25 de abril, 2025

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Milhares de peixes-leão infestam a costa brasileira

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Sem predadores, coberto com espinhos venenosos e voraz devorador de espécies nativas, o peixe-leão (Pterois volitans), vindo do Caribe, espalha-se com rapidez ao longo da costa brasileira, incluindo as proximidades de ilhas marinhas, que guardam espécies exclusivas de organismos.

Em agosto do ano passado, biólogos da Universidade Federal do Ceará (UFC), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Projeto Conservação Recifal (PCR) capturaram menos de 50 deles ao redor do arquipélago de Fernando de Noronha, a cerca de 530 quilômetros (km) do Recife. No início de abril deste ano, os pesquisadores voltaram e, em quatro dias, capturaram 114 exemplares da espécie invasora, que, observaram, havia reocupado os abrigos entre rochas que tinham sido limpos na expedição anterior.

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Peixe-leão a 30 metros de profundidade nos arredores das ilhas do arquipélago de Fernando de Noronha em abril de 2025 (Foto: Luís Guilherme França / PCR)

“Os mergulhadores das empresas de turismo que trabalham em Noronha nos mostraram um peixe-leão com 49,5 cm, provavelmente um dos maiores do mundo já encontrados, que haviam pescado com arpão em março. Vários tinham mais de 45 cm”, comenta o biólogo Marcelo de Oliveira Soares, coordenador do grupo da UFC. “Estão maiores do que na área nativa, o oceano Indo-Pacífico, onde têm 38 cm em média. Quer dizer que estão se dando muito bem em Noronha, comendo muito.”

Segundo ele, outra prova de alimento abundante é que os peixes abertos para exame tinham bastante gordura. As fêmeas, algumas com 20 cm, estavam cheias de ovos, sinal de que já estavam se reproduzindo no arquipélago.

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“É uma infestação”, define o engenheiro-agrônomo Ricardo Araújo, coordenador de pesquisa do ICMBio no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. “Os peixes-leão estão vindo do fundo para o raso.”

O oceanógrafo Luís França captura um peixe-leão em Fernando de Noronha em agosto de 2024 (Foto: Maicon Messias / Sea Paradise)

Essa espécie foi registrada pela primeira vez em 2014 no litoral do Rio de Janeiro e em 2020 em Fernando de Noronha. Em cinco anos, segundo Araújo, ao redor das 21 ilhas do arquipélago, os mergulhadores já avistaram 1.500 peixes-leão e capturaram 950.

“Estamos incentivando a captura”, informa Araújo. Como o arquipélago abriga duas unidades de conservação, uma área de proteção ambiental (APA) e um parque nacional, a pesca submarina com arpão é proibida. No entanto, em vista do risco de redução da população de espécies nativas, o ICMBio abriu uma exceção e liberou esse tipo de pesca apenas para captura criteriosa dessa espécie invasora, com autorização formal.

“O peixe-leão se reproduz muito, em todo canto, o ano inteiro”, comenta o oceanógrafo Luís Guilherme França, do Projeto Costa Recifal (PCR), do Recife, que participou da expedição mais recente em Noronha. “A tendência é que as populações dessa espécie aumentem cada vez mais.”

Com base em registros de órgãos do governo sobre cerca de 2.500 peixes, biólogos do Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Bahia verificaram que esse animal indesejado já chegou a 18 unidades de conservação marinhas do Brasil, ao longo de 4 mil km dos 10,9 mil km da costa brasileira, como relatado em um artigo a ser publicado na edição de junho da revista científica Marine Environmental Research.

De acordo com esse trabalho, o peixe-leão poderia invadir outras 25 unidades de conservação marinha do litoral brasileiro, o equivalente a 60% do total, nos próximos 10 anos. O registro mais recente foi nas proximidades de Salvador, na Bahia. “Levado pelas correntes marinhas, pode chegar logo à Argentina”, teme França.

Peixes-leão capturados após mergulho em Fernando de Noronha em 2 de abril de 2025 (Foto: Luís Guilherme França / PCR)

O que fazer?

O ICMBio, com especialistas das universidades de Alagoas, Pernambuco e Ceará, está examinando a possibilidade de promover o consumo da carne de peixe-leão como estratégia para reduzir as populações dessa espécie. “Estamos alinhando como seriam as regras de consumo, procedimentos de captura e precauções”, informa Araújo.

Análises preliminares feitas na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) indicam que na carne do peixe-leão de Noronha os níveis de contaminantes estariam abaixo dos limites recomendados. Portanto, estaria apta para consumo humano. Se a proposta avançar, a liberação seria inicialmente apenas para o arquipélago.

França, do PCR, experimentou esse peixe em 2021 em Curaçao, ilha do mar do Caribe próxima à costa da Venezuela, onde a espécie chegou há cerca de 40 anos, devastando a fauna marinha local. “É bom”, observou. “É um peixe de carne branca, lembra a pescada-amarela. Era mais caro que os peixes locais porque era vendido como uma iguaria.

A bióloga Emanuelle Rabelo, da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), em Mossoró, no Rio Grande do Norte, recomenda cautela: “Antes de incentivar o consumo como alimento, precisamos dimensionar o risco de essa espécie acumular metais pesados e outros contaminantes, já que se alimenta de várias outras espécies”.

Ela alerta que, no litoral potiguar, onde começaram a ser capturados a partir de julho de 2022, os peixes espinhosos se escondem nos recifes artificiais construídos por pescadores artesanais para atrair espécies comerciais. Também chamados de marambaias, esses lugares são feitos com materiais descartados, como placas de alumínio, latarias de automóveis, tambores de metal e plástico contaminados, cujos resíduos poderiam ser incorporador pelos peixes e outros organismos marinhos.

Em um artigo de julho de 2022 na revista Frontiers in Marine Science, biólogos da UFC, do PCR e do ICMBio observaram que esses pesqueiros servem de abrigo temporário para os peixes-leão, que ali se alimentam à vontade antes de se dispersarem.

“Os pescadores contam que veem cardumes com dezenas de peixes-leão, cada vez maiores e já com filhotes”, relata Rabelo. As geladeiras de seu laboratório na universidade guardam cerca de 300 peixes-leão, doados pelos pescadores.

“É uma espécie poderosa, que vive em profundidades de até 300 metros, em água quente ou fria, turva ou limpa, e se reproduz com rapidez”, acrescenta. As fêmeas põem cerca de 300 mil ovos por vez – quase 2 milhões ao longo de um ano.

“Essa espécie traz vários problemas de uma só vez: ambiental, por destruir a biodiversidade; econômico, por se alimentar de camarões, lagostas e peixes de valor comercial; e de saúde pública, porque seus 18 espinhos podem causar acidentes que resultam em dores fortes, convulsão e desmaio se não forem tratados com rapidez”, diz Rabelo. “Em caso de acidente, é importante colocar um pano aquecido no local para ajudar a inativar o veneno e a procurar imediatamente um atendimento médico.”

Além de apoiar o consumo seguro da carne, ela planeja outra estratégia para o litoral do Rio Grande do Norte: promover a captura dos peixes-leão por pescadores artesanais por meio de torneios periódicos, que poderiam durar meses, premiando quem pescou mais ou os maiores. Para cobrir todo o litoral do estado, o custo seria de cerca de R$ 400 mil, incluindo um kit captura para os participantes, com arpão, coletor de PVC para guardar os peixes, material de proteção individual, camiseta de manga comprida e caixa térmica.

“Em 2024, percorremos mais de 10 colônias de pescadores, incentivando a captura dessa espécie de forma segura. A única forma de reduzir as populações é capturar e eliminar”, enfatiza Rabelo.

Tanto a pesca submarina quanto os torneios, com o engajamento de moradores do litoral, são estratégias recomendadas por especialistas para reduzir a quantidade de peixes-leão do Mediterrâneo, onde foram registrados a partir de 2011. Um grupo internacional coordenado por pesquisadores da Turquia avaliou as formas de combate a essa praga do mar em um artigo de abril de 2022 na Frontiers in Marine Science.

Ainda não há predadores conhecidos do peixe-leão na costa brasileira. No Pacífico Sul e no oceano Índico, tubarões, garoupas, moreias e barracudas eventualmente se alimentam dessa espécie. No Caribe, pesquisadores e ambientalistas tentaram ensinar tubarões a comer esse peixe, mas não funcionou. “Os tubarões associaram o mergulhador, e não o peixe, com o alimento”, conta Soares, da UFC. “Portanto, existe o risco de o tubarão avaliar que a comida seriam as pessoas, não os peixes.”

Fonte: Um Só Planeta

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