24 de novembro, 2024

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Artigo: Palavras – por Ana Vieira Pereira

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Nascem da palavra os sentimentos com que me formo,

no momento em que os nomeio e eles se tornam meu corpo.

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Nascem da palavra todos os meus entremeios,

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os espaços que habito quando o som emerge inteiro.

 

Sem ela, desfalece o mundo ante meus olhos,

é ser opaco, fraco, estéril solo enganoso.

 

Tormento e desatino, um mundo assim sem palavra.

Sem ela, faz-se de conta: o que mais somos, é o que mais cala.

 

Sabe aquele lugar de onde tudo surgiu? Aquilo que era no começo? O Verbo. Essa palavra latina que se tornou a nossa “Palavra”. Mas veja: não é preciso tratá-la com cerimônia, destacando-a com essa desimportante maiúscula. Chamemos-lhe “palavra”, garantindo-nos dar igual importância a todas elas.

As palavras trazem-nos notícias de nós mesmos quando não éramos o que somos. Dentro delas, ressoam os ventos celtas, o tropel árabe, as feições templárias, as savanas africanas, os mares e essa amplidão de espaço que decidiu dizer-se em português.

Olhar as palavras ao longe, saber-lhes a história, a vida, a intenção de quem as pronunciou, supre-nos de vida. A etimologia é um lugar de reencanto. Bastam ouvidos e mãos estendidas, na delicadeza que o poeta aconselha: penetra surdamente no reino das palavras.

Para isso, é preciso disciplina. Tornar-nos discípulos: o latino discipulus, “aquele que aprende”. A disciplina da escrita é um exercício que abre em nós espaços de aprendizado, vazios à espera de completude. Escrevendo, aprendemos a escrever.

Porém, para termos disciplina, precisamos de ritmo. Um movimento repetido, uma e outra vez, até incorporá-lo à nossa vida. O que se repete (rhytmós, em grego) é o que se transforma em “deslizar, fluir” – rhein, a palavra mãe de ritmo. Numa das línguas mais antigas de que se tem notícia, o protoindoeuropeu, encontramos também a palavra *sreus, bisavó de rhytmós, que significa “fluxo”. Nada mais simples: estabelecer ritmos leva-nos ao fluxo da vida, e fazê-lo com disciplina abre-nos espaços onde aprendemos a ser o que ainda não somos.

 

Ana Vieira Pereira é escritora e coordena o espaço Quinta Palavra.

 

Fonte: Jornal Leia Notícias

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