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Sensação de impunidade. Este é o principal motivo apontado por autoridades e especialistas para explicar porque a Lei Seca, que completa dez anos hoje, ainda não “pegou” para valer. Considerada uma das legislações mais avançadas do mundo, e objeto de elogios até mesmo da Organização Mundial de Saúde (OMS), a norma não conseguiu, ao longo do tempo, fazer com que os motoristas parassem de dirigir sob o efeito do álcool.
Ainda que uma parcela da população esteja mais consciente – utilizando com a família ou amigos estratégias como “o motorista da vez” ou mesmo recorrendo à Uber ou táxis -, os números do Detran-SP revelam que o número de motoristas flagrados embriagados nos últimos anos em Bauru vem se mantendo em patamar constante.
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Em 2015, 505 pessoas foram autuadas por beber e dirigir no trânsito urbano, número semelhante ao de 2016, quando a multa ficou mais pesada e subiu de R$ 1.915,00 para R$ 2.934,70 – resultado: 493 condutores flagrados sob efeito do álcool. Em 2017, até outubro, de acordo com os dados mais recentes do Detran, já haviam sido contabilizadas 410 autuações.
“O sujeito acaba não sendo preso, então ele entende que pode continuar arriscando, porque não haverá maiores consequências. Em Dois Córregos, no mês passado, já com a punição mais rígida estabelecida pela lei, um rapaz embriagado matou três pessoas e foi colocado em liberdade na audiência de custódia. E isso repercute na sociedade”, aponta o delegado seccional de Bauru, Ricardo Martines, citando a ampliação da pena para até oito anos de prisão, desde abril deste ano, para quem mata ou fere com gravidade ao dirigir embriagado.
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Com o maior conhecimento de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si, os motoristas também passaram, cada vez mais, a recusar o teste do bafômetro. Nestes casos, a penalidade continua sendo multa de R$ 2.934,70 e suspensão do direito de dirigir por um ano, mas o crime de embriaguez, que prevê a instauração de inquérito, dificilmente é constatado, até porque dependerá de exame clínico, realizado médico legista na delegacia, possivelmente horas depois da primeira abordagem policial.
“As estatísticas apontam para um aumento de motoristas que se recusam a fazer o uso do etilômetro, mas é importante dizer a Lei Seca é um avanço no combate à violência no trânsito. Precisamos, agora, do engajamento de todos, com a mudança do comportamento do motorista”, acrescenta o comandante do Pelotão de Trânsito da Polícia Militar em Bauru, tenente José Sérgio de Souza.
FISCALIZAÇÃO
De 2008 a outubro de 2017, foram 2.890 autuações por embriaguez na cidade, incluindo as multas aos motoristas que recusaram o bafômetro. As limitações de efetivo que não permitem a ampliação das fiscalizações são apontadas como outro entrave para fazer a lei “pegar”, segundo o advogado Ruy Polini, coordenador da Comissão de Trânsito da OAB de Bauru.
“A legislação, nestes dez anos, vem se tornando cada vez mais rigorosa, mas só as iniciativas voltadas à educação, inclusive nas escolas, e uma maior fiscalização poderão trazer mais consciência ao condutor”, analisa. Contra as blitzes, contudo, pesam os recursos tecnológicos, em especial os aplicativos de troca de mensagem e redes sociais utilizados para a transmissão de informações sobre os endereços das operações.
Para tentar driblar este tipo de tática, os bloqueios, segundo o tenente Sérgio, passaram a ter curta duração, de maneira que não haja tempo para uma ampla mobilização digital. “Planejamos as operações nos locais de maior concentração de pessoas e veículos, fazemos fiscalizações rápidas e nos deslocamos para outros pontos da cidade”, completa.
Mudanças devem vir no longo prazo
Especialistas ouvidos pelo JC acreditam que, apesar de a Lei Seca ter sido aperfeiçoada, a adoção de práticas preventivas entre os condutores só será disseminada no longo prazo, quando as novas gerações, que estão crescendo dentro de uma sociedade com regras mais rígidas quanto à embriaguez ao volante, chegarem à idade adulta.
“O Brasil é um país de pessoas que gostam do seu churrasquinho com amigos, que gostam de beber no bar. É uma prática consolidada. Apesar de a gente ver algumas exceções, de pessoas mais conscientes, ainda prevalece o pensamento de que tragédias só vão acontecer com os outros, que só outros motoristas vão ser pegos em blitz”, pondera o engenheiro Archimedes Azevedo Raia Junior, especialista em segurança viária e diretor de Mobilidade da Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Bauru (Assenag).
A opinião dele é compartilhada pelo professor do Departamento de Direito Público da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp de Franca, José Carlos de Oliveira. Para o docente, a conscientização só se torna efetiva quando iniciada ainda na infância e, por isso, destaca a importância de intensificar as iniciativas educativas nas escolas.
“Com ações firmes e permanentes, estes cidadãos já cresceriam com esta mentalidade de segurança, mais realista quanto aos riscos envolvidos. Hoje, os indivíduos acreditam que nada vai acontecer se beberem, porque são bons motoristas, o que é um descaso com a própria vida e a dos outros”, cita.
A despeito da lei, este “pensamento mágico” continua sendo regra entre os bauruenses, conforme analisa Nelson Augusto Neto, gerente de Engenharia e Estatística de Trânsito da Emdurb. Ele diz perceber, no entanto, um maior nível de conscientização entre crianças e adolescentes. “É difícil combater a mentalidade dos condutores de hoje, mas acredito que não caiba uma penalidade maior do que a que já está imposta. A via de transformação está na educação, para, no futuro, termos um trânsito mais seguro”, opina.
Fonte: JCnet