26 de dezembro, 2024

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Escândalo na igreja La Luz del Mundo: ‘Fui castigada quando perdi a virgindade’, diz ex-fiel

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A sede da igreja La Luz del Mundo (LLDM) fica no México, mas o epicentro do escândalo em torno dela está em Los Angeles, nos Estados Unidos.

Seu líder, Naasón Joaquín García, foi preso no aeroporto da cidade americana em 3 de junho. Ele e mais três mulheres ligadas à religião são acusados pela Promotoria do Estado da Califórnia de 26 crimes, entre eles tráfico de pessoas, pornografia infantil e abuso de menores.

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A igreja disse estar confiante de que os acusados provarão sua inocência e convocou milhares de fieis para uma vigília. “As pessoas não sabem o que é um homem de Deus”, dizia o homem que celebrava a missa em 19 de junho no imponente templo da LLDM no bairro latino de Los Angeles.

Entre suas palavras, ouvia-se choros agonizantes e soluços de dezenas de mulheres que vestiam longas saias e cobriam a cabeça com véus.

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García é conhecido como “O Apóstolo” e esta à frente de uma igreja que afirma ter cerca de 7 milhões de seguidores no mundo, inclusive no Brasil, onde está presente há 25 anos, com o nome de Igreja do Deus Vivo Coluna e Baluarte da Verdade A Luz do Mundo, segundo o ministro Héctor Julio González.

González disse à BBC News Brasil que as acusações contra seu líder foram uma surpresa para os cerca de 300 fiéis da igreja em cinco capitais do país.

“Conhecendo a trajetória de vida digna, honesta e limpa do apóstolo, nunca imaginávamos que algo assim fosse acontecer. Cremos na sua inocência. São acusações anônimas, e nada até agora foi comprovado. Confiamos nas instituições de justiça dos Estados Unidos para que tudo isso seja tirado a limpo”, afirma o ministro.

Naasón Joaquín García, conhecido em sua igreja como "O Apóstolo", é acusado de 26 crimes — Foto: Getty Images via BBC
Naasón Joaquín García, conhecido em sua igreja como “O Apóstolo”, é acusado de 26 crimes (Fotos: Reprodução)

O escândalo fez com que surgissem queixas e denúncias contra a LLDM em fóruns na internet por pessoas que abandonaram o que qualificam como um “culto” religioso.

“Cultuamos a Deus. As pessoas muitas vezes falam coisas pejorativas sem nos conhecer. Não se pode julgar ou condenar sem antes conhecer os fatos”, diz González.

A BBC News Mundo conversou com um destes ex-fiéis, uma jovem americana de 23 anos que diz ter deixado a igreja há dois anos após sofrer um trauma psicológico.

Leia a seguir o seu depoimento.

“Minha família segue essa religião desde o tempo dos meus avós, por isso é algo muito ligado às minhas raízes. Meus pais são mexicanos, mas eles se conheceram nos Estados Unidos e se casaram dentro da igreja.

Eles me ensinaram a comparecer a pelo menos uma das missas organizadas diariamente, mas, se fosse a mais de uma, seria ainda melhor, porque, de acordo com a religião, nós, os servos de Deus, ainda estamos vivos e devemos agradecer por isso. Deveria orar porque Ele me salvava todas as manhãs.

A partir dos cinco anos, era obrigatório para as meninas usar vestidos ou saias que não marcam o corpo e chegam aos tornozelos, porque a religião diz que o corpo é um templo que deve ser honrado e respeitado.

Cresci tendo como referência Samuel, o pai de Naasón e que foi o apóstolo anterior. Eu me sentia muito ligada a ele. Eu me lembro que sentia vontade de chorar porque estava muito feliz em tê-lo em minha vida. Sabia o quanto ele era importante, porque meus pais me ensinaram que Samuel era mais importante do que eles.

Quando criança, queria ajudar na casa do pastor, mas não tinha idade suficiente. A igreja queria que as mulheres mais dedicadas e puras servissem à mesa quando houvesse jantares especiais em sua residência.

Se ouvia alguma coisa negativa sobre a igreja, interrompia a pessoa ou me retirava. Acreditava que o diabo estava usando pessoas que estavam perdidas no mundo.

Ao crescer, era como se vivesse em um mundo diferente do resto das pessoas. Era dito a nós que éramos luz e que não deveríamos nos misturar com a escuridão, que se manifestava em qualquer pessoa que não fazia parte da igreja.

Meus pais não permitiam que eu frequentasse nenhuma atividade escolar ou me deixavam ir a festas de aniversário de colegas de turma ou festas de pijama.

A igreja diz que nada é obrigatório, mas sentia culpa quando queria usar maquiagem, dançar ou ouvir música. Eles nos ensinaram que a carne não deveria ser feliz e que deveríamos lutar contra as vontades do nosso corpo.

Quando tinha 14 anos, eu me apresentei oficialmente perante a igreja em uma cerimônia de batismo e em outra cerimônia de “reavivamento” para receber o Espírito Santo, porque só então iria para o céu. Se eu me opusesse a fazê-lo, meus pais sofreriam porque isso significaria que não me criaram bem.

Os fiéis geralmente choram intensamente durante as cerimônias religiosas da igreja — Foto: Getty Images via BBC
Os fiéis geralmente choram intensamente durante as cerimônias religiosas da igreja (Foto: Reprodução)

‘Culpa e vergonha’

Vi outros chorando comovidos com a cerimônia, mas não senti nenhuma emoção durante meu batismo. E foi aí que a culpa e a vergonha começaram a tomar conta de mim.

Três anos depois, fiquei aterrorizada com a morte do “apóstolo” Samuel, porque nunca nos foi dito na igreja o que aconteceria quando ele falecesse.

Eu e minha família fomos ao México para participar de seu funeral. Lembro de orar sem parar no avião, pensando que, se Deus tirasse a minha vida, seria bom porque ele havia me batizado, e eu tinha sido uma boa cristã.

Enquanto estava no México nos dias após a morte de Samuel, a igreja revelou que Naasón seria o próximo líder.

Quando ouvi o nome dele, não senti felicidade nem alívio. Via os outros homenageá-lo e chorarem de alegria, enquanto eu apenas fingia fazer o mesmo.

Era impossível questionar as coisas da igreja, então, fui cautelosa quando fiz perguntas aos meus pais, porque não queria que pensassem que estavam vivendo com o inimigo.

Perguntei o que acontecia por eu não sentir nada por Naasón e eles me disseram para rezar mais forte e pedir a Deus com um coração sincero que me fizesse sentir amor por nosso líder.

Enquanto isso, sentia que o diabo estava me usando, porque sentia vontade de me relacionar mais com pessoas de fora da igreja.

‘Os solteiros’

Uma das coisas de que mais me envergonhava era sentir desejo sexual ou atração por alguém.

Havia uma enorme pressão para ser virgem, porque, se não fosse, não poderia usar um vestido branco em meu casamento e envergonharia a que todos que soubessem.

Nas regras da igreja, se você gosta de alguém da mesma religião, você deve primeiro conversar com o pastor e, então, namorar por três meses e, depois, se casar. Alguns fazem isso aos 14 anos, se tiverem permissão dos pais.

Mas se qualquer um dos dois lados não quiserem se casar, essa pessoa deve ficar sozinha para o resto de sua vida e vai ser incluída no grupo de “solteiros”.

Sabia que queria ter relações sexuais, mas não com alguém da igreja para não ter de me casar, então, acabei me envolvendo com alguém de fora.

Meus pais descobriram, porque disseram que eu estava diferente. Senti tanta culpa que contei a eles, que me pediram para falar com o pastor de minha igreja local.

Fiquei incomodada de contar a ele sobre minha vida sexual, mas fiz isso e disse que estava envergonhada.

Foi dito que me colocariam por quatro meses no grupo de “solteiros”, seria removida do coral e teria de ir à igreja todos os dias para pedir perdão, porque minha alma corria perigo.

Na primeira semana em que fui à igreja todas as manhãs, me senti exausta. Eu me perguntava por que me sentia tão culpada por algo que era natural. Eu me senti humilhada quando perdi a virgindade, porque decepcionei meus pais e fui castigada.

‘Quero sair’

Não quis mais ficar na igreja. Foi quando comecei a fazer coisas pelas costas dos meus pais e a conversar com pessoas de outras religiões.

Conheci uma amiga católica com quem compartilhei meus sentimentos de culpa e vergonha, e ela respondeu dizendo que sentia o mesmo.

Conversamos sobre não concordar com certas coisas e que isso não nos tornava loucas.

Mas os ensinamentos da minha religião me fizeram mal, e me sentia muito mal por ter essas conversas, ao ponto de ter ataques de pânico. Comecei a ter medo de dormir, porque pensava que, se morresse enquanto isso, iria para o inferno.

A primeira vez que tive um ataque de pânico, pensei que morreria. Meus pais me levaram para o pronto-socorro, mas felizmente estava saudável. Os médicos disseram que talvez o excesso de cafeína estivesse me afetando, mas sentia que era a igreja.

‘É um culto’

Confessei aos meus pais há dois anos que não queria mais ser da igreja. Eles ficaram de coração partido e começaram a chorar.

Fiquei chateada com eles no começo, porque senti que eles moldavam minha forma de pensar e a maneira como via o mundo. Mas então entendi que eles me haviam me dado tudo que tinham e que esta religião os dava alguma esperança de chegar ao céu.

Nosso relacionamento não é o melhor possível hoje em dia, e a situação é complicada, porque ainda vivo com eles. Mas tenho sorte por sentir que a conexão com a família não está completamente perdida.

Eu acho que é um culto, e muitos sofreram represálias quando decidiram deixá-lo.

Quando fiquei sabendo da prisão de Naasón, fiquei surpresa que pessoas denunciaram alguém tão poderoso e admirado por milhões de pessoas às autoridades.

Fico feliz que tenham sido corajosas assim. Mas fico preocupada que pessoas comuns na igreja estejam sendo atacadas, especialmente crianças. É preciso deixá-las fora disso.

Ainda tenho traumas psicológicos e conto com ajuda profissional para lidar com isso. Sabia que seria arriscado deixar a igreja, mas as coisas melhoraram para mim”.

Fonte: BBC

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