humanos
Os escritores não parecem ter muita esperança de que os seres humanos tratariam muito bem os alienígenas, talvez porque o nosso registro histórico de oferecer direitos aos habitantes deste planeta, humanos ou não, tem sido muito ruim ao longo da história, apesar das convenções legais internacionais que supostamente os protegem.
A concessão de direitos universais inalienáveis — ou seja, os direitos garantidos para todas as pessoas, independentemente de qualquer fator — foi consagrada em lei pela comunidade internacional apenas em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial.
Mas, a não ser por sanções, os meios de fazer valer esses direitos, mesmo para os seres humanos, são limitados. Embora as leis determinem que as pessoas devem ter direitos como à liberdade e proíbam a escravidão, e que esses direitos são nossos desde o nascimento até a morte, alguns filósofos políticos indicaram que, na prática, eles só existem no papel.
Uma indicação de como trataríamos os alienígenas se eles entrassem em contato conosco pode estar nos direitos que concedemos às espécies não humanas no nosso próprio planeta.Uma indicação de como trataríamos os alienígenas se eles entrassem em contato conosco pode estar nos direitos que concedemos às espécies não humanas no nosso próprio planeta.
Muitos países agora reconhecem os animais como seres sencientes, desde os gorilas até os corvos, mas apenas recentemente os grupos de direitos animais conseguiram alguns avanços legais na concessão de “direitos” aos animais com base nessa senciência — definida vagamente como sua capacidade de experimentar conforto ou sofrimento.
Especialistas em ética já estão analisando como os direitos de uma espécie alienígena totalmente desconhecida se enquadrariam em nossas estruturas legais e éticas. Mas tem havido poucas discussões internacionais abertas sobre os extraterrestres.
O então primeiro-ministro de Granada, Eric M. Gairy, levantou uma questão a este respeito em uma sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas em 1977. Ele acreditava que os avistamentos de óvnis podem ser sinais de vida extraterrestre hostil no nosso planeta.
Gairy sugeriu a formação de um organismo oficial de investigação nas Nações Unidas. Mas nenhuma política foi adotada e ele foi pressionado por diplomatas britânicos a abandonar este tema. Gairy governou Granada até ser deposto por um golpe de Estado no ano seguinte.
Mas alguns governos estão retomaram o interesse. Em 1999, a jornalista Leslie Kean recebeu o vazamento de um dossiê francês sobre os óvnis, que demonstra que generais e almirantes acreditavam que os fenômenos não explicados poderiam ser extraterrestres.
E, no início de 2022, pela primeira vez em décadas, o Congresso americano debateu em público o que fazer com esses objetos voadores misteriosos, embora não haja evidências de que eles sejam de origem extraterrestre.
Jill Stuart, especialista em direito espacial da London School of Economics, não acredita que viveremos o suficiente até que os seres humanos façam contato com seres extraterrestres. Mas ela ainda acha que vale a pena examinar o que faríamos nesta situação.
“Nós pesquisamos o universo para encontrar a nós mesmos, porque ele nos força a refletir sobre como nos relacionamos entre nós, como nos relacionamos com o nosso meio ambiente e como nos relacionamos com outras espécies e as pessoas”, afirma ela. “Esses cenários voltados para o futuro podem nunca acontecer, mas todo o processo tem valor por si próprio.”
A falta de um plano
Não existem acordos, nem mecanismos internacionais sobre como a humanidade lidaria com um encontro com inteligência extraterrestre, segundo Niklas Hedman, diretor-executivo do Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior (Unoosa, na sigla em inglês).
Mas isso não quer dizer que não pode ser criada uma estrutura. A ONU, como a “principal organização global intergovernamental”, seria uma solução para esses mecanismos, acrescenta Hedman, mas as ações e debates, em última análise, “resumem-se à vontade dos Estados-membros”.
Atualmente, todo o direito espacial internacional refere-se à atividade humana, segundo Hedman.
O primeiro Tratado sobre o Espaço Exterior foi assinado nas Nações Unidas em 1967, pelo Reino Unido, a União Soviética e os Estados Unidos, em resposta ao desenvolvimento dos mísseis balísticos intercontinentais, que poderiam atingir alvos no espaço.
Ele serve de base para todo o direito espacial existente, que se desenvolveu ao longo do tempo enquanto surgiam novas possibilidades e preocupações sobre o espaço sideral.
Todos os cinco principais tratados sobre o espaço — que, agora, cobrem desde a proibição de armas até a responsabilidade por danos e fragmentos de nações exploradoras — concentram-se nas atividades humanas no espaço e como elas afetam outros seres humanos.
O grupo de Busca por Inteligência Extraterrestre da Academia Internacional de Astronáutica adotou, em 2010, uma declaração de princípios pós-detecção, com base em décadas de discussões anteriores.
No caso de detecção de qualquer sinal de vida extraterrestre inteligente, o protocolo recomenda a criação de um fórum de coordenação internacional por meio das Nações Unidas e do seu Comitê para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (Copuos, na sigla em inglês).
Stuart acredita que é improvável que qualquer ordenamento internacionalmente aceito seja desenvolvido antes do necessário. Isso porque as pessoas gostam de ter cenários reais e concretos para considerar e transformar novas ideias em legislação.
Se o contato acontecer, é possível que as estruturas legais existentes, que regem os direitos humanos, possam ser estendidas e adaptadas aos direitos dos alienígenas.
Uma consideração importante neste caso seria a intenção dos extraterrestres – ou seja, se eles são bem intencionados ou hostis. Isso, segundo Stuart, alimenta o debate se devemos tentar ativamente fazer contato com os extraterrestres ou observar passivamente os sinais da sua existência — uma questão que causa contínuas controvérsias entre os especialistas no espaço.
O que aconteceria se um disco voador subitamente aterrissasse em algum ponto da Terra? Não existe protocolo definido e nem mesmo sugerido. Mas, hipoteticamente, é possível que o país onde ele aterrissasse precisasse liderar as primeiras discussões sobre como reagir, segundo Stuart.
“Não haveria nenhum precedente ou jurisprudência para que houvesse responsabilidade”, afirma ele. Mas Stuart acrescenta que, se um óvni for derrubado e cair em um país-membro, pode ocorrer que o país precise assumir a responsabilidade pela queda.
Em um documento para a Royal Society de Londres sobre “assuntos supraterrestres”, em 2011, a ex-diretora da Unoosa Mazlan Othman propôs que o interesse dos países no combate aos riscos dos objetos próximos da Terra (ou seja, asteroides) pode oferecer um modelo de cooperação internacional caso se chegue a determinar a existência de vida ou inteligência extraterrestre.
Com poucos avanços em termos de definição de princípios sobre como trataríamos coletivamente eventuais extraterrestres que possamos encontrar, uma possibilidade seria simplesmente aplicar os direitos concedidos aos seres humanos. Stuart afirma que faria sentido aplicar isso à estrutura legal existente.
É uma conclusão razoável que qualquer espécie que pudesse viajar para a Terra teria alto nível de inteligência e senciência e, portanto, deveria ser tratada de forma similar aos seres humanos. Isso poderia apoiar o argumento de que os “direitos humanos” deveriam evoluir para tornar-se “direitos dos sencientes”.
Também precisaríamos levar em conta os diversos tipos possíveis de inteligência e senciência. Mesmo no nosso planeta, existe todo tipo de inteligência que só agora estamos começando a reconhecer.
Um exemplo é o debate se os polvos, famosos há tempos pela sua inteligência, também têm consciência e podem sentir dor. Da mesma forma, a prática crescente da micologia — a área da biologia que estuda os fungos — indica que alguns desses organismos exibem aspectos de inteligência, como a capacidade de aprender e tomar decisões.
“Quando o assunto são os alienígenas, precisamos perguntar: que tipo de inteligência eles têm?”, segundo a escritora Susan Blackmore, professora visitante da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, que pesquisa a consciência.
“Por que eles têm [essa inteligência]? Acho que precisamos considerar que os extraterrestres teriam evoluído pelos processos evolutivos darwinianos, já que é o único processo que conhecemos que produziria seres vivos inteligentes.”
Senciência alienígena
Ao relembrar o famoso incidente do “ET de Varginha” (MG), ocorrido em 1996, o recém-lançado documentário norte-americano Momento do Contato — O Caso Varginha conta a história de como uma criatura misteriosa teria sido encontrada perto do suposto local de colisão, claramente com algum tipo de dor física.
Independentemente do que se acredite sobre o caso, a capacidade de sentir dor e sofrimento pode ser o melhor fator a nos orientar sobre o reconhecimento de direitos a qualquer visitante de outro planeta.
“Os alienígenas conseguem sentir sofrimento?”, pergunta Blackmore. “Se puderem, deveríamos ter alguma obrigação moral com relação [a eles] e talvez elaborar um arcabouço jurídico com base [nisso].”
O especialista em ética Peter Singer, que escreveu sobre o tema dos direitos inalienáveis dos extraterrestres e dos animais, afirma que a senciência seria a principal consideração.
“Considerando que o ser extraterrestre seja senciente, no sentido de que ele é capaz de experimentar dor e prazer e ter outros desejos e interesses que podemos levar mais tempo para determinar, o princípio ético fundamental que devemos aplicar é a igual consideração de interesses similares”, afirma ele.
Este princípio, baseado em um conceito definido por Singer em 1979, indica que todos os seres capazes de ter prazer ou sofrimento merecem ter seus interesses considerados igualmente em qualquer decisão moral que os afete. “Em outras palavras, a dor de um alienígena conta tanto quanto a dor de um terráqueo.”
A dificuldade nesta questão, segundo ele, seria determinar quais seriam os interesses dos alienígenas.
“Muito dependeria das capacidades cognitivas dos extraterrestres, que podem ser muito mais avançadas que as dos golfinhos ou dos seres humanos. E, se forem muito mais avançadas do que as nossas, podemos ser incapazes de compreender o que eles são.”
A organização norte-americana Projeto dos Direitos dos Não Humanos, que pretende garantir direitos para animais não humanos, acredita que o ponto inicial desses direitos é a autonomia, um conceito valorizado pelos tribunais dos Estados Unidos, que indica que o indivíduo tem a capacidade de escolher o que fazer, aonde ir e como agir, além da memória dos eventos que ocorreram anteriormente.
Já a consciência é uma categoria ampla demais para servir de critério legal para os direitos, pois não há consenso sobre o que o que ela seja na realidade.
“Atualmente, pelo menos nos Estados Unidos, todo ser humano nasce com o direito inalienável à liberdade, mas nem sempre todos os seres humanos tiveram esse direito”, afirma o advogado Jake Davis, do Projeto dos Direitos dos Não Humanos.
“Foram necessários muitos anos, foi preciso ter uma guerra civil, além de imensas lutas, para que todos os seres humanos fossem colocados em pé de igualdade, com relação ao direito à integridade e liberdade individual”, explica ele.
“Meu desejo é que, se uma espécie extraterrestre chegasse até nós e não fosse hostil, nós não considerássemos simplesmente que eles são como animais não humanos — coisas com as quais poderíamos fazer o que quiséssemos, porque nós somos humanos e eles não são”, afirma Davis. “Meu desejo seria que o mundo os considerasse como iguais, desde que eles demonstrassem essas capacidades [como autonomia], como ponto de partida.”
Segundo Lori Marino, ex-diretora do Projeto para os Direitos dos Não Humanos, a própria inteligência e a senciência são conceitos de difícil definição entre os especialistas.
“Ambos são conceitos obscuros”, segundo ela. “Mas eu teria confiança em afirmar que a inteligência é como alguém processa informações e a senciência é a capacidade de sentir e ter consciência dos sentimentos.”
Caso sejam descobertos organismos multicelulares em outro planeta, considerando que eles se movam, ela argumenta que há uma boa possibilidade de que eles sejam inteligentes e sencientes. E eles precisariam de alguma forma de inteligência até mesmo para existir, indica ela.
“Deveríamos partir do pressuposto de que eles são sencientes – e, portanto, são capazes de sofrer – e deixá-los em paz”, afirma Marino. “É claro que não sou ingênua a ponto de pensar que faremos isso, mas, moralmente, é o que deveríamos fazer.”
A ideia de que os seres humanos deveriam evitar interferir com o desenvolvimento natural de civilizações alienígenas tem uma longa história na ficção científica, incluindo a “Primeira Diretriz” de Star Trek. Mas, naquele mundo da ficção, a diretriz pode ser ignorada se a espécie alienígena for considerada muito perigosa.
Ideias similares a essa já são consideradas no nosso mundo atual. O Escritório de Proteção Planetária da Nasa, por exemplo, pretende proteger tanto a Terra quanto os planetas explorados.
Mas, se os alienígenas puderem chegar ao nosso planeta, talvez os direitos deles não devam ser nossa principal preocupação.
O astrônomo Seth Shostak, do Instituto Seti — organização sem fins lucrativos que pretende compreender e explicar a origem e a natureza da vida no universo — tem otimismo sobre a perspectiva de observar algum tipo de contato durante sua vida.
Mas ele afirma que é importante diferenciar entre dois tipos de contato. É mais provável que venhamos a receber sinais de civilizações tecnologicamente avançadas do que uma visita de extraterrestres.
Se recebermos sinais, não haveria grande urgência, pois qualquer sinal que enviarmos levaria tanto tempo para chegar que teríamos muito tempo para decidir o que devemos responder. Já uma visita alienígena significaria que a civilização extraterrestre tem acesso a tecnologia muito além das nossas capacidades.
Quando os amigos de ET vêm buscar a infeliz criatura no final do filme de Spielberg, eles provavelmente poderiam ter desintegrado a Terra na sua volta “para casa”, se tivessem inclinação para fazê-lo.
“Pessoalmente, se eles chegarem, vou comprar um estoque de pizza congelada e fugir para as montanhas”, afirma Shostak. “Se eles conseguirem chegar até aqui, em vez de transmitir uma mensagem, eles são enormemente mais avançados do que nós.”
Neste caso, uma questão mais apropriada poderá ser: os nossos novos senhores alienígenas concederão direitos para nós?”
“O que vamos fazer se eles forem agressivos?”, pergunta Shostak. “Seria como os neandertais tentando enfrentar a Força Aérea Americana. Os neandertais poderiam ser os melhores políticos possíveis, mas isso não teria importância.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63629349
Fonte: BBC