27 de abril, 2025

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Cientistas pedem devolução de fóssil raro de dinossauro brasileiro levado à Alemanha por suposto tráfico internacional

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Cientistas brasileiros têm trabalhado na campanha a favor do retorno de uma ossada do dinossauro Irritator challengeri, o primeiro fóssil de sua espécie, considerado raro, de alto valor científico e social, que, segundo paleontólogos, foi contrabandeado para a Alemanha antes de terminar na coleção de um museu em Stuttgart.

A viagem europeia do Irritator foi longa — e até hoje, cercada de mistério. Segundo a descrição do fóssil realizada em 1996 (que até hoje serve como o melhor documento de identidade do animal extinto), a ossada vem da Bacia do Araripe, região nas divisas de Ceará, Pernambuco e Piauí – não se sabe onde exatamente nesse mundaréu de solo ele foi escavado, mas acredita-se que o trabalho se deu em algum lugar entre o município cearense de Porteiras e a Serra da Mãozinha, em Abaiara, CE, ainda segundo a descrição de 96..

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A região é um exemplo do que a paleontologia descreve como Fossil-Lagerstätte. “É uma localidade com quantidade e qualidade excepcional de preservação de fósseis”, diz Aline Ghilardi, professora assistente de paleontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e coordenadora da campanha pelo retorno do Irritator. “No mundo, ela está entre os cinco sítios paleontológicos mais importantes do período mesozoico, fatia da história da Terra em que viveram os grandes dinossauros.”

Do Araripe, o Irritator some dos registros até surgir nos anos 1990 já na Alemanha. Em segundo paper descrevendo o fóssil cearense, publicado em 2023, estudiosos europeus argumentam que a importação aconteceu antes de 1990 – portanto, defendem, antes de valer no Brasil a norma que diz o que pode e não pode sobre a retirada de material científico por estrangeiros.

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No ano seguinte, em 1991, ele foi adquirido pelo Staatliches Museum für Naturkunde, de Stuttgart, e passou a fazer parte da coleção pública do instituto. Ainda que ele não conste na referência digital de seu catálogo, a assessoria do museu confirmou a presença do fóssil na coleção científica em troca de e-mails com a GQ Brasil.

O Irritator challengeri fotografado em museu nem Stuttgart, Alemanha (Foto: Marcos Sales / IFCE)

O dinossauro Irritator

O debate gira em torno de um conjunto de ossos que formam o crânio quase completo do Irritator challengeri. O nome curioso do animal tem motivo: antes de ser vendido, comerciantes forjaram parte dos restos mortais do dinossauro com gesso para tornar a descoberta mais atrativa, irritando os cientistas envolvidos na sua catalogação. Apesar do passado acidentado, a descoberta do ‘dinossauro irritante’ tem alto valor científico.

“É um dos crânios mais completos de um grupo de dinossauros, os espinossaurídeos, cujos fósseis são raros globalmente”, diz Aline. “A gente tem pouquíssima informação sobre como eles eram, tanto que há uma grande polêmica sobre se o Spinosaurus aegyptiacus, um dos membros mais famosos desse grupo, deveria nadar ou se ele era terrestre.”

Cientistas aumentam pressão para trazer dinossauro de volta

A campanha a favor da repatriação assume a forma de um abaixo-assinado digital, com 17.300 assinaturas no momento desta publicação, uma hashtag (#IrritatorBelongsToBR), além de uma carta aberta redigida por cientistas brasileiros e alemães endereçada a Petra Olschowski, ministra da Ciência, Pesquisa e Artes do Estado de Baden-Württemberg, responsável pelo museu. Alice conta que ainda não obteve resposta desde o envio da carta em 2023.

“As coleções públicas de Baden-Württemberg abrigam milhares de fósseis do Brasil”, diz a carta aberta enviada a Olschowski. “Isso nos preocupa, visto que a legislação brasileira confere a propriedade sobre fósseis no estado desde 1942 e proíbe sua exportação permanente desde pelo menos 1990. Essa designação de propriedade e a restrição à exportação, no mínimo, levantam dúvidas quanto ao status legal dos fósseis nas coleções públicas de Baden-Württemberg.”

Nas últimas semanas, a pauta voltou a caminhar: após realização do 1° Colóquio sobre Patrimônio Fossilífero em Santana do Cariri, Ceará, que reuniu representantes internacionais, uma delegação brasileira partirá para a Alemanha no fim de abril para estimular a conversa sobre o Irritator e a parceria científica entre brasileiros e alemães.

A conversa também tem ocorrido no campo diplomático. “A Sociedade Brasileira de Paleontologia tem participado do assessoramento científico dado ao Ministério de Relações Exteriores, o Itamaraty, bem como já iniciou uma tratativa junto à European Association of Vertebrate Paleontology, para auxiliarem no processo”, diz Hermínio Araújo Júnior, Presidente da SBP. “O contato com a Alemanha tem sempre sido centralizado no Itamaraty, para que se possa ter uma conversa uníssona no processo.”

As leis que protegem fósseis como o Irritator challengeri no Brasil são a portaria 55 do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que regulamenta a coleta de materiais científicos por estrangeiros, (datada de 1990 e citada por pesquisadores estrangeiros), mas também o decreto-lei 4.146 de 1942, à luz do artigo 20 da Constituição de 88, responsável por dizer desde os anos 40 que qualquer depósito fossilífero é parte dos bens da União.

“Isso implica uma série de restrições”, diz Letícia Machado Haertel, 29, advogada, historiadora e consultora, mestra em história e bens culturais pela FGV do Rio de Janeiro e assessora internacional do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens.

“Por ser bem da união, esse patrimônio é inalienável e imprescritível, conforme o art. 102 do Código Civil, o que na prática significa que não há hipótese de compra e venda permitida com respaldo legal e ele não está sujeito ao usucapião”, explica Letícia. “Quando os cientistas escrevem no artigo original que a obtenção do fóssil se deu por meio de comerciantes, já fica clara a aplicabilidade tanto do Código Civil, quanto da Constituição e do decreto de 42”, conclui.

A própria condição que deu nome ao Irritator (a alteração da ossada) também contribui com o caso brasileiro. “Isso é um artifício típico de traficantes de fósseis”, explica a advogada. “Não é possível alegar em boa fé não haver evidência de que esse fóssil poderia ter sido fruto de tráfico internacional.”

O fóssil do Ubiratan jubartus, devolvido ao Brasil em 2023 e hoje em museu no Ceará (Foto: Um Só Planeta)

Não é um caso isolado

Esse novo movimento ocorre cerca de dois anos após o bem sucedido retorno de outro fóssil brasileiro, o Ubirajara jubatus, conhecido pela ciência em 2020 e que também esteve em um museu em Baden-Württemberg até 2023.

O dinossauro foi devolvido oficialmente em evento em Brasília com presença da ministra Luciana Santos, do MCTI, foi recebido com solenidade no Palácio da Abolição, em Fortaleza, e hoje está no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens – Letícia Haertel, vale dizer, integrou também parte dessa campanha.

O episódio posicionou o Brasil como uma referência na repatriação de material científico e colocou o tema em voga. A instituição cearense que hoje acomoda o Ubirajara celebrou este mês o retorno de 25 fósseis de artrópodes (uma aranha e 24 insetos) de cerca de 115 milhões de anos, retirados ilegalmente do país. Letícia agora luta também a favor da restituição de outro resto mortal histórico, o de um dinossauro alado da família do pterossauro, hoje em um museu em Sintra, Portugal.

“Eu acredito fortemente na volta do Irritator ao Brasil. Em 2023, quando a gente fez a carta aberta, colegas alemães – alguns que inclusive participaram de trabalhos envolvendo o fóssil – expressaram o desejo que ele voltasse ao Brasil”, diz Aline Ghilardi, coordenadora da campanha. “Acredito na boa vontade dos nossos colegas cientistas de lá, falta só um pouco mais de discussão política e entender o imbróglio que está impedindo.”

“No momento essas negociações se dão no plano político-diplomático, o que é positivo. Mas o que define o prospecto de sucesso é o povo brasileiro continuar demonstrando uma vontade para que representantes eleitos se dediquem a essa pauta”, conclui Letícia Haertel.

Fonte: Um Só Planeta

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