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A gravidez da professora Andriana Campanharo, 43, de Botucatu (SP), não foi como ela sonhava e esperava. Apesar de cultivar um relacionamento de mais de duas décadas com o companheiro, William de Melo Silva, ter um filho não era uma prioridade do casal. Só se tornou quando ela completou 38 anos e começou uma corrida contra o relógio biológico para engravidar.
Vieram duas gestações e dois abortos espontâneos. Foi então que o tratamento por fertilização in vitro (FIV) passou a ser uma opção. Ela e o marido fizeram a coleta e geraram um embrião, mas tiveram de suspender os planos temporariamente depois que Andriana perdeu o pai para um câncer. Após esse processo de luto, veio outro baque: cinco dias antes de transferir o embrião para o útero, ela recebeu a notícia de que o marido dela havia falecido em um acidente.
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“No dia, antes de tudo acontecer, falamos sobre o bebê, escolhemos o nome… Era um plano nosso, para realizarmos juntos. Eu não imaginava isso para a minha vida, mas foi me despertando um desejo de ter essa criança. Primeiro porque era a realização de um sonho. Depois, porque era uma parte do William que ficaria comigo”, disse.
Mesmo sem o parceiro e com apenas um único embrião congelado, Andriana decidiu arriscar e tomou coragem para seguir o tratamento. Em 29 de julho de 2022, finalmente ela deu à luz e o pequeno Benício chegou ao mundo saudável e “com a cara do pai”, como ela mesma afirmou. Em depoimento à CRESCER, Andriana contou sua história e compartilhou como foi a decisão de seguir com o desejo de ser mãe, apesar da falta do pai e do marido.
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“O meu desejo pela maternidade veio tardiamente. Eu sempre priorizei a minha carreira: fiz graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em computação científica. Então, a ideia de ser mãe por muito tempo ficou meio de lado. Até que o tempo foi passando e, quando estava prestes a completar 38 anos, decidi que estava na hora de tomar a decisão se gostaria ou não de ter filhos.
Conversei com o meu marido, William, e resolvemos tentar. Por causa da minha idade, achei que demoraria para engravidar, mas o positivo veio relativamente rápido e de forma natural. Pouco depois, tive um aborto espontâneo. Foi aí que percebi que, sim, realmente queria ser mãe.
Depois dessa perda, nos preparamos, começamos a tentar de novo, engravidei mais uma vez e, novamente, perdemos o bebê. Acontece que eu não tinha mais estrutura emocional para ficar nesse looping. Então, fui procurar ajuda para fazer uma investigação do motivo dessas perdas e buscar apoio de um especialista em reprodução e fertilidade para fazer o tratamento.
Quem nos acompanhou foi o Dr. Rodrigo Rosa e ele explicou que tudo indicava que os meus abortos de repetição eram por causa da minha idade. Os óvulos já estavam ficando ‘velhos’ e, com isso, a chance de a gravidez seguir eram menores. A melhor alternativa, naquele cenário, era optar pela fertilização in vitro (FIV).
O PROCESSO DE FERTILIZAÇÃO
No auge da pandemia de covid-19, entre junho e julho de 2020, fizemos a primeira coleta de óvulos e espermatozoides para o tratamento e conseguimos um primeiro embrião, que foi congelado. Era um menininho, demos o nome de Benício.
Mas, antes de fazer a transferência do embrião para o meu útero, minha progesterona subiu e não seguimos com o procedimento. Mas algo me dizia que um embrião só era pouco e fizemos uma nova coleta em setembro. Chegou a data e não conseguimos nenhum embrião. Tenho para mim que meu emocional fragilizado colaborou.
Ao mesmo tempo em que isso acontecia, meu pai ficou muito doente e descobrimos que ele estava com um câncer na cabeça. Aproveitei para ficar pertinho dele e, no dia 27 de dezembro de 2020, ele faleceu. Nessa fase toda, interrompi o tratamento de fertilização e viramos o ano só com um embrião congelado mesmo.
DE REPENTE, TUDO MUDOU
Em fevereiro de 2021, desistimos de uma nova coleta e decidimos fazer logo a transferência com o único embrião que tínhamos. O procedimento estava agendado para o dia 8 de março, só que, cinco dias antes, aconteceu o acidente que mudou todos os nossos planos. Meu marido foi ao supermercado, entraram na contramão e bateram nele. Ele morreu na hora, na rua mesmo.
Nosso contrato do procedimento de FIV havia uma cláusula dizendo que, no caso de falecimento de uma das partes, quem ficasse era quem decidia o que fazer com o embrião congelado. No começo, eu não queria seguir com a ideia. Era um plano nosso, para realizarmos juntos. No dia do acidente, antes de tudo acontecer, meu marido e eu falamos sobre o bebê, escolhemos o nome… Fiz muita terapia para conseguir lidar.
Eu não imaginava isso para a minha vida, mas foi me despertando um desejo de ter essa criança. Primeiro, porque era a realização de um sonho. Depois, porque era uma parte do William que ficaria comigo. Estávamos há 23 anos juntos, desde os nossos 18 anos. Meu companheiro de uma vida inteira.
FINALMENTE, O POSITIVO
Alguns meses depois, em novembro de 2021, tomei uma decisão e, finalmente, fiz a transferência do embrião. O processo foi muito diferente de tudo que eu imaginava. Queria ter dois guardados, para precaução, mas tinha um só. Queria meu marido por perto e ele não estava mais lá, nem para ficar ao meu lado nem para tentar de novo, se quiséssemos. Era tudo ou nada. A minha única chance. Sentia que era ali que eu descobriria se seria mãe ou não.
O meu psiquiatra me dizia que eu deveria estar preparada para um fracasso e me perguntava se eu teria forças para carregar mais essa dor. E, sinceramente, seria insano eu não tentar por medo de dar errado. Eu já tinha perdido meu pai, tinha perdido meu marido… Senti na pele que a gente não tem controle das coisas. Naquela hora, eu acreditava só que aconteceria o que fosse melhor para mim. O meu médico, o Dr. Rodrigo, também foi fantástico. Quando ficou sabendo do que aconteceu, veio até mim, me deu um abraço, me olhou nos olhos e disse que daria o seu melhor para que desse certo. Fiquei mais segura.
O dia de fazer o exame Beta hCG foi muito especial. Quando vi o positivo e confirmei que realmente tinha dado certo e eu estava grávida, eu me emocionei muito. Foi só então que comecei a pensar em como as coisas seriam dali para frente.
À medida que a gestação foi evoluindo, os meses passando, a barriga crescendo, fui entendendo. Tive uma gravidez tranquila, mas muito solitária. Moro longe da minha família e tive o apoio só de alguns amigos e amigas, que me ajudaram muito. Tive acompanhamento do psiquiatra e da terapia também. Mas a falta do meu marido era muito grande, senti muito na gravidez. Queria muito que ele estivesse aqui, mas eu reuni forças e coragem de onde eu não tinha para seguir com essa maternidade solo.
Fonte: Revista Crescer – Foto: Gabi Cavalhieri @estudiogabicavalheri