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Não conheço o Estado de Minas Gerais e, dos 853 municípios que o compõe, já devo ter ouvido falar de uns 10, como Belo Horizonte, Uberlândia, Contagem, Juiz de Fora, etc.
Além desses, outros dois que eu nem imaginava existir até pouco tempo atrás, agora não me saem da cabeça: Mariana e Brumadinho.
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Como de costume, nas rodas de conversa somos todos especialistas em barragem, dano ambiental e responsabilidade civil, assuntos que tratamos com tamanha desenvoltura que poderíamos até proferir palestras às empresas mineradoras.
Mas o que não entendo no brasileiro foi a passividade com que recebeu a reforma trabalhista no final de 2017, talvez imaginando que a alteração da legislação lhe favoreceria, afinal, não seria mais preciso pagar R$ 30,00 por ano ao seu sindicato.
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Dados da tragédia apontam que cerca de 70% dos trabalhadores que morreram ou ainda não foram encontrados são trabalhadores terceirizados e, portanto, com menos direitos trabalhistas do que os empregados da mineradora Vale.
Mas qual a relação da tragédia das cidades mineiras com a legislação trabalhista?
Até a vigência da Lei 13.467/2017, em 11/11/2017, as decisões das ações trabalhistas que analisavam pedidos de danos morais em razão de morte de trabalhadores não possuíam um teto de valor, e o juiz tinha toda a liberdade ao fixar a condenação, que poderia chegar à casa dos milhões, quando se considerava o dano ao trabalhador e o poder econômico e responsabilidade do empregador.
Uma decisão da Justiça do Trabalho em Minas Gerais, por exemplo, ao analisar o pedido de indenização em razão da morte de um trabalhador decorrente da tragédia de Mariana, em 2015, condenou a mineradora Samarco, e suas subcontratadas, ao pagamento de R$ 1,8 milhão à família da vítima, pouco importando o salário até então recebido.
As vítimas de Brumadinho, entretanto, terão suas indenizações limitadas a, em razão da reforma trabalhista, 100 vezes o seu salário. Assim, considerando o salário médio dos trabalhadores terceirizados de R$ 2 mil, vítimas da tragédia, as indenizações não excederão a R$ 200 mil.
Mas o pior é que a legislação trabalhista passou a dar mais valor à dor dos familiares das vítimas de maiores salários do que às dos pobres coitados que ganham salários mínimos.
Por que a família de um engenheiro vai receber uma indenização por dano moral de R$ 1 milhão e a do cozinheiro, apenas R$ 150 mil? Por que a dor daquele vale mais do que a deste?
Não podemos perder a esperança, eis que já há, no Supremo Tribunal Federal, uma ação pedindo o reconhecimento da inconstitucionalidade dessa norma, impetrada por uma associação de juízes do trabalho. Que essa tragédia, então, não seja em vão, ao menos nesse aspecto.
Outro assunto que merece atenção é que no Brasil há 3.644 cargos de auditores do trabalho, que são os profissionais aptos a fiscalizar as irregularidades trabalhistas, como a existência de refeitório no caminho da lama que escorreu com o rompimento da barragem em Brumadinho ou a ineficácia dos equipamentos de segurança daquele local, ou ainda, a ausência de registro em carteira de trabalho ou falta de pagamento do fundo de garantia.
Apesar da quantidade de cargos, apenas 2.327 estão ocupados, num déficit de mais de 1,3 mil profissionais, sem contar que, daqueles, 500 já poderiam estar aposentados.
Ao extinguir o Ministério do Trabalho, repartindo com outros ministérios a responsabilidade pela fiscalização das empresas, o Governo Federal apenas ratificou a pouca importância dada aos trabalhadores, fato consumado com a polêmica frase do presidente: “É difícil ser patrão no Brasil”.
Não podemos admitir existir mais juízes do trabalho no Brasil, cerca de 3,4 mil, para tentar solucionar problemas já consumados aos trabalhadores, do que de auditores do trabalho, que poderiam evitar tais problemas, cujas consequências podem acarretar mortes.
Pelo visto, o que é difícil no Brasil é ser trabalhador.
* Luiz Gustavo Branco é advogado especialista em Direito Material e Processual do Trabalho, com atuação preponderante no Direito Sindical.
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