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Durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC), realizada em Nice, França, representantes de mais de 95 países assinaram uma declaração que pressiona por um tratado global ambicioso e juridicamente vinculante para combater a poluição plástica. O Brasil, no entanto, optou por não aderir ao documento, evidenciando tensões persistentes nas negociações internacionais.
Batizado de “Apelo de Nice”, o documento surgiu após o fracasso das negociações na Coreia do Sul em 2024, quando os países não conseguiram chegar a um consenso sobre como conter a crescente crise da poluição plástica no mundo. As divergências, em especial entre aqueles que defendem a redução da produção de plásticos e as nações produtoras de petróleo, paralisaram o avanço do tratado.
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O Apelo de Nice traz cinco metas principais que foram apresentadas na Conferência da ONU sobre o Oceano e, segundo seus signatários, são essenciais para que o futuro tratado global sobre plásticos seja eficaz e à altura da crise ecológica.
São elas:
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Redução da produção e consumo de plásticos
Estabelecer uma meta global para reduzir a produção e o consumo de plásticos primários, com ajustes regulares para aumentar a ambição. Os países devem ser obrigados a reportar dados de produção, importação e exportação de plásticos. Também deve ser considerado o ciclo de vida dos produtos.
Eliminação de produtos e substâncias problemáticas
Proibir legalmente plásticos e substâncias químicas com alto potencial de causar danos ambientais ou dificultar a reciclagem, com base em uma lista global e atualizável, respeitando contextos nacionais específicos.
Design sustentável de produtos plásticos
Tornar obrigatória a melhoria no design de plásticos para minimizar impactos ambientais, reduzir consumo de matérias-primas virgens, aumentar o conteúdo reciclado e garantir maior reutilização e reciclabilidade.
Financiamento adequado e meios de implementação
Criar um mecanismo financeiro robusto, com recursos públicos e privados, nacionais e internacionais, que assegure apoio especialmente para países em desenvolvimento, com base no princípio do poluidor-pagador (quem polui paga pelo prejuízo).
Tratado dinâmico e baseado em evidências científicas
Permitir que o tratado evolua ao longo do tempo, adaptando-se a novas evidências e tecnologias, com decisões tomadas por procedimentos da ONU, mesmo sem consenso pleno, se necessário.
“Um tratado que dependa apenas de medidas voluntárias ou não aborde todo o ciclo de vida dos plásticos será ineficaz contra a poluição plástica. Por isso, apelamos aos membros do INC [Comitê Intergovernamental de Negociação] para que aproveitem esta oportunidade histórica e concluam um tratado ambicioso, universal e eficaz para pôr fim à poluição plástica, em benefício das gerações presentes e futuras e do planeta]”, diz o documento.
A retomada das negociações está prevista para agosto, em Genebra. A expectativa é que os países avancem rumo a um acordo vinculante. Segundo o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, o tempo urge. “Mais de 400 milhões de toneladas de plástico são produzidas por ano, um terço delas usadas apenas uma vez. Diariamente, mais de 2.000 caminhões de lixo cheios de plástico são despejados em oceanos, rios e lagos”, destacou.
Por que o Brasil não assinou?
Apesar de ser copresidente de um dos grupos preparatórios do tratado, o Brasil optou por não assinar o Apelo de Nice. Segundo o governo, a decisão reflete preocupações com a equidade nas obrigações impostas pelo futuro acordo.
Fontes oficiais brasileiras afirmam que o país apoia um tratado ambicioso, mas com diferenciação clara entre países desenvolvidos e em desenvolvimento — sobretudo no que diz respeito à capacidade de implementação e ao acesso a financiamento. A ausência de propostas concretas de apoio financeiro aos países em desenvolvimento foi vista como um ponto crítico.
Além disso, o governo brasileiro defende que o tratado seja “dinâmico”, ou seja, permita atualizações conforme evoluam o conhecimento científico e as tecnologias disponíveis. Para o Brasil, adotar um tratado fixo e restritivo desde o início pode inviabilizar sua efetividade e adesão mais ampla.
Outro fator é o posicionamento estratégico do Brasil como um dos maiores produtores de petróleo do mundo. A produção de plástico está diretamente ligada à indústria petrolífera, e apenas três grandes países produtores — Noruega, Canadá e México — assinaram o Apelo. Daí a expectativa de que uma meta para reduzir a produção de plásticos, defendida por países como os da União Europeia, venha sem compensação econômica.
A exclusão do Brasil, assim como de outros países produtores de petróleo como Líbia e Iraque, mostra a dificuldade de alinhar ambição ambiental necessária no tratamento do tema com interesses econômicos divergentes. A próxima rodada de negociações, em agosto, será decisiva. Segundo analistas, o sucesso do tratado dependerá da capacidade dos países de superar impasses históricos e colocar o planeta — e os oceanos — como prioridade comum.
Fonte: Um Só Planeta – Foto: Mohamad Salaheldin Abdelg Alsayed/Anadolu