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Por quase dois séculos, o Dunkleosteus terrelli, peixe blindado de pouco mais de quatro metros que dominou os oceanos do Devoniano Superior, há 360 milhões de anos, figurou entre os fósseis mais icônicos do planeta. Suas lâminas ósseas que substituem os dentes, seu crânio maciço e sua reputação de caçador voraz o tornaram presença certa em museus de história natural mundo afora. Ainda assim, apesar da fama, este antigo predador havia sido surpreendentemente negligenciado pela ciência desde a década de 1930.
Agora, uma equipe internacional liderada pela Case Western Reserve University acaba de preencher uma lacuna de 90 anos na compreensão de sua anatomia. O novo estudo, publicado no dia 20 de novembro na revista The Anatomical Record, oferece a análise mais detalhada até hoje da estrutura craniana e mandibular do animal, além de revelar traços que reescrevem sua posição na árvore evolutiva dos artrodiros – grupo de peixes com armadura óssea e mandíbula articulada.
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Um gigante peculiar
Há cerca de 360 milhões de anos, regiões que hoje correspondem à cidade de Cleveland, nos Estados Unidos, eram cobertas por mares rasos ricos em vida. Foi ali que o D. terrelli, carinhosamente apelidado de “Dunk” pelos pesquisadores, reinou como predador de topo.
Em comunicado, a equipe indica que esse artrodiro possuía lâminas ósseas afiadas como navalhas no lugar de dentes, capazes de arrancar pedaços de presas grandes com eficiência assustadora. O que se acreditava ser um “exemplo clássico” do grupo, porém, revelou-se um caso à parte.
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Até então, a última análise anatômica de fôlego sobre a espécie havia sido publicada em 1932, uma época em que a compreensão dos artrodiros ainda engatinhava. Como explica o paleobiólogo Russell Engelman, autor principal do estudo, muitos trabalhos posteriores buscaram modelar a biomecânica do animal, mas quase ninguém havia retornado aos fósseis para entender o que os ossos realmente revelavam sobre músculos, conexões e funcionamento da mandíbula.
A tarefa não é tão simples. Como nos tubarões atuais, boa parte do corpo desses peixes era composta por cartilagem, um material que raramente se preserva ao longo dos milênios. Contudo, como o Museu de História Natural de Cleveland guarda a maior e mais bem preservada coleção de fósseis de D. terrelli do mundo, tornou-se possível aplicar métodos modernos à reavaliação de dezenas de exemplares.
Descobertas que mudam o entendimento do grupo
Dentre os achados identificados pelos autores, destacam-se os fatos de:
- Quase metade do crânio ser cartilaginoso. Isso inclui conexões essenciais da mandíbula e áreas de inserção muscular. A proporção de cartilagem é muito maior do que se supunha, sugerindo que a biomecânica da cabeça do D. terrelli era mais flexível e complexa do que estimado anteriormente;
- Os músculos da mandíbula serem semelhantes aos de tubarões. A equipe identificou um grande canal ósseo que abriga musculatura facial comparável à de tubarões e raias modernos, representando uma das melhores evidências dessa característica em peixes do Devoniano; e
- Suas lâminas ósseas terem evoluído de forma independente. Enquanto muitos artrodiros possuíam dentes verdadeiros, o D. terrelli e seus parentes próximos os perderam ao longo da evolução. Suas lâminas ósseas surgiram como adaptação para capturar e consumir outros peixes grandes, uma solução distinta adotada por diferentes linhagens.
Segundo Engelman, essas especializações reforçam que os artrodiros não eram criaturas primitivas e homogêneas, mas um grupo diversificado, com papéis ecológicos variados ao longo de milhões de anos. O animal aparece agora como um predador ainda mais bem adaptado do que se imaginava, quase como um especialista na caça de presas grandes em um oceano em plena explosão de diversidade.
Fonte: Galileu