07 de outubro, 2024

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João Doria manda recolher apostila de ciência que fala sobre diversidade sexual

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O governador João Doria (PSDB) mandou recolher nesta terça-feira (3) o material escolar de ciências para alunos do 8º ano do Ensino Fundamental da rede estadual de São Paulo. A apostila explica os conceitos de sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual. Também traz orientações sobre gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.

Alunos do 8º ano têm, em regra, 13 e 14 anos. “Fomos alertados de um erro inaceitável no material escolar dos alunos do 8º ano da rede estadual. Solicitei ao Secretário de Educação o imediato recolhimento do material e apuração dos responsáveis. Não concordamos e nem aceitamos apologia à ideologia de gênero”, escreveu Doria pelo Twitter.

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Em nota, a Secretaria da Educação de São Paulo afirma que o termo “identidade de gênero” estaria em desacordo com a Base Nacional Comum Curricular do MEC e com o Novo Currículo Paulista aprovado em agosto, e que a apostila é complementar ao estudo dos alunos.

Em 2017, o Ministério da Educação tirou o termo “orientação sexual” da terceira e última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino infantil e fundamental, que passou a valer em 2019.

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De acordo com o documento, o Conselho Nacional de Educação (CNE) emitiria orientações específicas sobre orientação sexual e identidade de gênero.

Para a professora FGV Cláudia Costin e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE), “[A base] não só não menciona, mas ela não proíbe. Ao traduzir a base em currículos estaduais, os currículos podem ou não introduzir uma questão sobre isso, o que não impede que professores ou até escolas abordem o tema.”

“A base estabelece aprendizagens mínimas que todos os alunos brasileiros tem que ter na educação básica”, completa.

A BNCC é considerada fundamental para reduzir desigualdades na educação no Brasil e países desenvolvidos já organizam o ensino por meio de bases nacionais. O documento define a linhas gerais do que os alunos das 190 mil escolas do país devem aprender a cada ano.

Ainda segundo a secretaria da Educação, “as apostilas do ‘São Paulo Faz Escola’ são elaboradas por servidores da rede estadual, desde 2009, que se utilizaram das fontes abertas que dispunham, no caso, de manual do Ministério da Saúde”.

Ao falar da identidade de gênero, a apostila reproduz conteúdo do Ministério da Saúde: “A identidade de gênero refere-se a algo que não é dado e, sim, construído por cada indivíduo a partir dos elementos fornecidos por sua cultura: o fato de alguém se sentir masculino e/ou feminino. Isso quer dizer que não há um elo imediato e inescapável entre os cromossomos, o órgão genital, o aparelho reprodutor, os hormônios, enfim o corpo biológico em sua totalidade, e o sentimento que a pessoa possui de ser homem ou mulher”.

Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que o tema é pautado pela Constituição Federal, mas que estados e municípios têm autonomia para implementar ações desde que não conflitem com disposições nacionais.

“No âmbito do Ministério da Saúde, as temáticas da saúde sexual, reprodutiva, planejamento familiar e direito à reprodução, se pautam pelo disposto na Constituição Federal de 1988, e nas Leis 8.080 e 8.142 de 1990, orientados para o acesso universal e igualitário para a atenção integral à saúde.

Cabe esclarecer que estados e municípios possuem autonomia para construírem, destituírem, implementarem ou descontinuarem localmente ações, serviços e intervenções, desde que não conflitem com as disposições nacionais e constitucionais.

Vale ressaltar ainda que ‘gênero’ é um termo que tem reunido discussões de amplo espectro, muitas vezes diferentes entre si, e que comumente tratam sobre identidade, manifestação da afetividade, discriminação, saúde sexual, direitos civis, desigualdade, principalmente no tratamento entre homens e mulheres, além de aspectos culturais, tradicionais e sociais.

Trata-se de um conjunto amplo de debates, normalmente transversais ao Estado brasileiro, não situados especificamente em uma pasta ou setor, mas que demandam das políticas atenção para a manutenção dos direitos sociais assegurados na Constituição Federal, principalmente, no caso da saúde, na manutenção do direito ao acesso universal e igualitário para a atenção integral na Rede de Atenção à Saúde”, diz a nota.

Depois, em coletiva na tarde desta terça, Doria voltou a falar que seu governo “não faz ideologia de gênero”.

“Não é razoável que crianças e adolescentes tenham esse tipo de assunto na escola. Pela manhã fui informado sobre a existência dessa cartilha. Entrei em contato com o secretário Rossieli Soares, que se surpreendeu com o fato. Pedi que verificasse. Ele retornou dizendo que sim. Eu determinei que fosse recolhidas todas as apostilas e verificasse quem autorizou a produção e a distribuição sem prévia consulta ao secretário”, afirmou.

Texto contido no livro recolhido pelo governo de São Paulo — Foto: Reprodução
Texto contido no livro recolhido pelo governo de São Paulo (Foto: Reprodução)

Veja a nota da Secretaria:

“Nesta segunda-feira, a Secretaria da Educação tomou conhecimento de que os alunos do 8º ano do Ensino Fundamental (menos de 10% da rede) receberam as apostilas de ciências do São Paulo Faz Escola em que consta conteúdo impróprio para a respectiva idade e série e em desarranjo com as diretrizes desta gestão. Diante disso, a Seduc-SP esclarece:

1- O tema de “identidade de gênero” está em desacordo com a Base Nacional Comum Curricular, aprovada em 2017 pelo Ministério da Educação e também com o Novo Currículo Paulista, aprovado em agosto de 2019. Assim, o assunto extrapola os dois documentos, que tratam do respeito às diferenças e à multiplicidade de visões da nossa sociedade.

2- A Secretaria da Educação iniciou imediatamente o recolhimento dos exemplares das escolas, nesta terça-feira, dia 3, assim como a apuração da responsabilidade pela aprovação do conteúdo.

3- As apostilas do São Paulo Faz Escola são elaboradas por servidores da rede estadual, desde 2009, que se utilizaram das fontes abertas que dispunham, no caso, de manual do Ministério da Saúde.

4- Não houve prejuízo material para a secretaria, uma vez que trata-se da apostila complementar referente apenas ao 3º bimestre, além de se tratar de apostila consumível, ou seja, que já não seria reaproveitada por outros alunos.

5- As apostilas são material complementar de apoio ao currículo e seu uso fica a critério de cada professor.

6- A Seduc-SP decidiu reestruturar todo o processo de produção das apostilas e já está contratando serviço de revisão externa para todos os materiais.”

Sobre ‘ideologia de gênero’

O termo “ideologia de gênero” surgiu entre meados da década de 1990 e início dos anos 2000 no âmbito do Conselho Pontifício para a Família, da Congregação para a Doutrina da Fé, antigamente conhecida como Santa Inquisição Romana e Universal, ala conservadora da Igreja Católica, segundo o Centro de Estudos Multidisciplinares Avançados da Universidade de Brasília (UnB).

O termo foi formulado como uma reação ao feminismo por neofundamentalistas católicos, que acreditam que a luta feminista atinge a tradicional família cristã. Mas, de acordo com a UNB, o termo contraria, inclusive, disposições do Concílio Vaticano II, quando vários temas da Igreja Católica foram regulamentados na década de 1960.

Depois, em 2000, a expressão apareceu em documento da Cúria Romana, com a publicação de “Família, Matrimônio e Uniões de fato”.

A expressão “ideologia de gênero” não é reconhecida no mundo acadêmico e é usada por grupos conservadores, como as igrejas evangélicas, contrários aos estudos de gênero iniciados nas décadas de 1960 e 1970 nos Estados Unidos e na Europa, que teorizam a diferença entre o sexo biológico e o gênero.

Para esses estudiosos, ser um homem ou uma mulher não depende apenas da genitália ou dos cromossomos, mas de padrões culturais e comportamentais. Tais padrões, segundo os teóricos da área, são adquiridos na vida em sociedade. Já acadêmicos conservadores acreditam que as conclusões desses estudos sobre o gênero não obtiveram validação das ciências exatas e biológicas.

Em 1994, o conceito de gênero foi adotado, pela primeira vez, em documento intergovernamental na Conferência de População do Cairo, na Assembleia Geral da ONU de 1994.

Em 2004, no Brasil, surgiu o movimento “Escola sem Partido” para combater uma suposta doutrinação de esquerda que os professores praticariam nas escolas.

Em abril de 2017, o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU enviou uma carta à embaixadora do Brasil na ONU, citando a exclusão do termo “orientação sexual” do currículo escolar após “membros do grupo Escola Sem Partido terem acusado professores de encorajar alunos a entrar em contato com sua natureza homossexual”.

A carta lembra que o Comitê de Direitos da Criança recomendou, em 2015, que o Brasil “fortalecesse seus esforços para combater a discriminação e a estigmatização de crianças vivendo em situação de pobreza em áreas urbanas marginalizadas, como favelas, além de crianças em situação de rua, meninas, e crianças negras e indígenas. ”

O Comitê também recomendou a criação de leis proibindo a discriminação e o incitamento da violência com base na orientação sexual e identidade de gênero.

Pricila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação, afirma que o termo “ideologia de gênero” não existe na base da educação brasileira, mas sim, a discussão do tema.

“É importante diferenciar, porque tem um grupo que rotula. Isso é um rótulo de grupo.” Ela explica que a discussão visa debater a construção de identidade e que um grupo de pessoas é a favor e outro é contra abordar isso nas escolas.

Página da apostila recolhida — Foto: Reprodução
Página da apostila recolhida (Foto: Reprodução)

Fonte: G1

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