04 de janeiro, 2025

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Botucatu: Vice-diretora da FMB quer avanços além das cotas na universidade

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Na semana em que a aprovação da Lei nº 12.711, conhecida popularmente como “Lei de Cotas”, completou 10 anos, a Assessoria de Comunicação e Imprensa (ACI) da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB/UNESP) produziu uma série de conteúdos que abordam a importância do sistema para a democratização do acesso à universidade.

Crédito: Malu Ornelas

Fonte: Malu Ornelas fotografia.

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Para fechar esse especial, entrevistamos a vice-diretora da Faculdade de Medicina de Botucatu, Professora Jacqueline Costa Teixeira Caramori, que preside a Comissão Local de Acessibilidade e Inclusão (CLAI) e o Núcleo Negro para Pesquisa e Extensão Universitária (NUPE), e tem trabalhado para a ampliação das políticas afirmativas dentro da instituição, capazes de promover a inclusão de populações historicamente privadas do acesso a oportunidades, além de garantir as condições adequadas de permanência estudantil durante a graduação.

Ela fala das mudanças que a faculdade tem experimentado desde a adoção do sistema de cotas, destaca as ações para consolidação de uma política institucional voltada à Permanência Estudantil e afirma que ainda há um longo caminho a ser percorrido para mudança de cenário das universidades brasileiras, marcado por segregação e desigualdade. “A sociedade e as universidades brasileiras devem reconhecer seu passado e presente de desigualdade, e que ainda precisa-se de muita inclusão social e racial, onde jovens pobres e negros tenham apoio para alcançar uma nova realidade, melhor para eles próprios, inclusiva para os seus filhos”, afirma.

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Abaixo, a íntegra da entrevista: 

ACI: Desde 2014, a Unesp vem adotando o sistema de cotas para ingresso em seus cursos? Que mudanças isso trouxe para a Faculdade de Medicina de Botucatu?

JACQUELINE CARAMORI: A Unesp ter sido a primeira universidade estadual paulista a implementar o sistema de cotas aprovado pela Lei n° 12.711, mesmo fazendo isso de modo gradual, (de 15% das vagas em 2014 a 50% em 2016), significa um distintivo para nossa instituição. Mas é preciso frisar que a conquista trilhou um percurso irregular e com muitas resistências, particularmente no que diz respeito a implementação de ações afirmativas para a inclusão de estudantes pretos e pardos no ensino superior. Na FMB ainda estamos crescendo, precisamos de mais, muito mais, para além de promover o ingresso de alguns estudantes. Precisamos de uma massa crítica empoderada, que pense em mudanças estruturais na universidade, que esteja capacitada para discutir a identidade e a temática das relações raciais. Instituir o NUPE (Núcleo Negro de Pesquisa e Extensão) na FMB foi um passo neste percurso. Estar em contato com representantes do NUPE Central é uma busca de inspiração, o fortalecimento de iniciativas e acolhimento para estudantes que acessam uma Faculdade predominantemente branca que precisa avançar neste debate e se debruçar na defesa do legado da conquista das cotas.

ACI: Desde então, qual o número de estudantes que ingressaram nos cursos da FMB pelo sistema de reserva de vagas?

JACQUELINE CARAMORI: Em números o contexto da FMB desde 2014 tem base nas cotas sociais. Na Medicina foram 332, sendo 77 cotas raciais. Na Enfermagem foram 94, sendo 31 raciais. Pensar que em oito anos a oportunidade para pardos e negros foi dada apenas para cem estudantes, isso ainda é muito pouco.

ACI: Dados da Unesp apontam que 80% dos alunos do programa de Permanência Estudantil são cotistas. Que ações a FMB desenvolve para garantir a efetiva inclusão desses alunos e contribuir para que tenham condições de concluir a graduação?

JACQUELINE CARAMORI: Esse é o maior desafio. Após ingressar na universidade, o estudante tem que encontrar apoio. Cada unidade universitária, com sua comunidade, precisa ter mecanismos de reconhecimento e efetivação desta tarefa. Temos esforços em andamento, desde a Seção Técnica de Graduação, passando pelos Coordenadores de Curso que procuram melhorar o fluxo de acolhimento e encaminhamento dos estudantes para as estruturas com profissionais especializados, como a Comissão Local da Permanência Estudantil, que busca condições concretas para sustentar o estudante com auxílios financeiros institucionais. Mas também estar sensível a conceder auxílios pontuais e temporários, se for necessário. Temos também a Comissão de Assuntos Estudantis, com iniciativas de acolhimento e o Programa de Mentoria, além do Serviço de Apoio Psicológico ao Estudante, do Núcleo de Apoio Pedagógico e dos Centros Acadêmicos. Mesmo diante das iniciativas, reconhecemos que precisamos aprofundar no reconhecimento de dificuldades, incluindo o suporte de moradia, a insegurança alimentar e outros.

ACI: No seu entendimento, o sistema de cotas também é um instrumento de luta contra o racismo e o preconceito?

JACQUELINE CARAMORI: Sim, mas cotas no Ensino Superior não fazem mudanças estruturais. Cota é um meio intermediário para combater o racismo. Nossos ingressantes têm que ser fortalecidos para se transformarem em profissionais necessários para ocupar a Unesp, como lideranças. A sociedade e as universidades brasileiras devem reconhecer seu passado e presente de desigualdade, e que ainda precisa-se de muita inclusão social e racial, onde jovens pobres e negros tenham apoio para alcançar uma nova realidade, melhor para eles próprios, inclusiva para os seus filhos.

ACI: Quem prega contra o sistema de cotas argumenta que a inclusão iria derrubar a qualidade do ensino nas instituições públicas de ensino superior. Há algum estudo que demonstre que o rendimento do estudante em alguma correlação com o sistema de ingresso na universidade? Como a senhora vê essa questão?

JACQUELINE CARAMORI: Meu posicionamento é repetir Sueli Carneiro: “Cotas, até o momento, são remédio mais exitoso no combate às desigualdades”. Busco sim acumular conhecimentos da história do Brasil, um país que teve toda sua história contada por brancos e tem tantos racismos nas pequenas coisas e por isso tem tantas lutas para emergir. A estrutura econômica da sociedade brasileira é capitalista e suas contradições atravessam o processo educacional, retardando ou impossibilitando negros e pobres de ingressar e concluir o ensino superior. Faz muitos desistirem de seus sonhos e objetivos. Ainda precisamos de tempo e principalmente do Censo Demográfico do Brasil, para falar de resultados do impacto com a Lei 12.711. A primeira geração dos egressos de cotas não foi analisada. Os estudos de mercado de trabalho precisam de mais de seis anos para responder a determinadas perguntas. Já temos uma pesquisa da Unesp (Galhardo e colaboradores) mostrando que não há diferenças relevantes de rendimento acadêmico entre os estudantes que ingressaram pelo sistema universal e aqueles que vieram pela reserva de vagas, no período de 2014 a 2017. Isso é observado em outros estudos pontuais. O olhar tem que ser ampliado para cotas na pós-graduação. Apesar de não ter legislação específica, as instituições conseguem avançar com regulamentação própria. 

ACI: A Lei nº 12.711/2012, também conhecida como Lei de Cotas, completou 10 anos no dia 29 de agosto e será objeto de reavaliação por parte do Congresso Nacional para definição de sua continuidade. Esse é um instrumento que deve ser mantido para definir a forma de ingresso nas universidades públicas? Porquê?

JACQUELINE CARAMORI: Tenho absoluta convicção que devemos defender a manutenção da Lei de Cotas. A Lei Federal 12.711 padronizou os beneficiários, o tipo de ação afirmativa e os critérios de ingresso dos alunos. A Lei previa uma avaliação precedendo a revisão. Vale ressaltar que a Lei não tem validade. Todavia, em 2016, com Lei 13.409 se suprimiu o parágrafo da avaliação e da sua responsabilidade pelo Governo. A necessidade de revisão da lei não implica sua expiração; sim, na avaliação da política, o que merece ser implementado para alcançar seu e fortalecimento e responder a fatura histórica que a educação tem com a  sociedade brasileira. Penso que deveríamos evoluir para manter, separadas e articuladamente, as cotas raciais, as cotas para baixa renda e as cotas para escola pública. É necessário que a lei mostre a complexidade das dimensões de discriminação e desigualdade, base para revisá-la visando otimizar os seus efeitos.

ACI: Alguma outra consideração que a senhora gostaria de fazer em relação ao tema?

JACQUELINE CARAMORI: Para concluir, dou destaque para as bancas de hetero-identificação que possuem papel determinante na política de cotas e consolidação da identidade negra brasileira. Tratar cuidadosamente desde as situações decorrentes de um legado histórico, da escravidão, passando pela miscigenação, incluindo o apagamento da negritude, é uma tarefa complexa. O processo de identificação racial na universidade vivencia dilemas para serem abordados desde aqueles que não se identificam como brancos, até as fraudes na autodeclaração racial.

Assessoria

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