Anúncios
Todos os anos, cerca de 90 mil navios trafegam pela estreita passagem marítima do estreito de Malaca, que liga o Oceano Índico ao Pacífico.
A carga transportada – grãos, petróleo bruto e todo tipo de commodity que você pode imaginar – representa cerca de 40% do comércio mundial. Acima desses navios, encontra-se uma das vias aéreas mais movimentadas do mundo e, abaixo deles, sobre o leito do oceano, há uma enorme rede de cabos submarinos de internet que mantêm o mundo conectado.
Anúncios
Juntos, estes fatores tornam o estreito de Malaca uma das artérias mais importantes para a economia global. Ele foi classificado como ponto de estrangulamento em relatórios da Organização Mundial do Comércio, da Administração de Informações de Energia dos Estados Unidos e do centro de estudos sobre assuntos externos Chatham House, com sede em Londres.
Todos eles afirmam: você tem um belo estreito ali. Seria uma pena se acontecesse algo com ele.
Anúncios
Pesquisadores alertam que é apenas questão de tempo até que um desastre natural, como um terremoto ou erupção vulcânica, atinja a região. E, quando isso acontecer, as consequências afetarão todo o mundo.
A interrupção das principais rotas comerciais é um problema consistente, devido à criminalidade ou a erros humanos. A pirataria é um flagelo na região há muito tempo, mas o estreito é fiscalizado em cooperação pela Indonésia, Malásia, Singapura e Tailândia, ficando geralmente sob controle.
Não é raro ocorrer colisões de navios no local. Dez marinheiros americanos morreram quando o navio USS John McCain colidiu com um petroleiro de bandeira liberiana em 2017.
Mas, com 2,7 km de largura mínima, o local não é suficientemente estreito para ser bloqueado por um porta-contêineres errante, como ocorreu no Canal de Suez em 2021, com o navio Ever Given, que tem 400 metros de largura.
As maiores ameaças ao estreito de Malaca, que separa a península malaia da ilha indonésia de Sumatra, estão no mundo natural.
Dentre os muitos mapas preocupantes da atividade na região, o mais notável é o que reúne os vulcões ativos e terremotos recentes do planeta. A costa de Sumatra e a parte mais ao sul da ilha de Java, seguindo o curso da fossa de Sunda, formam uma faixa de atividade sísmica com diversos vulcões.
Em Java, dois vulcões – os montes Semeru e Merapi – entraram recentemente em erupção. No estreito de Sunda, que separa Java de Sumatra, fica Cracatoa e, a leste, está o monte Tambora. Sua erupção em 1815 causou queda na produção agrícola até na Europa e no leste dos Estados Unidos.
A erupção do monte Tambora teve magnitude VEI7 no Índice de Explosividade Vulcânica (VEI, na sigla em inglês), uma escala logarítmica que vai até VEI8.
Um evento como o de 1815 pode ocorrer uma ou duas vezes a cada milênio. Mas não é preciso ter uma erupção com magnitude tão alta para causar problemas sérios em um ponto de estrangulamento global, especialmente se acontecer em um dos vulcões mais próximos ao estreito de Malaca.
Em 2018, pesquisadores do Centro de Estudos de Risco da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, imaginaram os efeitos de cenários que incluíram uma erupção VEI6 do monte Marapi, em Sumatra. Eles sugeriram que a erupção pode produzir nuvens de cinza e piroclasto fino – fragmentos de rocha ejetados no ar – que irão flutuar através do estreito de Malaca, em direção a Singapura e à Malásia.
Os danos resultantes à infraestrutura local e às cadeias de fornecimento (a aviação, particularmente, seria muito prejudicada) seriam combinados com uma queda global da temperatura de 1°C, gerando uma queda estimada de US$ 2,51 trilhões (cerca de R$ 13 trilhões) do PIB global por um período de cinco anos.
Este número é muito maior que os US$ 5 bilhões (R$ 26 bilhões) de prejuízo estimado à economia global, devido à erupção VEI4 do vulcão Eyjafjallajökull, na Islândia, em 2010.
A última erupção VEI4 do monte Marapi também ocorreu em 2010. Uma erupção VEI6 no Marapi é menos provável – seu período de retorno, que é o tempo médio estimado entre cada erupção, é de 750 anos.
Mas os riscos são muito altos e merecem considerar seriamente esta possibilidade, segundo a vulcanóloga Lara Mani, do Centro de Estudo de Riscos Existenciais da Universidade de Cambridge. E o Marapi é apenas um dos diversos vulcões ativos na região.
Mani afirma que erupções VEI4, VEI5 e VEI6 “ainda podem realmente prejudicar o estreito. E o caso é que, quando um vulcão começa, ele não diz quando irá parar”.
Vamos imaginar que um desses vulcões ativos – como o monte Semeru na ilha de Java, na Indonésia – produza uma erupção VEI5 ou VEI6.
O magma irromperia da cratera. Cinzas seriam lançadas para o céu. Tremores sacudiram cidades da região.
Se o vento estiver na direção sudoeste, todo o tráfego aéreo do estreito de Malaca seria suspenso. A cinza cairia sobre o próprio estreito. Pedaços de pedra-pomes acumulariam-se sobre a superfície do mar.
Um grande terremoto relativamente próximo seria uma ameaça de escala similar. Ele poderia causar um tsunami sobre o estreito, como o tsunami de 26 de dezembro de 2004. E também geraria correntes de turbidez – nuvens de sedimentos agitados movendo-se em alta velocidade – que atingiriam o leito oceânico.
“É tipicamente o que faz romper os cabos”, explica Mani. “Na erupção de Tonga [a erupção VEI5 do vulcão Hunga Tonga-Hunga, em janeiro de 2022], foram as correntes de turbidez que romperam os cabos, causando um blackout regional da internet. As correntes de turbidez também enterram esses cabos, dificultando ainda mais a sua recuperação.”
O lado positivo é que esses desastres naturais causariam menos transtornos à navegação global do que o Ever Given em Suez, segundo Tristan Smith, do University College de Londres.
Smith é especialista em navegação do instituto de energia da universidade. Ele afirma que as máquinas dos navios devem conseguir lidar com as cinzas e que o tsunami é mais perigoso para as pessoas em terra, onde a onda se quebra e é maior do que no mar.
Imagina-se também que, no caso de erupção, seja declarada uma zona de exclusão, forçando os navios a seguir outro caminho. O redirecionamento dos navios teria efeitos sobre o comércio global, segundo Smith, mas o sistema deve acabar conseguindo lidar com a situação.
“Se você tiver um navio que atrase três dias porque precisa seguir pelo caminho mais longo em volta da Indonésia, tudo o que aquele navio precisa fazer é aumentar a velocidade em um ou dois nós para compensar o atraso”, explica ele.
E haveria ainda a questão dos aviões em terra. A erupção do Eyjafjallajökull gerou a proibição de uso do espaço aéreo por seis dias, trazendo problemas para milhões de pessoas. E ainda pior seria o corte dos cabos submarinos, que causaria um pandemônio econômico.
“Trilhões de dólares são movimentados por esses cabos todos os dias”, segundo Mani, “o que basicamente sustenta nossos mercados financeiros. Nossos cabos submarinos são vulneráveis e têm ocorrido acidentes ao longo dos anos.”
Mani destaca o rompimento de diversos cabos submarinos de internet por um terremoto perto de Taiwan em 2006, que deixou um único cabo conectando Hong Kong ao resto do mundo.
“Levou 45 dias para reparar os outros cabos e foi muita sorte que um deles conseguiu sobreviver”, relembra Mani. “Imagine 45 dias sem nada para Hong Kong e a região próxima.”
Teria sido catastrófico, explica ela, não só para Hong Kong, mas para o resto do mundo. Como Singapura, Hong Kong é um centro financeiro e um apagão local traria um caos econômico mundial.
“Nós simplesmente não temos redundância”, afirma Mani, sobre os cabos: se algo der errado, não existem substitutos para atender à demanda. “E os nossos satélites, no seu estado atual, podem transportar apenas cerca de 3% das comunicações globais.”
Medidas de prevenção
O que podemos fazer para tornar o estreito menos vulnerável?
Não temos como parar terremotos. A Comissão Oceanográfica Intergovernamental e a Unesco elaboraram sistemas de aviso precoce para eventos como tsunamis e existe um serviço em operação (o Sistema Mundial de Avisos à Navegação) que alerta o transporte marítimo sobre desastres geológicos ou meteorológicos. A guarda costeira japonesa é o coordenador oficial da região que inclui o estreito de Malaca.
Com relação aos vulcões, talvez um dia seja possível evitar as erupções manipulando o magma embaixo dos vulcões, mas estamos a muitos anos de ver esta possibilidade como realista.
No momento, precisamos melhorar não só o monitoramento dos vulcões – um aviso de erupção com até algumas horas de antecedência faz uma grande diferença – mas também na sua identificação. Mani alerta que a Indonésia tem “mais vulcões do que se pode imaginar e, para muitos deles, nós [vulcanólogos] nunca olhamos direito.”
Além disso, a melhor preparação é a diversificação. Mais satélites com internet ajudariam. Os países da região também ampliariam sua resiliência lançando novos cabos submarinos que sigam caminho diferente dos atuais.
A China parece estar adotando esta prática com relação à navegação. Há anos, ela vem tentando construir um canal através do sul da Tailândia, eliminando a necessidade de seguir pelo estreito de Malaca.
O canal da Tailândia, como é chamado, reduziria os custos de combustível, fornecendo um atalho para o transporte de petróleo bruto, mas também acrescentaria resiliência significativa ao transporte marítimo chinês.
Embora se acredite que o Comitê Central do Partido Comunista Chinês considere essa resiliência em termos geopolíticos, ela também pode ser útil como apólice de seguro para o transporte marítimo global.
Encontrar formas de reduzir a dependência de pontos de estrangulamento como o estreito de Malaca é “certamente algo que está na mente de muitos governos na Ásia”, segundo o diretor do programa da Ásia e Oceania da Chatham House, Ben Bland.
Os organismos governamentais responsáveis da Indonésia, Malásia e Singapura não responderam aos pedidos de comentários da BBC, mas podemos considerar que algum planejamento de contingência já esteja sendo desenvolvido. E qualquer pessoa beneficiada pelo estreito de Malaca – e você está neste grupo, se estiver lendo esta reportagem – deve esperar que esses planos nunca precisem ser colocados em prática.
– Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cglrpng00ylo
Fonte: BBC