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Ao longo dos próximos três anos, uma equipe de cientistas vai dar o pontapé inicial num projeto ousado. Financiados pela agência espacial americana, a Nasa, pesquisadores de diferentes universidades dos Estados Unidos desenvolverão uma espécie de guia para encontrar indícios de civilizações extraterrestres em outros planetas.
O projeto representa uma pequena revolução na busca por vida extraterrestre inteligente (SETI, na sigla em inglês) e é o primeiro do tipo a receber apoio financeiro da agência em três décadas.
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Em entrevista à BBC News Brasil, o físico e astrônomo que lidera a pesquisa, Adam Frank, da Universidade de Rochester, contou que o trabalho vai se basear no conceito de “tecnoassinaturas”, ou seja, na busca de indícios de uso de tecnologia por civilizações extraterrestres.
Diferentemente de pesquisas anteriores, no entanto, a ideia é não depender de sinais enviados pelos alienígenas. Em vez de tentar captar ondas de rádio que possam eventualmente chegar até nós, o projeto pretende estabelecer a forma como determinadas tecnologias que conhecemos, também potencialmente usadas por raças alienígenas inteligentes, poderiam ser detectadas visualmente por meio de telescópios.
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“Você pode pensar nas tecnoassinaturas como parte da SETI, mas na verdade elas representam uma expansão dessa busca. É uma nova direção, que só é possível graças à descoberta de outros planetas fora do Sistema Solar”, explica Frank.
O astrônomo se refere à confirmação oficial da existência de planetas orbitando outras estrelas de nossa galáxia, ocorrida em 1995. Desde então, já se sabe que existem mais de 4 mil exoplanetas, como eles são conhecidos, alguns deles dentro de regiões consideradas propícias à vida.
“A dúvida sobre a existência de planetas orbitando outras estrelas remonta aos gregos, há cerca de 2,5 mil anos, e só foi respondida 25 anos atrás. Depois de acharmos os primeiros, rapidamente percebemos que a galáxia estava repleta deles. E, quando você tem planetas, tem também um lugar para onde olhar na busca por civilizações extraterrestres”, esclarece o astrônomo.
Quando tudo começou
Frank entrou pela primeira vez em contato com o espaço sideral aos 5 anos de idade. Seu pai era jornalista e mantinha uma biblioteca com diversas edições de revistas de ficção científica. “Eu me lembro de descer as escadas e dar uma espiada nas capas, que tinham ilustrações de pessoas flutuando ao redor da Lua em suas naves espaciais.”
Mais tarde, passou a devorar livros de ficção científica. Ele diz ter desde cedo um interesse especial por formas de vida alienígenas. Só há pouco tempo, porém, se debruçou sobre o tema profissionalmente, após uma carreira acadêmica principalmente dedicada a estudar a formação e morte de estrelas.
A partir da publicação de seu último livro, Light of the Stars: Alien Worlds and the Fate of the Earth (Luz das Estrelas: Mundos Alienígenas e o Destino da Terra, em tradução livre), em que ele questiona como a descoberta de civilizações alienígenas poderia afetar nossa percepção sobre o futuro da humanidade, Frank mergulhou de fato nesse universo.
A proposta de pesquisa que recebeu apoio da Nasa nasceu há dois anos, durante uma oficina sobre tecnoassinaturas organizada pela agência, em Houston, no Texas. Hoje, o projeto também inclui os professores e pesquisadores Avi Loeb, da Universidade Harvard, Jacob-Haqq Misra, da organização Blue Marble Space, Manasvi Lingam, do Instituto de Tecnologia da Flórida, e Jason Wright, da Universidade do Estado da Pensilvânia.
Frank ressalta que a pesquisa, com duração máxima de três anos, marca o início de um projeto muito maior, que deve se estender por décadas, e que inicialmente vai englobar apenas dois tipos de tecnoassinaturas.
À procura de sinais de inteligência
A escolha por procurar tecnoassinaturas vem da insistência do grupo de cientistas em encontrar vida inteligente. O foco difere, por exemplo, daqueles que optam pela busca por bioassinaturas, área que historicamente tem recebido mais incentivos da Nasa e que busca indícios de qualquer tipo de vida, o que incluiria também seres como plantas e micro-organismos.
“A Nasa financiou fortemente buscas por bioassinaturas, com um grande esforço para encontrar formas de vida ‘burras’, mas jamais apoiaria a pesquisa de vida inteligente? Isso simplesmente não faz mais sentido nenhum”, diz Frank.
Ao longo dos próximos três anos, com o apoio financeiro ainda relativamente modesto concedido pela agência (aproximadamente US$ 300 mil, ou cerca de R$ 1,59 mihões), os cientistas buscarão entender melhor as assinaturas visuais que podem ser geradas por dois indícios específicos de existência de tecnologia, à distância de vários anos-luz: a poluição e o uso de energia solar.
“Em relação à poluição, devemos procurar especificamente por sinais de CFC (clorofluorocarbonetos), um químico gerado por aparelhos de refrigeração e que foi banido por aqui devido aos danos que causa à camada de ozônio. Também queremos estabelecer qual assinatura deixaria a luz refletida em painéis solares, caso uma civilização, como a nossa, tenha tido a ideia coletar energia de uma estrela em larga escala.”
Se tudo der certo, esses devem ser os primeiros tópicos a serem incluídos em um catálogo de tecnoassinaturas que será mais extensamente desenvolvido ao longo das próximas décadas e servirá como guia aos astrônomos que estiverem observando outros planetas em busca de indícios de vida inteligente.
O pesquisador acrescenta que os estudiosos deverão ter bastante tempo para preencher o catálogo até que os registros possam de fato ser colocados em prática, já que os instrumentos para captar essas informações com a eficácia necessária ainda estão para ser desenvolvidos.
Segundo Frank, somente as próximas gerações de telescópios ópticos, com diâmetros que “podem chegar ao tamanho de um campo de futebol americano” (aproximadamente 110 metros), terão um alcance que permitirá analisar as tecnoassinaturas desses planetas. “Só assim poderemos observar se o espectro encontrado na luz emitida por eles corresponde às digitais que estamos prevendo.”
A busca que nunca aconteceu
Contrariando as teorias conspiracionistas, muitas das quais pregam que o governo e cientistas americanos vêm estudando espécimes alienígenas às escondidas durante décadaso astrônomo afirma que pouquíssimas pesquisas científicas sobre vida inteligente fora da Terra foram de fato realizadas até o momento.
Na verdade, segundo ele, a humanidade vem engatinhando cientificamente nessa área, que ainda sofre com a falta de financiamentos significativos e cujos principais avanços teriam acontecido “graças a um punhado de astrônomos dispostos a gastar seu tempo livre olhando pela lente do telescópio”.
“As pessoas têm essa noção de que há cientistas procurando sinais de civilizações inteligentes todos os dias. Elas acham que estamos profundamente engajados nessa busca, que mapeamos todo o céu e não encontramos coisa alguma”, explica Frank. “Isso não poderia estar mais distante da realidade.”
O pesquisador lembra ainda que houve uma tentativa por parte da Nasa de lançar um programa mais ambicioso de busca por vida inteligente na década de 1990. A iniciativa, no entanto, acabou sendo barrada pelo Congresso americano, por motivos que variam do controle de gastos até o preconceito que ainda existia contra a procura por alienígenas.
Para o astrônomo, a importância da empreitada é óbvia. Aprender sobre outras civilizações nos ajudaria a entender melhor o futuro da nossa, especialmente em relação aos desafios que devemos enfrentar para a sobrevivência da humanidade. Entre eles, as mudanças climáticas.
“Nós nem sequer sabemos se a natureza do Universo permite a criação de civilizações com longo prazo de duração. Talvez toda civilização, caso realmente existam outras, chegue ao ponto em que estamos, dê início a algo parecido com o aquecimento global e, então, seja extinta 200 anos depois”, afirma Frank.
Por outro lado, descobrir a existência de civilizações muito mais antigas pode significar que há um futuro possível para nós e que temos muitas lições a aprender com nossos vizinhos, ainda que estabelecer esse diálogo seja uma tarefa extremamente complicada — dependendo da distância, uma mensagem poderia levar centenas de anos para chegar e o mesmo tempo para voltar até nós.
Esse é um dos motivos pelo qual o astrônomo aposta que observar a partir da Terra traços da tecnologia e do modo de vida de uma civilização extraterrestre poderia ser o suficiente para estudar sua trajetória e, quem sabe, aprender algo com ela.
O caminho à frente
Frank assegura que hoje o ambiente é muito mais propício à busca por vida inteligente, tanto graças à descoberta de planetas habitáveis quanto à popularização da ficção científica, que deixou de ser a “coisa de nerd” que era 50 anos atrás e se tornou parte integral da nossa cultura.
“Antes, costumava ser motivo de risada. Se você era um cientista em 1975 e queria falar sobre isso, as pessoas já começavam a revirar os olhos. Agora, até mesmo para jovens gerações de cientistas não há nenhum estigma em pensar sobre civilizações extraterrestres”, conta o pesquisador.
Apesar da visão positiva, o astrônomo alerta contra o imediatismo, já que a ciência “tem o costume de ser chata” e pode levar um tempo enorme para chegar a algum resultado.
“Pense nas ondas gravitacionais. Einstein previu há mais de um século que elas poderiam existir. Levou cem anos de um trabalho inacreditavelmente detalhado para termos alguma resposta sobre isso [a existência delas foi finalmente comprovada em 2017”, destaca o astrônomo.
“Sobre a vida extraterrestre, a única coisa que podemos dizer é que ainda não olhamos lá fora. Pode ser que descubramos novos indícios amanhã, mas o mais provável é que levem décadas. Estamos apenas no começo, colocando nossos barquinhos na água para dar início a uma jornada que promete ser longa, com um destino final valioso para a humanidade.”
Fonte: BBC