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Cientistas revelaram nesta segunda-feira (11) que a passagem da sonda Voyager 2 por Urano em 1986 — um momento que formou grande parte do nosso conhecimento sobre esse terceiro maior planeta do Sistema Solar — pode ter ocorrido em condições raras, quando a magnetosfera (uma grande camada magnética) do gigante de gelo estava estranhamente comprimida pelo vento solar.
Na prática, isso significa que boa parte do nosso entendimento sobre Urano, que depende justamente das informações da Voyager 2, a única sonda a explorá-lo de perto, talvez seja mais limitado do que imaginávamos.
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Segundo o estudo publicado na revista “Nature Astronomy”, é possível, por exemplo, que essa compressão tenha impedido a detecção de partículas de água, que poderiam ter sido expulsas da região observada e, assim, passado despercebidas pela Voyager 2, ocultando indícios de oceanos nas luas do planeta (entenda mais abaixo).
Lançada pela Nasa em 1977, a missão inicial da segunda Voyager era estudar Júpiter e Saturno. No entanto, graças a um raro alinhamento planetário, a sonda conseguiu estender sua trajetória para passar por Urano, quando captou imagens detalhadas e mediu propriedades magnéticas e atmosféricas do planeta, incluindo suas luas e anéis, algo inédito na época.
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Também durante esse sobrevoo, a Voyager 2 revelou que Urano tinha uma magnetosfera peculiar, com um formato assimétrico, uma falta de plasma (que é comum em magnetosferas de outros corpos celestes), e cinturões de elétrons altamente energéticos.
ENTENDA: A magnetosfera é área em torno de um planeta dominada pelo seu campo magnético. Ela influencia o ambiente ao redor do planeta, e compreender suas características é essencial para o planejamento de missões espaciais.
“A imagem científica de Urano, formada após o sobrevoo da Voyager 2, sugere que o planeta tenha um ambiente magnético extremo. No entanto, sempre considerei a possibilidade de que a sonda tenha chegado durante um evento atípico, e não que isso seja uma característica constante do planeta”, afirma o autor do estudo Jamie Jasinski, físico especializado em plasma espacial no Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, na sigla em inglês) da Nasa.
Jasinski trabalhou na missão Messenger da agência espacial em Mercúrio e conta que decidiu reanalisar os dados da Voyager 2 sobre Urano ao perceber uma possível anomalia nas observações feitas pela sonda lançada em 2004.
Durante a missão para Mercúrio, ele diz que notou que o vento solar, em momentos raros, conseguia alterar completamente o campo magnético do menor e mais interno planeta do Sistema Solar, o que o levou a questionar se Urano poderia ter sido observado justamente durante uma mesma fase incomum.
Assim, ao revisar os dados da Voyager 2, Jasinski descobriu que, pouco antes do sobrevoo, houve um aumento significativo no vento solar (partículas carregadas provenientes da camada mais externa da atmosfera da estrela), o que teria comprimido a magnetosfera de Urano a apenas 20% de seu volume normal.
Se a Voyager 2 tivesse chegado a Urano apenas uma semana antes, ela provavelmente teria encontrado a magnetosfera (ou seja, a ‘bolha’ magnética do planeta) em um estado mais ‘normal’, parecida com a de outros planetas gigantes do Sistema Solar — como Júpiter, Saturno e Netuno.
— Jamie Jasinski, físico especializado em plasma espacial no Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, na sigla em inglês) da Nasa.
Sobrevoo atrasado
Um dos pontos mais intrigantes na época do sobrevoo da Voyager tamnbém foi a presença de um cinturão de radiação de elétrons extremamente intenso – o segundo mais forte depois de Júpiter – que parecia não ter fonte conhecida.
Normalmente, esses cinturões têm uma fonte que os alimenta, como partículas vindas de luas ativas (existem 27 luas conhecidas de Urano, todas com nomes de personagens das obras de Shakespeare e Alexander Pope, um famoso poeta britânico) ou materiais ejetados de oceanos subterrâneos.
No caso de Urano, porém, a origem desses elétrons era um mistério. As luas do planeta não mostraram sinais de liberar materiais ou partículas, e o cinturão parecia isolado de qualquer fonte de abastecimento constante. Isso quer dizer que, diferentemente de outros planetas, não havia um mecanismo óbvio para “recarregar” ou sustentar essa radiação intensa.
Além disso, a Voyager também não detectou nenhum sinal de plasma (um gás eletricamente carregado) vindo das luas de Urano, o que levou os cientistas a chamarem a magnetosfera de Urano de “magnetosfera de vácuo”, por causa dessa ausência de partículas.
“Agora que sabemos, graças ao nosso novo estudo, que o sobrevoo da Voyager 2 ocorreu quando a magnetosfera de Urano estava em um estado altamente comprimido, isso nos dá um novo contexto para entender a observação de um plasmoide durante o sobrevoo”, detalha Xianzhe Jia, professor de Ciências Espaciais e Engenharia no Departamento de Clima e Espaço da Faculdade de Engenharia da Universidade de Michigan, que também participou da pesquisa.
E esse detalhe tem implicações importantes: se as luas geladas de Urano, como Titânia e Oberon, tivessem oceanos de água subterrâneos ativos, elas poderiam estar lançando plumas de água no espaço, semelhante ao que acontece com Encélado, uma lua de Saturno.
No entanto, a Voyager não viu nenhuma assinatura do tipo, o que foi interpretado pelos cientistas como um sinal de que essas luas seriam inativas.
Mas há uma nova hipótese: a intensa pressão do vento solar, que comprimiu a magnetosfera de Urano na época do sobrevoo, pode ter eliminado qualquer traço de água presente.
Em outras palavras, se a sonda tivesse chegado antes, poderia ter captado uma magnetosfera expandida e visto vestígios de atividade dessas luas, talvez até sinais de oceanos subterrâneos ativos.
“Uma nova missão para Urano é essencial para entender melhor essa sua magnetosfera, atmosfera, anéis e luas. E só estando dentro do sistema, com os instrumentos científicos certos, poderemos realmente desvendar seus mistérios e descobrir se há esses oceanos subterrâneos em suas luas”, acrescentou Jasinski.
Fonte: G1