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Uma equipe de pesquisadores da Unesp de Botucatu (SP) conduz um estudo de campo na Mata Atlântica para entender os mecanismos por trás da volumosa produção de néctar da Scybalium fungiforme – nome científico da ‘flor cogumelo’.
A planta, de cor magenta que se assemelha a um cogumelo, ganhou destaque internacional por uma particularidade incomum, descoberta pelo mesmo grupo em 2020, que atraiu atenção internacional para o estudo: mamíferos voadores e terrestres participam de seu processo de polinização.
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À época, a equipe de pesquisadores, liderada pelo biólogo Felipe Amorim, docente do Instituto de Biociências da Unesp, no câmpus de Botucatu, identificou que mamíferos não voadores, como gambás e roedores, são os principais polinizadores da ‘flor-cogumelo’.
Grupo de estudantes durante o campo analisando o néctar da flor-cogumelo — Foto: Malena Stariolo/Jornal da Unesp/Reprodução
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Os animais retiram as brácteas que protegem o néctar e o pólen, permitindo que os visitantes diurnos, como beija-flores, abelhas e vespas, também se beneficiem desses recursos.
Essa era uma teoria discutida desde a década de 1990, pela pesquisadora Patrícia Morellato, do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro (SP), que buscava identificar o responsável por transferir o pólen das inflorescências masculinas para as femininas.
Ela já desconfiava que o gambá seria o principal polinizador da planta, tanto que encomendou, quase 30 anos antes de o fenômeno ter sido visualizado pela primeira vez, um desenho ilustrando como seria o animal visitando a planta.
Desenho encomendado por pesquisadora de um gambá visitando a flor-cogumelo — Foto: Jaime Somora/Arquivo Pessoal
Para o grupo chegar a esse resultado, foram necessárias mais de mil horas de gravações na Reserva Biológica da Serra do Japi, no interior de São Paulo, que flagraram o gambá usando o focinho para abrir a flor cogumelo e convidando para um banquete na floresta.
O estudo, na época, também revelou um comportamento inusitado dos morcegos no processo de polinização da ‘flor cogumelo’. Eles descem até o chão em busca do néctar da planta. Essa novidade também foi publicada na revista científica Ecology.
“Morcegos descendo para o chão a fim de se alimentar é algo que só havia sido observado na Nova Zelândia. Lá, há uma peculiaridade muito específica que é a ausência de predadores terrestres. Por isso, uma espécie de morcego nectarívora adaptou-se ao hábito, e eles acabam descendo ao chão para tomar o néctar de outra planta, que aliás pertence à mesma família de Scybalium”, explica Amorim.
Morcegos, portanto, preferem flores mais expostas e que estejam suficientemente altas para que eles possam se alimentar enquanto mantêm o voo, do contrário, o animal fica exposto e vulnerável a predadores.
Morcegos também são polinizadores da ‘flor cogumelo’ — Foto: Malena Stariolo/Jornal da Unesp/Reprodução
Entendendo o néctar
Desta vez, os pesquisadores, liderados pelo biólogo Felipe Amorim, estão investigando a produção de néctar de Scybalium fungiforme, a “flor cogumelo”.
A planta da família é baixa e se estabelece praticamente rente ao solo. De formato arredondado, pode chegar a medir 20 centímetros de diâmetro, e toda a sua superfície é protegida por brácteas, folhas modificadas que lembram escamas cor de carmim.
Essas formações guardam o interior da planta onde está o tão cobiçado néctar e o pólen, essenciais para a reprodução.
Para que possam acessar esses recursos, é necessário que certos animais retirem as brácteas e revelem as flores escondidas no interior, abrindo caminho para que outras espécies possam também aproveitar o alimento.
As plantas masculinas possuem uma coloração mais escura, principalmente no centro. Já as plantas femininas, apesar de muito semelhantes, apresentam uma grande diferença: uma vez removidas as brácteas, é revelado um interior esbranquiçado, com manchas de um rosa.
“Essa nossa busca vai lançar mais luz sobre as interações entre os polinizadores e as plantas e, também, sobre como funciona a reprodução da flor-cogumelo”, revela Amorim.
Flor cogumelo fechada com brácteas — Foto: Malena Stariolo/Jornal da Unesp/Reprodução
Em sua estadia no campo, o grupo de pesquisadores buscou responder, principalmente, duas perguntas. Primeiro, se há diferença na quantidade de néctar produzido durante o dia e durante a noite. Segundo, se a remoção do líquido leva a planta a produzir mais dele.
Para buscar essas respostas, o grupo conduziu cinco dias de pesquisas, mirando a observação e coleta de dados sobre a produção de néctar.
Em campo, o primeiro passo foi isolar as plantas masculinas e femininas que estivessem saudáveis e na fase reprodutiva. Para isso, a principal ferramenta foi um item presente em todas as padarias do país: tampas de bolo.
Os pesquisadores fixaram as tampas no solo, de forma a proteger as plantas e impedir que animais tivessem acesso a elas e retirassem o néctar. Esta etapa envolveu 60 plantas.
Pólen nas antenas da flor cogumelo — Foto: Malena Stariolo/Jornal da Unesp/Reprodução
A segunda etapa da pesquisa envolveu a retirada do néctar, simulando a ação dos polinizadores. As plantas foram divididas em grupos de 10 e, a cada 12h, os pesquisadores retiravam o néctar.
Com uma pipeta, o líquido era removido e passado para tubos de plástico com medidas, chamados eppendorfs. Dessa forma, foi possível registrar a quantidade de néctar produzido a cada intervalo de doze horas que separava os dias das noites.
Uma gota da produção era colocada em um equipamento chamado refratômetro, parecido com uma luneta ou um caleidoscópio, responsável por mostrar a concentração de açúcar presente no líquido.
“Sabendo a quantidade de néctar que ela produziu e a concentração do açúcar, nós podemos calcular a massa de açúcar. Ao relacionar essas informações com o tamanho da flor, podemos ter uma ideia do quanto de açúcar as plantas produzem por área”, explicou Leandro Hachuy-Filho, outro estudante de doutorado que acompanhou a pesquisa de campo, em entrevista ao Jornal da Unesp.
“Em outras plantas seria impossível remover o néctar utilizando uma pipeta. O volume produzido é muito pequeno, então é preciso usar uma seringa, que é mais precisa e delicada. Mas, no caso da Scybalium, é tanto néctar que precisamos de instrumentos maiores”, explica.
As coletas do néctar da flor cogumelo variaram entre 0,02ml e 7ml — Foto: Malena Stariolo/Jornal da Unesp/Reprodução
De fato, as coletas variaram entre 0,02 ml e 7 ml. Esta última quantidade removida de apenas uma planta, que ficou acumulando néctar ao longo de três dias.
“A flor cogumelo é uma das poucas plantas que conhecemos que pode chegar a produzir vários mililitros de néctar”, explica Caio Ballarin, estudante de doutorado de Amorim, que acompanha a pesquisa desde o início.
Essa característica permite que polinizadores aproveitem o recurso de maneira pacífica, sem, aparentemente, gerar competição entre os animais que buscam alimento.
“Queremos esclarecer isso porque, se a remoção causar um grande efeito sobre a planta, que a leve a produzir mais néctar, significa que quanto mais os animais removem o néctar, mais ela produz. Esse efeito então acaba atraindo mais visitantes florais e pode aumentar o poder de dispersão de pólen nos entornos”, explica Leandro.
Planta parasita
Além disso, a planta é um parasita que se alimenta dos cipós, desafiando a posição tradicional das plantas na cadeia trófica.
Os pesquisadores acreditam que essa planta contribui para o equilíbrio da floresta, controlando a população de cipós e evitando que eles prejudiquem o crescimento das árvores.
“Ela é uma planta que se comporta como animal”, diz Amorim. Para embasar a comparação, ele explica que nas cadeias alimentares, as plantas situam-se na base do sistema, assumindo a condição de produtoras de biomassa.
Por ser uma parasita de raízes, a flor cogumelo rouba nutrientes para sobreviver — Foto: Globo Repórter/ Reprodução
Essa biomassa é gerada por meio de fotossíntese e serve de alimento para o próximo nível da cadeia. “Nesse esquema, a Scybalium não está na base, pois não é produtora de biomassa. Na verdade, ela está se alimentando das produtoras. Funcionalmente, ela age como um animal herbívoro, pois literalmente se alimenta de outras plantas”, diz Amorim.
No entanto, são necessárias mais pesquisas para compreender completamente os efeitos do parasitismo da ‘flor-cogumelo’ em suas hospedeiras.
Assim sendo, a pesquisa sobre a Scybalium fungiforme está revelando os segredos por trás dessa misteriosa espécie “flor-cogumelo”, que encanta os polinizadores e desperta a curiosidade humana.
G1