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A cada dois anos enfrentamos as campanhas políticas e, com elas, nos enfadamos de ouvir alguns sobrenomes cantados pelas ruas, há gerações.
São filhos, netos, tios e sobrinhos que cresceram no mundo político e decidiram seguir o mesmo caminho (e profissão) de muitos outros familiares.
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Excepcionalmente um sobrenome de peso atrapalha e quase sempre disputar uma eleição fazendo parte da tradicional família possibilita ao candidato uma larga vantagem nas urnas.
Quanto menor a cidade, maior o poder de transferência de voto da família, chegando, por vezes, a preencher vários cargos
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simultaneamente, mas tendo sempre um patriarca como cabeça pensante, ditando os rumos e fiscalizando os atos dos demais eleitos.
Poder executivo e legislativo, cargos em comissão como troca de favor, inclusive em níveis superiores, faz da família a própria dona de toda uma cidade, e o povo, ou grande parte, seu cordeirinho preferido, que forma grande fila quando há sessão de “beija mão”, notadamente em inauguração de obras inacabadas, após a cantoria do hino nacional.
José Sarney no Maranhão, Miguel Arraes em Pernambuco, Tancredo Neves em Minas Gerais, Fernando Collor e Renan Calheiros em Alagoas, Antônio Carlos Magalhães na
Bahia, Os Gomes (Cid e Ciro) no Ceará, José Agripino Maia no Rio Grande do Norte, Jorge Bornhausen em Santa Catarina, dentre tantos outros, formam um seleto grupo de políticos mandões, de típicos Coronéis.
Nenhum cidadão de bem que está ao nosso lado (na nossa rua, bairro ou cidade) defenderia qualquer um da casta acima, e não o faria porque não é beneficiado diretamente por eles, ou ainda, porque não ouviu o canto da sereia que eles sabem muito bem utilizar.
Essas famílias, via de regra, têm um discurso muito sedutor, de continuidade das boas obras do pai de todos, mas na verdade apenas querem garantir que as cartas
continuem sendo por elas dadas, inclusive as marcadas e utilizadas no jogo de “rouba monte”.
Triste é a região do país ocupada por essas “capitanias hereditárias”, onde famílias dividem suas posses utilizando como marco territorial um rio, uma estrada ou um pedágio.
No poder, essas famílias têm acesso a informações privilegiadas. Sabem de antemão onde se instalarão grandes empresas ou estabelecimentos comerciais, possibilitando “investir” em seu entorno, e tirar a sorte grande de comprar terrenos a preços módicos, revendendo-os com lucros de dar inveja a banqueiros.
Vez ou outra uma força oposicionista aparece, faz algum barulho, alguma diferença, e alerta o povo. Mas este, o povo, como numa “comunidade carente da presença do Estado”, ainda prefere ser protegido por aqueles que oferecem pão e o circo.
Dane-se a democracia, a alternância de poder, a transparência, os princípios da administração pública, como eficiência e impessoalidade. A cidade tem dono e quem contrata a banda, escolhe a música.
O coronelismo transformou algumas cidades em um espaço de domínio privado, quase que autônomo em relação aos demais entes federativos.
O deputado federal consegue verbas para sua cidade; o estadual, igualmente, mas de outro cofre; ambos propagam e alardeiam o que conseguiram ao povo, fazendo com que o poder decisório de investimento seja deslocado dos entes executivos, legitimamente escolhido para tal mister, para o gosto pessoal dos parlamentares.
Pelo andar da carruagem, acho que viverei para ver certa cidade mudar de nome, ou melhor, acrescentar um sobrenome. Talvez dois.
Por Luiz Gustavo Branco é advogado especialista em Direito Material e Processual do Trabalho, com atuação preponderante no Direito Sindical