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Teriam os vikings conseguido chegar a uma remota parte do estado de Oklahoma, bem no meio dos Estados Unidos?
Faith Rogers é voluntária e estagiária de ciências ambientais do Parque das Pedras Rúnicas de Heavener, no extremo leste de Oklahoma City. Ela me guiou por um caminho de pedregulhos que leva a uma das maiores atrações dos 22 hectares de floresta — e também um dos maiores mistérios históricos dos Estados Unidos.
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Estávamos entre os arbustos no sopé das montanhas Ouachita, seguindo nosso caminho até uma laje de arenito antiga que ainda faz muitos especialistas coçarem a cabeça e debaterem sobre os oito símbolos gravados sobre ela.
Alguns acreditam que essas inscrições misteriosas sejam runas (caracteres alfabéticos antigos), que foram escavadas na pedra gigantesca perto do ano 1000 por exploradores nórdicos que subiram o rio Arkansas até esta parte remota do que hoje são os Estados Unidos.
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“Se acho que os vikings escavaram isso? Sim”, afirma Rogers, depois que chegamos à “casa” de madeira e vidro construída para proteger a laje de 3 x 3,6 metros. “[A historiadora local] Gloria Farley passou toda a sua vida pesquisando e tem muitas evidências para confirmar a história.”
Farley cresceu na cidade de Heavener, onde a laje foi encontrada. Ela morreu em 2006 e é uma lenda na região.
Farley viu a relíquia pela primeira vez em uma caminhada quando era jovem, em 1928, e ficou fascinada pela rocha. Duas décadas depois, ela voltou para estudá-la, como runologista amadora e epigrafista autodidata.
O primeiro conhecimento moderno da pedra rúnica data dos anos 1830, quando ela foi encontrada em uma festividade de caça do povo nativo americano choctaw. Os moradores brancos de Oklahoma passaram anos chamando a laje erroneamente de Rocha Indígena, acreditando que as marcas fossem obra dos nativos americanos.
“[Farley] passou a maior parte da sua vida adulta pesquisando a pedra”, afirma Amanda Garcia, gerente do Parque das Pedras Rúnicas de Heavener.
“Ela viajou pelos Estados Unidos, foi ao Egito e para outros lugares para observar diversas inscrições.”
Farley chegou a entrar em contato com o Instituto Smithsonian e ficou sabendo que eles já haviam chegado a uma conclusão sobre as inscrições em 1923.
Para eles, os caracteres eram de um idioma escandinavo e significavam “GNOMEDAL” – junção de “gnome” e “dal”, traduzido como “vale do relógio de sol” ou “vale monumental”. Outros estudiosos traduziram os símbolos posteriormente como “GLOMEDAL”, que significava “Vale de Glomo”.
Com a questão do idioma esclarecida, duas outras questões permaneciam sem resposta: quem entalhou aqueles símbolos e quando?
“Comecei a acreditar que os símbolos na pedra indicavam que os nórdicos haviam visitado a região antes de Colombo. Alterei o nome da rocha para ‘A Pedra Rúnica de Heavener’ e comecei minha busca por inscrições similares na região”, escreveu Farley no seu livro In Plain Sight: Old World Records in Ancient America (“À vista de todos: registros do Velho Mundo na América antiga”, em tradução livre).
Ao longo da sua carreira, Farley consultou historiadores, geólogos e outros epigrafistas nórdicos. Ela reuniu evidências que sustentavam sua afirmação de que os vikings haviam visitado a América do Norte e eram muito hábeis para subir rios e córregos em barcos que flutuassem na água rasa.
“Um estudo das fascinantes sagas nórdicas revelou os esforços dos povos nórdicos que habitavam a Groenlândia para colonizar a costa leste da América do Norte entre cerca de 1002 e 1010 [d.C.]”, escreveu ela.
“Se os vikings viajaram para a Rússia, Irlanda, Inglaterra, França e para os extremos do Mediterrâneo, por que não teria sido possível para eles chegar a Oklahoma pelo rio Mississippi?”
Farley chegou a defender a hipótese de que os vikings deixaram sua marca neste cânion depois de viajar para o interior a partir do Golfo do México, há entre 600 e 800.
Outras duas lajes de arenito com marcações rúnicas (insuficientes para serem traduzidas) foram encontradas a 1,5 km ao norte e ao sul da Pedra Rúnica de Heavener. Administradores do parque afirmam que elas indicam que as pedras eram marcas de fronteira.
Estudos e controvérsias
A ideia de que os vikings navegaram pelo poderoso Mississippi não é tão exagerada quanto pode parecer.
Pedras rúnicas atribuídas aos vikings foram encontradas em outros lugares dos Estados Unidos, incluindo Kensington, em Minnesota, e Spirit Pond, no Maine. Mesmo em Oklahoma, foram desenterradas seis dessas pedras (a maior quantidade em qualquer Estado americano), mas sua autenticidade ainda é questionada.
Já ficou comprovado que um assentamento nórdico — L’Anse aux Meadows, patrimônio mundial da Unesco, no extremo norte da ilha da Terra Nova, no Canadá — data de pelo menos 1021 d.C. Ele oferece uma data concreta para a atividade dos vikings na América do Norte, que coincide com a idade estimada da Pedra Rúnica de Heavener.
Segundo Farley, os vikings podem ter viajado facilmente para o sul a partir da Terra Nova ao longo da costa leste da América do Norte e contornado a península da Flórida até o Golfo do México, onde poderiam entrar pelo rio Mississippi, de lá para o rio Arkansas (seu afluente), que os conduziria para o rio Poteau, em Oklahoma.
“O rio Poteau fica a poucos quilômetros daqui”, afirma Garcia. “Desconsidere a aparência atual dos cursos d’água. Naquela época, antes de todos os lagos e represas artificiais, esses pequenos córregos eram grandes rios e vias fluviais.”
Mas nem todos estão convencidos. Em 2011, o arqueólogo Lyle Tompsen, especializado na era dos vikings, analisou a pedra rúnica e escreveu um estudo a respeito dela.
Para esse especialista, “a veracidade da pedra de Heavener como artefato viking é problemática. A evidência linguística é ambígua. Mas a evidência histórica do século 19… oferece forte indicação de que a pedra é uma criação de um imigrante escandinavo do século 19 (provavelmente, um imigrante sueco que trabalhava no armazém ferroviário local).”
Outras teorias vêm surgindo. Uma diz que a pedra foi escavada por um membro da expedição de La Salle, perto de 1687, quando o explorador francês René-Robert Cavelier reivindicou a região para a França, batizando-a de Louisiana. Outra diz que a inscrição é obra de um capitão sueco que guiou colonizadores alemães até a região entre 1718 e 1720.
E o idioma das runas também segue sendo questionado.
“As inscrições não estão em escrita viking, mas em uma combinação de [idiomas rúnicos] futhark antigo e futhark recente, anteriores à época em que os vikings teriam viajado”, afirma Dennis Peterson, arqueólogo e administrador do Centro Arqueológico Spiro Mounds, perto de Heavener, que abriga a maior coleção de relíquias pré-históricas dos nativos americanos nos Estados Unidos.
Peterson também argumenta que, como a cidade de Spiro, perto do sítio arqueológico de Spiro Mounds, era uma metrópole comercial importante na mesma época, seria provável que tivesse havido algum registro de estranhos homens nórdicos chegando à região.
Como não é possível datar as gravações na pedra usando métodos científicos tradicionais (como datação de carbono ou comparando-se a taxa de deterioração de materiais orgânicos), pesquisadores da Pedra Rúnica de Heavener precisaram observar evidências contextuais, como outros artefatos ou atividade viking na região. Mas nada foi encontrado.
Apesar de todas essas dúvidas, admiradores das tradições vikings vêm de todo o mundo para visitar o Parque das Pedras Rúnicas de Heavener.
“Tivemos um senhor da Áustria que veio para os Estados Unidos apenas para ver a pedra rúnica”, relembra Garcia.
“Quando comecei aqui, cinco anos atrás, tínhamos cerca de 400 pessoas por mês; agora, temos esse número por semana”, afirma ele. “Dependendo da época do ano, podemos ter 2 mil pessoas ou mais em um fim de semana comum.”
O parque chegou a promover por 10 anos um Festival Viking da Pedra Rúnica, que atraiu milhares de visitantes, reencenadores e fornecedores escandinavos no passado. Na verdade, o festival cresceu tanto que atualmente está suspenso, enquanto seus organizadores estudam como acomodar a multidão.
Quando fiquei frente a frente com aquelas letras antigas, também quis acreditar na lenda dos vikings navegando até Oklahoma. Deixei o parque com visões de guerreiros barbudos avançando pelas mesmas florestas espalhadas pelas rochas e densos bosques que estive visitando.
Talvez nenhuma evidência comprove que eles realmente vieram, mas também não há provas definitivas de que eles não estiveram por aqui.
Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63868117
Fonte: BBC