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O Brasil pode assumir o protagonismo mundial no desenvolvimento de biocombustíveis para o abastecimento de carros híbridos, associado ao uso da eletricidade. A opinião é do novo chefe-geral da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Territorial (Embrapa Territorial), sediada em Campinas, o engenheiro agrônomo e doutor em fitotecnia Gustavo Spadotti, nascido em Botucatu e formado em Agronomia na Unesp / Botucatu.
Para ele, é necessário começar a discutir a criação de uma política nacional para carros eletrificados no Brasil e para biocombustíveis, que incluem o etanol e biodiesel, que podem ser usados também na África e Ásia. Desde 3 de janeiro, esse paulista de 38 anos assumiu o comando da Embrapa Territorial, que tem papel estratégico no agronegócio nacional. Porém, a transferência oficial do cargo será amanhã. Ele sucedeu Evaristo Miranda, que passou a ser assessor da presidência da Embrapa. Spadotti fala dos projetos do órgão e como eles impactam na prática da agropecuária e mostra uma visão diferente de um tema polêmico: as queimadas.
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Como o senhor se envolveu com a agricultura?
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Gustavo Spadotti – Eu nasci em Botucatu, mas fui criado, cresci em Laranjal Paulista, uma cidade pequena e próxima. Meus pais eram funcionários do Banespa. A minha mãe herdou do meu avô uma propriedade. Ele começou como meeiro, depois comprou algumas terras e formou o seu patrimônio. Uma propriedade ficou para minha mãe, mas como ela e meu pai eram do mercado financeiro, quem cuidava, administrava era um irmão dela. Eu era muito próximo desse meu tio e aprendi com ele, compreendi a dedicação que o dono da terra, o produtor rural tem que ter. Quando terminei o segundo grau, eu sabia o que queria. Meu irmão mais velho estava se formando em veterinária, mas eu não queria mexer com bicho, queria lidar com a terra. Então, fui fazer a faculdade de agronomia na Unesp de Botucatu, voltei para onde nasci. Eu estudei, fiz meus estágios, cursos de extensão na área a fitotecnia, que é a ciência que trata dos cultivares, pesquisas sobre plantio etc.
Como se deu a entrada na Embrapa?
Durante a faculdade fiz o estágio necessário para a conclusão do curso em uma empresa, que quis me contratar quando terminei o curso. Fiquei todo feliz, ganharia o piso de engenheiro agrônomo, que é um bom salário, e pensei: atingi o ápice na carreira. Sai para comemorar, acabei sofrendo um acidente e quebrei o braço em vários lugares. Fui na empresa para conversar, mas disseram que não poderiam me contratar, não havia assinado o contrato ainda. Então, fui conversar com meu orientador na faculdade, que me ofereceu a possibilidade de um projeto de mestrado e doutorado que levaria de seis a sete anos, que envolveria química, física, biologia do solo. Eu fiz. Também trabalhei como professor em faculdades particulares e em empresas. Um dia me ligaram do DDD 96 me dizendo que havia passado no concurso e se queria trabalhar na Embrapa. Pensei que era golpe, DDD 96, nem me lembrava mais do concurso, havia feito há três anos. Então, pedi para conversar com o chefe, que era da Embrapa do Amapá. Ele explicou que eles iriam desenvolver um projeto na área de sementes, milho, e queriam alguém com meu perfil, com meu conhecimento. Conversei com a família e decidi ir para o Amapá, lá no Norte do Brasil, onde participei de vários projetos sobre competição de cultivares, sistemas de produção, rotação de culturas e integração lavoura-pecuária-floresta.
Como chegou até a Embrapa Territorial, em Campinas?
Por questões particulares, precisava voltar para São Paulo ou ficar mais perto. Pedi transferência para outras unidades da Embrapa, mas meu chefe sempre negava. É o que acontece quando se é um bom funcionário. Então, percebi que teria de sair da Embrapa e comecei a conversar com uma multinacional do setor agrícola. Um dia o doutor Sérgio Galdino, que é da Embrapa Territorial e com quem desenvolvia um projeto conjunto, me ligou cobrando um relatório. Detesto que cobrem algo, gosto de cumprir os prazos. Expliquei para ele os meus problemas particulares e que seria o último relatório, pois estava saindo. Doutor Sérgio pediu para ter calma, esperar um pouco. Alguns dias depois ele me ligou perguntando se eu queria conversar com o doutor Evaristo, chefe da Embrapa de Campinas. Perguntei quando seria e ele disse que seria na quinta, era uma terça. Expliquei que se saísse em oito horas, levaria dois dias para chegar em Campinas. Estava no interior do Amapá, fui para Belém, no Pará, mas não tinha voo para Brasília, que era semanal. Fui para Santarém, de lá para Brasília e depois para Campinas. Levei exatamente os dois dias que tinha para chegar. Conversei com o doutor Evaristo, que disse “vamos tentar”. Novamente pedi transferência e foi negada. Liguei para o doutor Evaristo, expliquei o que aconteceu e agradeci. Ele pediu para esperar mais um pouco. Dois dias depois, me liga a secretária do meu chefe perguntado o que eu tinha aprontado. Perguntei do que se tratava e ela me disse que o meu chefe havia recebido o meu processo de transferência pronto, com toda a papelada e com o pedido “assine aqui”. Conto isso apenas para mostrar a importância do doutor Evaristo na Embrapa. Vim para Campinas em novembro de 2015, ainda era a Embrapa Monitoramento por Satélite. Em 2017, foram unidos os setores de gestão, inteligência e monitoramento por satélite, o que deu origem a Embrapa Territorial. Foi quando assumi a coordenação do Grupo de Gestão Territorial Estratégica, o GGTE.
Como a Embrapa Territorial ajuda o agronegócio brasileiro na prática?
A nossa estratégia para a Embrapa Territorial se concentra na mudança com continuidade. É um centro de pesquisa que passou por uma grande reformulação nos últimos seis anos, mas que voltou uma conexão muito forte com os reais desafios da agropecuária brasileira. Os nossos serviços são geralmente demandados pelo setor relacionado ao governo, seja ele nas esferas federal, estadual ou municipal, ou relacionado ao Executivo, Legislativo ou Judiciário. Nós temos muitas demandas desses atores para apoiar a formulação de políticas públicas. Também temos demandas do agro como um todo, o agronegócio, as suas entidades de classe, cooperativas, associações e produtores rurais. Nós temos o desafio muito grande de atender essas demandas. E, por fim, temos ainda o desafio maior ainda que é compreender as necessidades da pequena agricultural, da agricultura familiar, sempre buscando o desenvolvimento sustentável. A pesquisa e inovação caminham com financiamento, seja ele público ou privado. A Embrapa Territorial e as demais unidades da Embrapa têm que estar junto aos produtores, as entidades representativas do agro para, conhecendo os seus problemas, pode gerar soluções que mitiguem os gargalos que estamos passando, sejam eles produtivos, de escoamento ou na abertura de mercados. Quando você tem uma ciência com propósito você tem outras fontes de financiamento que podem ser privadas. Então, temos que estar muito atentos aos atores chaves do setor privado brasileiro, no nosso caso específico o agro brasileiro, para que conversando, conhecendo melhor os problemas nós possamos fazer parcerias público-privadas com resultados impactantes para as diversas categorias e cadeias produtivas do agro.
Pode citar um exemplo de um resultado prático desse trabalho?
Um dos grandes trabalhos que temos na Embrapa Territorial é a organização e a padronização das bases de dados que estão espalhadas em diversas entidades, sejam elas públicas ou privadas. Organizando essas informações dentro de um mesmo sistema georreferenciado é possível transformar o dado em informação, o que permite um grande salto baseado em data science e geotecnologias de informações aplicadas ao agronegócio brasileiro. Precisamos ouvir, entender os gargalos, as demandas, entender aonde o setor agropecuário sangra para aí, sim, lançarmos mão de soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação focadas no desenvolvimento dos territórios da agropecuária na busca pela sustentabilidade e da competitividade do agro brasileiro. Um exemplo que a Embrapa Territorial foi a responsável pela delimitação do Matopiba, área de expansão agrícola que inclui partes dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Ela tem suas características próprias e a delimitação permite a definição de projetos específicos. Estudos apontam o potencial para um salto de produção nos próximos 10 anos, com safras passando de 28 milhões de toneladas para até 47 milhões de toneladas, na região. Nos identificamos territórios, produção agrícola, dados socioeconômicos, de infraestrutura que ajudam na definição de políticas públicas que podem impactar a produção agropecuária, crescimento homogêneo, mas na sustentabilidade dela no longo prazo. Nós temos delimitamos a Sealba, que pega partes de Sergipe, Alagoas. Essa região tem uma condição de clima e de solo muito diferenciada, por exemplo, que a aproxima muito mais da época da safra americana do que do restante do país.
A Embrapa Territorial também tem um trabalho muito importante na área da logística da produção. O que ele mostra?
Esse é um tema muito caro também para a Embrapa Territorial. Nós temos usado muito nos últimos cinco anos para apoiar os produtores rurais, as entidades para verificar aonde estão ocorrendo os principais gargalos logísticos no Brasil para que a gente possa levar ao governo federal a priorização de obras que possam sanar os nossos gargalos logísticos. Nós falamos muito da eficiência rural brasileira da porteira para dentro, mas parte dos nossos ganhos se perde da porteira para fora, seja no transporte da produção agropecuária para os mercados consumidores internos, para a agroindústria interna, mas também limitando a nossa capacidade de colocar os nossos produtos agropecuários em outros mercados, países. O Sistema de Inteligência Territorial Estratégica da Macrologística permite gerar mais de 500 mil mapas interativos para dez produtos correspondentes a mais de 75% da carga da produção agropecuária nacional. Ele inclui o uso de modais rodoviário, ferroviário e hidroviário, como eles interagem. Isso permite definir, pensar em empreendimentos logísticos que solucionem esses gargalos e melhorem a competitividade da agropecuária brasileira. O projeto prevê também aprofundar os conhecimentos sobre a evolução territorial da produção e do armazenamento de grãos nos estabelecimentos rurais, realizar estudos específicos para cadeias de produtos e coprodutos de interesse nacional, aprimorar o conhecimento sobre a retrologística do abastecimento de fertilizantes, corretivos e remineralizadores do solo. Outro projeto, que lançamos há uns dois meses, é o Monitora Oeste, para impactar de forma positiva a produção agropecuária do Oeste da Bahia. O sistema gera alertas do avanço da mancha de ramulária do algodoeiro e da ferrugem asiática da soja sobre as lavouras. O usuário pode fazer consultas a mapas diários sobre essas doenças, além de conferir as condições climáticas favoráveis para que elas ocorram. O Monitora Oeste usa dados de estações meteorológicas existentes nas propriedades, mas que não falavam entre si. Isso permite definição de uma ação conjunta para impedir o avanço da ramulária e da ferrugem, o que reduz o uso de defensivos agrícolas. Não adianta um produtor fazer a aplicação e outro não.
O resultado é que isso diminui o uso dos defensivos, os custos de produção e os impactos ambientais, promovendo a competitividade e a sustentabilidade da produção agrícola na região.
Mas a Embrapa Territorial também faz trabalhos em outras áreas?
Para Campinas, por exemplo, nós temos um trabalho que apresenta a fauna do município com textos, figuras, tabelas e mapas. É a página mais visitada de nosso website, que traz dados de mais de 300 espécies, com dados como nome científico, características de répteis, mamíferos, aves e anfíbios. Alguns deles têm arquivo de som, as pessoas podem ouvir o som que fazem. Nós também temos o Atlas Escolas da Região Metropolitana de Campinas, que contribui para disseminar a importância que as atividades agropecuárias têm. Professores foram capacitados para uso do sistema de informação geográfica e para o acesso a dados gratuitos disponíveis na internet para serem usados em salas de aula. Esse trabalho também desenvolveu material didático focado na abordagem de temas de caráter local, no uso de novas tecnologias em sala de aula e na importância do tema agropecuária e seus desdobramentos.
Muitas entidades, a imprensa brasileira criticam, apontam o crescimento do desmatamento no Brasil. Como o senhor vê isso?
Isso parece a Bolsa de Valores, um dia subiu, em outro caiu em relação ao mês anterior, mas subiu em relação ao mesmo mês do ano passado. Mas são apenas números, que levam a uma discussão rasa, superficial. É preciso identificar onde ocorrem, porque ocorrem. Nós temos números que são públicos que mostram o papel fundamental do produtor rural dentro dos processos de preservação do meio ambiente. Os dados gerados em dezembro de 2021 mostram que já temos dedicados à preservação do meio ambiente dentro dos estabelecimentos agropecuários do Brasil, dos imóveis rurais brasileiros 33% do país, ou seja, 33% do Brasil é preservado pelos produtores rurais. Somando com os 33% das áreas protegidas por lei, em unidades de conservação e terras indígenas, e as áreas devolutas, o total é de 66% do território nacional destinado à preservação, proteção e conservação do meio ambiente. Por outro lado, temos 30% do país ocupados para produção de alimentos, fibras e energia. Outros 3, 4% são destinados a cidades, a infraestrutura. Essa balança mostra o equilíbrio entre a produção e a preservação do meio ambiente vai muito bem. Nas áreas preservadas, podemos identificar a derrubar das matas para expansão ou para extração da madeira. Nós podemos agir nesses pontos indicando novas técnicas, novas variedades para aumentar a produtividade, ou seja, aumentar a produção sem a necessidade de expansão da área plantada. Quanto a extração, podemos ensinar o manejo sustentável, a extração da madeira sem degradar o meio ambiente. Há também a invasão de áreas públicas ou preservadas, mas isso é uma ação criminosa. Cabe a Polícia Federal, ao Ibama agirem.
O carro elétrico é apontado como um caminho sem volta por causa da necessidade do planeta em reduzir a emissão de gases poluentes que causam o efeito estufa. Porém, há pesquisadores que dizem que o ideal para o Brasil não é o carro 100% elétrico, mas o híbrido, associando a eletricidade e o biocombustível. Como o senhor vê isso?
Esse é o tema de um artigo que estou escrevendo. O etanol e a queima do bagaço da cana geram o equivalente a algo em torno de 42 gigawatts de energia. Nós vamos abrir mão do etanol para importar uma tecnologia que será difícil e custará caro implantar? Imagine adaptar os prédios para instalar pontos de recarga, levá-los para o interior do país. Além do etanol, nós temos o biodiesel de soja e de sebo do boi. Portanto, o Brasil pode criar um modelo que pode ser usado na África, na Ásia. Para isso, é preciso criar uma política nacional, que deve começar a ser discutida pelo governo; a Unica, a União dos Produtores de Cana; os players de veículos, as montadoras; e outros órgãos. A Embrapa Territorial sabe onde está a cana, a soja e o sebo do boi e podemos ajudar na discussão da logística para produção de biocombustíveis.
O Vale do Jequitinhonha, no Norte de Minas Gerais, é uma região muito pobre. A Embrapa tem algum projeto para ela?
O Vale do Jequitinhonha é uma região semiárida, com pouca chuva, que se se estende por parte do Nordeste brasileiro. A Embrapa deverá lançar nos próximos meses um projeto voltado para o Vale do Jequitinhonha.
Com tantos projetos em andamento e compromissos de trabalho, sobra algum tempo para praticar algum hobby?
Sim, claro! Não abro mão do convívio com minha família e sempre procuro um tempo para estar com ela. O que eu mais gosto de fazer é preparar e degustar um churrasco em casa com minha família e meus amigos. Também gosto muito de praticar esportes e a modalidade que mais aprecio é o tênis.
Correio Popular