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Jake LaMotta era um homem de gênio forte e espírito incontrolável, fosse para o bem ou para o mal. Dentro do boxe, esporte que o moldou, soube aproveitá-los para construir a carreira e fazer sua fama de lutador resistente. Na vida pessoal, foram elementos de um caráter condenável, marcado por episódios de violência doméstica, estupro e uma agressão quase homicida. Para além dos julgamentos, será lembrado como um personagem digno de filme, como de fato ocorreu em “Touro indomável”, de 1980, dirigido por Martin Scorsese, considerado um clássico do gênero de luta. Dono do cinturão dos pesos médios entre 1949 e 1951, morreu ontem, aos 95 anos, por complicações de uma pneumonia.
LaMotta entrou em evidência em boa época para o boxe, quando o esporte tinha alta adesão de público nos EUA. Curiosamente, tinha no ringue um comportamento oposto às primeiras experiências com o uso das mãos no Bronx, região pobre de Nova York onde cresceu. Nas ruas, tinha um temperamento quente, onde projetava as constantes agressões do pai, comerciante oriundo da Sicília, mas procurava vencer os adversários profissionais, anos mais tarde, na base do cansaço, apanhando seguidamente até descontar com golpes contundentes e vencer a disputa — daí a denominação de “touro”. Em 106 lutas, venceu 83, trinta delas por nocaute, empatou quatro e perdeu 19. A resiliência do americano logo atraiu a simpatia dos espectadores, trazendo muitas vezes consigo o favoritismo pela promessa de combates carregados de pressão.
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Nocaute em 1952
Talvez o maior reconhecimento venha das antológicas lutas com Sugar Ray Robinson (apelido de Walker Smith Jr.), lutador que enfrentou seis vezes — mesmo número de casamentos que LaMotta teve ao longo da vida. O primeiro encontro se deu em 1942, ano seguinte ao do início da carreira, quando perdeu para o rival no Madison Square Garden, em Nova York. Em 1943, ganhou prestígio ao se tornar o primeiro homem a vencer Robinson, numa luta em Detroit, quando quase o levou a nocaute. A mesma cidade foi palco da revanche, em 1946, que dessa vez terminou bem para o adversário. Esses episódios tiveram importância na trajetória de LaMotta, porque ele passou nove anos (1942-1951) ligado a um dos maiores boxeadores de todos os tempos, ainda que em grau de oponente.
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A conquista do título da categoria dos médios veio contra outro adversário, Marcel Cerdan, de quem tirou o cinturão em 1949, no Briggs Stadium, coincidentemente em Detroit. Ele defendeu a posição duas vezes com sucesso, antes de perder o trono para o próprio Robinson dois anos depois; dessa vez, a técnica e os golpes aplicados por LaMotta foram ineficazes perante o vigor do arquirrival. Sua carreira foi declinando depois disso, com uma série de resultados sinuosos. A má fase culminou com o único nocaute que sofreu, para Danny Nardico, em 1952.
LaMotta ganhou os holofotes de novo em 1980, com o lançamento de “Touro indomável”, principalmente porque Robert De Niro, que fez seu papel no filme, levou o Oscar de melhor ator no ano seguinte. Foi ele quem ajudou o ator na construção do personagem, no longa que levantou sua reputação no meio cinematográfico. A inspiração de Scorsese — descendente de sicilianos, como o pugilista — foi o livro “Raging bull: my story” (“Touro indomável: minha história”, em tradução livre), de 1970, escrito por LaMotta em conjunto com Joseph Carter e Peter Savage, onde despejou todas as suas memórias.
É nele que o ex-atleta admite um estupro e agressões contra a esposa e descreve um incidente no qual quase levou um homem à morte por socos e pontapés: na adolescência, quando cometia assaltos (chegou a ser preso por tentativa de roubo), encontrou e esmurrou a vítima, dando por certa sua morte. Só mudou de ideia em 1949, quando o mesmo sujeito se apresentou para lhe dar os parabéns pela conquista do cinturão.
Fonte: Extra