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Henrique, meu filho, é “médico” de palavras. Cuida do que escreve e do que lê como nós cuidamos dos nossos pacientes. As palavras procuram o Henrique para serem tratadas. De literatura é o que mais gosta e de cultura em geral entende muito. Conversar com ele tentando acompanhar seu raciocínio é como andar na montanha russa do pensamento. Sem medo, entretanto
Semana passada escreveu um texto com o título acima. Eu, admirado, como um cirurgião que precisa operar um belo corpo, reproduzo alguns trechos, com sua permissão.
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… Quem escreve vive de reclamar; de sofrer… quem escreve vive do jeito que dá, de qualquer jeito, de jeito maneira. Quem escreve vive de tradução ou de favor; vive do jeito
que quer ou do jeito que consegue… Quem escreve vive atrás de assunto; quem escreve vive de editar; quem escreve vive de ser lido… Vive de viajar, externa ou internamente, quem escreve; quem escreve vive de morrer um pouco a cada dia, só para viver um dia novo, só para viver aquele dia. Quem escreve vive de elaborar livro, de lapidar poema, de rabiscar; quem escreve vive de produzir laudo, de contar laudas, de
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louvar a sorte; quem escreve vive de filosofar, de redigir… quem escreve vive de ver filme ou peça de teatro e de chorar quando se vê na história, ou pior, de quando não se vê… Quem escreve vive de se virar… Quem escreve vive de introdução, instalação do conflito, desenvolvimento, desenlace e encerramento. Quem escreve vive de procurar uma chave de ouro. Quem escreve vive de refrão… Quem escreve vive de brincadeira. Vive de medicina, advocacia, pilotar avião, catar latinha, roubar salgado, vender miçanga, afanar livro, pagar prestação. Quem escreve vive de novo, e de novo, e de novo. Quem escreve vive de encontrar maneiras de escrever. De encontrar razões. De esquecê-las. De ignorá-las. Quem escreve vive de modo
que, se escrita, sua vida valesse a pena ser lida… Quem escreve vive dos outros. Da pele dos outros, na pele dos outros. Quem escreve vive de ler. De contar. De cantar. De reler, de reescrever. Quem escreve vive de escrever. Ou não: quem escreve vive, só. E vice-versa.
Para dar o último ponto de médico clínico na cirurgia que fiz neste lindo texto, me atrevo a concluir: quem escreve, Henrique, vive de viver.
*texto original: www.freiodemao.wordpress.com
**Dr André Balbi é médico nefrologista, professor adjunto de Nefrologia da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) e atual Superintendente do HCFMB.