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Enquanto os olhos do mundo tendem a se voltar aos problemas humanos, entre eles a emergência climática que ameaça a nossa própria espécie, os animais não-humanos estão vivendo um duplo desafio: os impactos das nossas atividades predatórias e também os efeitos dos eventos climáticos extremos, que amplificam os danos aos seus habitats naturais.
Divulgado a cada dois anos pelo grupo WWF, o Relatório Planeta Vivo (em inglês, Living Planet Report) revela uma queda média impressionante de 69% nas populações de animais selvagens em todo o mundo nas últimas quatro décadas. Regiões tropicais são as mais afetadas. Entre 1970 e 2018, as populações monitoradas na América Latina e Caribe encolheram 94% em média.
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No Brasil, algumas espécies ícones do país, como o boto da Amazônia, a onça do Pantanal, o tatu-bola, gato-palheiro, o lagarto papa-vento da Bahia e até mesmo os recifes de corais estão entre os seres mais afetados. O boto amazônico (Inia geoffrensis) destacou-se como uma das que mais diminuíram nas últimas décadas.
Além da contaminação por mercúrio, os botos são vítimas de captura não intencional em redes e também propositais, com ataques em represália pela quebra de equipamentos de pesca, e pela captura para ser usado como isca na pesca do bagre piracatinga. Entre 1994 e 2016, a população de botos cor-de-rosa monitorada pela Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, sofreu uma queda de 65%. Também houve reduções na região que inclui o Vale do Javari, onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram assassinados por pescadores ilegais.
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Nem o mascote da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, o tatu-bola, escapou da sina. A espécie carismática perdeu, até 2020, 50% da sua área de distribuição no Cerrado. E mais: “Em um período de cinco anos, o tatu bola viu aumentar em 9% a cultura de soja dentro dos limites da sua distribuição, na região do Matopiba”, acrescenta em nota Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil.
Outra espécie do Cerrado sob ameaça é o tiriba-do-Paranã (Pyrrhura pfrimeri), um parente de papagaios e araras, que ocorre somente nos estados de Goiás e Tocantins e que já é considerada como ameaçada de extinção pelo governo brasileiro. A principal causa é o avanço do agronegócio sobre áreas de vegetação nativa do Cerrado: a perda de área natural importante para a tiriba em quatro décadas chegou a 70%.
A onça-pintada, o maior felino das Américas, também reflete a crise da biodiversidade. No Pantanal, a espécie sofre com a redução de habitat, barramento de rios da Bacia do Alto Paraguai, queimadas cada vez mais intensas e frequentes, incluindo a de 2020, que atingiu 28% do bioma. Tais fenômenos e atividades afetam a dinâmica das inundações favorecendo a expansão das pastagens. Segundo o MapBiomas, a redução da superfície de água inundada por seis meses ou mais no Pantanal entre 1985 e 2021 foi de 82%.
No Pampa, o gato-palheiropampeano (Leopardus munoai) vive o mesmo drama com o desmatamento da vegetação nativa campestre: quase 30% da cobertura remanescente de vegetação nativa foi perdida entre 1985 e 2021. Com a pressão sobre o habitat natural da espécie, aumentou a frequência de abate desses animais em situação de conflito com criadores de aves, de transmissão de doenças por animais domésticos e de atropelamentos em estradas.
Na Caatinga, o Lagarto papa-vento da Bahia, que foi descrito pela ciência em 2006, já se encontra criticamente ameaçado frente ao desmatamento, às queimadas e mudanças climáticas. Mariana ressalta que a espécie depende da temperatura do ambiente para manter seus corpo funcionando. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC), nos próximos anos, a Caatinga pode sofrer com redução das chuvas em até 22% e aumento da temperatura. “Isso colocará em prova a característica resiliente do bioma, levando sua fauna e flora a experimentar condições ainda mais extremas, elevando a possibilidade de extinção”, alerta.
Nos oceanos, os recifes de corais, que sustentam cercam de 25% das espécies marinhas e possuem grande importância socioeconômica, estão em situação alarmante, segundo o relatório. O aquecimento da temperatura dos oceanos provocado pela crise climática é a principal ameaça. Águas mais quentes provocam um fenômeno chamado de branqueamento que, grosso modo, indica um enfraquecimento do coral, que pode causar até sua morte.
“No Brasil, as ondas de calor de 2019 e 2020 foram responsáveis pela perda de 18,1% da cobertura de corais em Maragogi, município da maior área marinha protegida do Brasil, a APA Costa dos Corais. Os efeitos também foram sentidos em Abrolhos, na Bahia, onde o aumento da temperatura foi responsável pela morte de mais de 89% das populações de uma espécie de coral, a Millepora alcicornis”, detalha a especialista.
Emergência global
O relatório analisou 32 mil populações de 5230 espécies de todo o planeta. Na lista figuram populações do gorila da planície oriental, que tiveram um declínio estimado de 80% no Parque Nacional Kahuzi-Biega da República Democrática do Congo entre 1994 e 2019. Já as populações do leão-marinho australiano registraram queda de 64% entre 1977 e 2019. Ao todo, foi observada uma redução de 66% das populações de animais da África e de 55% na Ásia e região do Pacífico.
“Estamos enfrentando uma dupla emergência global provocada pelas ações humanas: a das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade, ameaçando o bem-estar das gerações atuais e futuras”, afirma no relatório Marco Lambertini, Diretor Geral do WWF Internacional. Entre os principais fatores do declínio das populações estão a degradação e perda de habitat, exploração, introdução de espécies invasoras, poluição, mudanças climáticas e doenças.
“Os drivers da perda de biodiversidade são complexos e transversais, e é vital reconhecer que não existe uma única e simples solução. Portanto, é ainda mais importante que o mundo adote uma meta global compartilhada para a natureza, para orientar e impulsionar a ação entre governos, empresas e sociedade”, recomenda o estudo.
Por isso há grandes expectativas para a COP15 da Biodiversidade, que acontece em dezembro no Canadá. A ideia é que a reunião dê origem a um grande acordo de defesa da biodiversidade que combata a a crise de perdas de espécies, assim como o Acordo de Paris busca enfrentar o desafio da emergência climática. Para o WWF, essa é “uma oportunidade única de mudar as curvas atuais de perda de espécies e emissões em prol das pessoas e do planeta”.
Fonte: Um Só Planeta