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O desbravador do sertão meridional José Theodoro de Souza é uma figura controvertida. Após vinte e cinco anos de sua entrada triunfal na antiga Vila de Botucatu, ele morreu pobre, endividado e esquecido em Campos Novos Paulista em 24 de julho de 1875, e não no mês de abril como se pensava em São Pedro do Turvo, povoado que ajudou a fundar que se emancipou-se como município.
Por muito tempo prosperou uma versão de que ele teria tombado por golpes de borduna de algum indígena renegado.
Na verdade, ele morreu paralítico, segundo o memorialista Celso Prado. Quem morreu esquartejado por índios foi o irmão do pioneiro, Francisco de Souza Ramos. Também o filho Theodorinho morreu flechado num confronto com indígena e o corpo também esquartejado.
O memorialista pesquisou em assentamentos de cartórios, certidão de óbito, escrituras de posses de imóveis e recortes de jornais para traçar um perfil que aponta que José Theodoro meteu-se em incidentes históricos, quando da deflagração da Revolução Liberal e da liberação de Euzebio da Costa Luz, em Sorocaba.
O propósito capitalista de invadir o sertão, ocupar as terras e expulsar os índios atraiu Theodoro para a região de Botucatu. A seguir os principais trechos da entrevista:
JC – José Theodoro de Souza chegou à região de Botucatu trazido pelo capitão Tito Corrêa de Mello com que propósito?
Celso Prado – José Theodoro de Souza, hoje se sabe por documentos, chegou à região pelas mãos de Joaquim da Costa Abreu – mandatário em Botucatu – e de Euzebio da Costa Luz, irmão de Costa Abreu. Tito teria sua importância após exitosa campanha de Theodoro e seu bando. Costa Luz deixou em 1849 o poder em Botucatu, ou dele foi apeado, e o Capitão Tito Correa de Mello assumiu o mando, também como herdeiro do sogro Gomes Pinheiro, morto no ano anterior.
JC – Como se deu a incursão de José Theodoro na região de Lençóis e Bauru?
Prado – O propósito capitalista era invadir o sertão, ocupar as terras e expulsar os índios. Ele iniciou a incursão sertaneja, entre o Tietê e Paranapanema, adiante da Serra Botucatu às barrancas do Rio Paraná, dividindo seu ‘exército’ em diversas frentes para a ‘Guerra ao Índio’, atacando simultaneamente as regiões de Avaré/Piraju, Lençóis Paulista/Bauru, São Pedro do Turvo, etc. A importância de Lençóis Paulista, na ocasião, era pela ocupação territorial estratégica da margem esquerda do Tietê, e então, Agudos e Bauru/Fortaleza para servir de sentinela e base de apoio aos entradores e segurança aos primeiros desbravadores contra os perigos indígenas.
JC – Ele vendeu terras que não eram dele na região do Rio Batalha?
Prado – José Theodoro de Souza registrou suas posses em Botucatu em 31 de maio de 1856. Ele também obteve semelhante registro paroquial (de terras) junto ao vigário Modesto Marques Teixeira, de Botucatu (então, uma vila), para a vastíssima área entre a cidade de Bauru e as margens do Rio Paraná. O registro denomina a área Fazenda Rio do Peixe, ou Fazenda Boa Esperança do Aguapeí. O que comprova é o documento do Juízo Municipal de Botucatu ao Presidente da Província de São Paulo, datado de 23 de agosto de 1861, denunciava que, em Bauru, imensa área na sua quase totalidade tinha sido apropriada e vendida por José Theodoro de Souza e pelos irmãos Francisco e Antonio de Campos. As terras de José Theodoro de Souza eram todas livres de ocupações primárias.
JC – Ele trocou uma área de terra por um negro que tocava violão? É folclore ou é verdade?
Prado – É lenda. Todos diziam que ele era intrépido, alegre, folgazão, festeiro e perdulário tanto que chegou a trocar enorme fazenda por um negro escravo, violeiro e cantador de cateretê. A fazenda teria sido dada em garantia pela compra de um negro escravizado, que valia muito dinheiro, especialmente sendo este exímio tocador de viola e cantador de cateretê.
JC – Houve um episódio de confronto em Botucatu. Como ocorreu? Havia milhares de bugreiros nesta incursão?
Prado – Theodoro entrou no sertão com aproximadamente mil homens, entre bugreiros e ocupadores de terras, ou seja, os índios eram exterminados e os sobreviventes expulsos, para então a imediata posse sertanista. Os bugreiros iam adiante. Em Botucatu aconteceu confronto entre a família Costa – de Joaquim da Costa Abreu e a Gomes Pinheiro – do Capitão José Gomes Pinheiro, por desentendimentos em demanda de terras no alto da serra; o episódio ficou conhecido como ‘Contenda da Porteira’, mas isto anterior ao bandeirismo de José Theodoro de Souza.
JC – Há mistério sobre a morte de José Theodoro. Ele foi massacrado por índios?
Prado – José Theodoro de Souza, conforme inventário e testamento, morreu em 1875, em Campos Novos Paulista, de doença paralisante conforme seu inventário e testamento. Quem morreu massacrado – esquartejado por índios, em São Pedro do Turvo foi o irmão de Theodoro, Francisco de Souza Ramos, noticiado pelo Correio Paulistano, em 6 de setembro de 1865. Também o filho de José Theodoro de Souza, o Theodorinho, morreu flechado e esquartejado por índios, em 1878 na Água das Mortes, região atual de Paraguaçu Paulista, célebre acontecimento narrado pela grande imprensa e historiadores.
JC – Na sua opinião, ele é o maior desbravador do Oeste Paulista?
Prado – Sem dúvidas, ainda que sob a pena do maior etnocídio na província paulista do século XIX.
JC – Por que é chamado de bandeirismo sertanejo? O que tem a ver com os bandeirantes?
Prado – O entradismo ou entrada era feita à expensa do próprio líder, enquanto o bandeirismo era pago por interessados, mediante tratos e contratos. O empreendimento de Theodoro foi financiado por capitalistas – fazendeiros que tinham interesses nas terras adiante de Botucatu. Também foi combinado que Theodoro possuiria terras adiante do Pardo santa-cruzense, para venda de terras, fundações de povoados e aberturas de caminhos, além das participações dos bugreiros, muitos em troca de terras.
Pioneiro trocou fazenda por escravo tocador de viola
A professora de História de Assis Maria do Carmo Sampaio Di Creddo relata no livro “Terras e Índios, a propriedade da terra no Vale do Paranapanema” o episódio envolvendo Theodoro de Souza que trocou uma propriedade por um escravo exímio tocador de viola.
No livro consta que o desbravador era apreciador do “cateretê”, dança que se realizava ao som de viola. Theodoro viu um escravo apelidado de “Carioca” pertencente ao dono da casa tocar admiravelmente bem, durante toda uma noite sem fatigar-se. Entusiasmado com a habilidade do violeiro, decidiu comprá-lo.
Segundo Maria do Carmo, como o pioneiro não tinha dinheiro propôs dar o ribeirão Borda do Campo (afluente do Jacutinga) em troca do escravo, o que foi aceito. Na escritura, no entanto, ele não declarou que era em troca de gente. Para Celso Prado, a história está mais para folclore, mas há relatos de outros autores sobre o episódio de maneira semelhante. Bruno Giovannetti no livro “Esboço Histórico da Alta Sorocaba” cita que o imóvel negociado de 3.500 alqueires situava próximo a atual Campos Novas Paulista. Já o livro “Em um recanto do sertão paulista” de 1923, de Amador Nogueira Cobra, que “Carioca” jamais desmentiu a fama que conquistara.
Fonte: JCnet