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Os oceanos cobrem mais de 70% do planeta e produzem metade do oxigênio que a humanidade respira. Também são responsáveis pela regulação do sistema climático global. No Brasil, o Oceano Atlântico sustenta cadeias econômicas inteiras — da pesca ao turismo — e abriga ecossistemas que funcionam como verdadeiros escudos naturais contra eventos extremos: manguezais, recifes de corais, marismas e restingas.
Apesar de toda essa potência, os oceanos estão atualmente sob estresse. As mudanças do clima têm levado à acidificação e seu aquecimento. A pesca predatória põe em risco a biodiversidade, e degradação costeira prejudica seus sistemas de proteção. A poluição, em especial, a plástica, também é um problema sério que precisa ser combatido. Um estudo do The 5 Gyres Institute estimou que há 170 trilhões de partículas plásticas no oceano, número que pode estar subestimado. De acordo com os autores, pode haver até 4,9 milhões de toneladas do resíduo.
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Somente o Brasil despeja cerca de 1,3 milhão de toneladas de plástico no oceano por ano, volume que representa em torno de 8% da poluição global pelo resíduo, de acordo com estimativa da ONG Oceana. Um estudo do Ministério da Ciência (MCTI) traz ainda que cerca de 3,44 milhões de toneladas do plástico gerado no país podem acabar nas águas ao longo do tempo.

O cenário é preocupante. Mas as consequências previstas, ainda mais. Um estudo com 160 cientistas aponta que os recifes de corais de águas quentes já ultrapassaram seu ponto de inflexão térmico, ou seja, o “ponto de não retorno”, limite crítico em um sistema natural que provoca uma mudança abrupta e muitas vezes irreversível. Com o aquecimento oceânico, muitos recifes podem sofrer “morte generalizada” ou colapso. Segundo esse relatório, o limiar estudado está muito próximo do aquecimento de 1,2 °C acima da era pré-industrial.
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Diante desse contexto, especialistas apontam que a conservação dos oceanos passa por quatro itens essenciais: educação, tecnologia, governança e financiamento.
No campo do financiamento, a pauta teve uma vitória importante recentemente, durante a COP30, que acontece em Belém. Na abertura da conferência do clima, foi apresentado o Pacote Azul, um plano global que prevê o investimento de US$ 116 milhões em soluções baseadas nas águas, reconhecendo o papel essencial do oceano na regulação da temperatura do planeta.
Entre os pilares do plano, estão a conservação marinha, a alimentação sustentável, o fomento à energia renovável, o transporte limpo e o turismo responsável. Durante a Cúpula dos Líderes, também em Belém, o governo federal reforçou esse compromisso, anunciando a ampliação das áreas marinhas protegidas e destacando a importância do Tratado de Alto Mar, que garantirá o uso sustentável da biodiversidade em águas internacionais a partir de 2026. O acordo deverá ser ratificado até o final do ano pelo Brasil.
Mesmo assim, a falta de recursos parceiros é notória. “Sem financiamento, não há escala”, aponta Gabriela Otero, gerente de Água, Oceano e Resíduos do Pacto Global da ONU – Rede Brasil. “As soluções existem — sociais, tecnológicas e naturais. O que falta é capital para implementá-las e ampliá-las.”
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Segundo o Banco Mundial, menos de 3% do financiamento climático global vai para o oceano, embora ele seja responsável por parte significativa da regulação climática do planeta. Essa lacuna atinge desde iniciativas de restauração de manguezais até tecnologias de contenção de lixo no mar, passando por projetos de educação oceânica.
Sistema possui vasto benefício
Manguezais, recifes de corais e vegetação costeira são hoje reconhecidos como alguns dos sistemas mais eficientes para reduzir impactos de tempestades, conter erosão e reter carbono — o chamado “carbono azul”, que pode armazenar até quatro vezes mais CO₂ do que florestas terrestres. Mas esses ecossistemas estão entre os mais pressionados do planeta.
“Os manguezais e os corais são berçários de vida. Regeneram água, protegem a costa e sustentam a produção de alimentos”, explica a especialista do Pacto Global da ONU. “Quando esses sistemas entram em colapso, todo o restante desestabiliza: pesca artesanal, segurança alimentar, economia local e equilíbrio climático.”
Os sinais já são visíveis: morte e branqueamento de recifes, decorrentes do aquecimento do mar; avanço da erosão em áreas costeiras; perda de estoques pesqueiros, com espécies migrando para águas mais frias; e a acidificação — a “ameaça silenciosa” — que enfraquece corais, conchas e ecossistemas inteiros.
“O oceano é resiliente por natureza”, diz Otero. “Mas para que continue cumprindo sua função climática, precisamos planejar seu uso.”
Dentro disso, a porta-voz do Pacto Global chama atenção para um detalhe: a necessidade de guiar com responsabilidade as atividades econômicas que vão ser colocadas em prática. “Precisamos definir onde e como elas devem ser efetuadas, sempre respeitando ecossistemas, como manguezais e corais, para que mantenham suas funções. Isso deve ser feito em equilíbrio com as comunidades tradicionais que, há muito tempo, vivem em harmonia com o sistema costeiro e o oceano”, pontua.
“Também é fundamental considerar como pensamos a ocupação do litoral e outras atividades de infraestrutura, que devem ser planejadas para adaptação. Por exemplo, a localização de portos, as atividades pesqueiras, as políticas de incentivo e de proteção aos saberes tradicionais”, completa Otero.
Inovação que nasce no mar
Tecnologias inovadoras também começam a transformar o cenário — ainda que em pequena escala. No Chile, a empresária Francisca Solari lidera o Cachalote, embarcação construída em Chiloé e inspirada na baleia de mesmo nome. O projeto, que já foi analisado por uma das maiores construtoras navais do mundo, combina engenharia de ponta com saberes da navegação patagônica.
Um dos resultados mais significativos envolveu as baleias-azuis. A pesquisa no Cachalote identificou que cada um desses animais captura 33 toneladas de carbono, o que representa US$ 4 milhões em valor para o ecossistema do planeta. “Quando o protótipo chegou à Holanda, o impacto foi tão grande que levantaram a bandeira chilena na empresa”, conta Solari. “O valor do projeto não é só o barco: é levar conhecimento técnico do Norte Global para a Patagônia, colocar o Chile na vanguarda da inovação.”
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A visão dela é clara: criar uma frota de embarcações capazes de operar em regiões de navegação extrema — Patagônia, Cabo de Hornos, Antártica — e formar um modelo que possa ser escalado em parceria com o setor privado e governos. “É muito difícil levantar projetos sozinhos”, afirma. “Precisamos de alianças para que essa inovação ganhe escala.”
Educação oceânica ganha destaque
Se o oceano precisa de políticas públicas, investimento e tecnologia, ele também precisa de consciência coletiva. Por isso, o Brasil se tornou pioneiro ao implementar o Currículo Azul, que agora deve aparecer em todos os livros e materiais escolares. “Isso muda tudo”, explica Karina Massei, educadora ambiental do projeto Preamar, da Paraíba. “A geração azul vai crescer entendendo que o oceano faz parte da identidade do país, não importa se a criança vive na praia, no interior ou na Amazônia”. O projeto visa implantar recifes artificiais e restaurar ecossistemas naturais no litoral do estado.
O desafio também é formar professores para um tema transversal e multidisciplinar que nunca esteve presente na formação docente. “A ONU recomenda que as crianças vivenciem a natureza no pós-pandemia, mesmo que seja um pequeno trecho perto de casa”, diz Massei. “É preciso reconectar infância e território.”
O Preamar não é o único projeto na luta pela educação oceânica como forma de mudar os rumos da conservação marinha. A expedição Vozes do Oceano, iniciativa liderada pela família Schurmann, vê no tema um caminho imediato para gerar impactos.
O velejador e economista Vilfredo Schurmann, líder da expedição, acompanha projetos pelo país que transformam a realidade das comunidades e ensinam a preservar o mundo marinho. Um desses, inclusive, levou apresentações de dança à França como forma de conscientizar a população sobre as necessidades dos oceanos.
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No Recife, Schurmann testemunhou outro exemplo poderoso: uma diretora de escola, e depois prefeita, que criou um programa simples e revolucionário. Quem recolhesse sacos plásticos acumulados nos manguezais recebia uma cesta básica. “As crianças envolveram os pais. A comunidade inteira mudou de comportamento”, diz ele. “Na última visita, todos os prefeitos da região estavam envolvidos.”
Histórias parecidas surgiram em Salvador, onde contêineres-lixeira instalados em áreas vulneráveis transformam lixo em renda para famílias. “São ações pontuais, mas transformadoras”, afirma Schurmann. “E mostram que o oceano tem soluções — o que falta é escala”, finaliza.
Fonte: Um Só Planeta