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Passarinho não perde hora, não. Eles acordam no horário novo. Cantam com a claridade e não com a marcação do relógio. É o que observo por aqui com os sabiás, nas madrugadas. Cantam animados e a gente… ai, que sono! Sempre sonolento, nessas semanas tortas, com uma hora adiantada para acordar, comer e trabalhar.
Só para dormir é que se perde a pressa ou a hora. A gente se assusta quando olha o relógio e já é tarde. Concluo que esse tal horário de verão significa dormir sem sono e acordar dormindo. Mas acho que os culpados são os passarinhos. Isso me fez lembrar dos sanhaços lá no quintal de casa, nos tempos antigos, em Leme-SP. Os plumados, logo de manhã, bicavam o mamão maduro, no mamoeiro alto do quintal. De regra, o pai não deixava apanhar o fruto enquanto não estivesse amadurecido, amarelinho por inteiro.
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E se os passarinhos chegassem primeiro e o bicassem, era para deixar aquele mamão para eles. Isso sugeria satisfação pela inspirada atitude do pai, mas criava também frustração na nossa mente infantil. Havia razão para este segundo sentimento.
As crianças tinham tarefas após as aulas diárias. Uma delas era distribuir ou vender a colheita farta daqueles frutos maduros. Além das doações aos amigos e vizinhos, a venda do excedente gerava algumas preciosas moedas para a subsistência e também para a matinê de domingo.
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Essa era a alegria semanal, mas eis que os sanhaços de bela cor azulada, além de concorrentes, davam prejuízos e frustrações no nosso quintal. Que fazer? Tentamos de tudo para espanta-los e nada conseguimos. Até que um dia vimos um casal de sabiás fazendo um ninho em árvore próxima. Como também eram apreciadores do mamão maduro, iniciou-se entre eles e os sanhaços comilões uma competição com brigas diárias que resultou na expulsão dos pássaros azuis.
Com os sabiás dominando o pedaço – e os mamões maduros – algo novo aconteceu naqueles ares. A presença alegre daqueles plumados canoros encheu o quintal de belos cantos matinais. Tão matinais que, se fosse hoje, seria madrugada, como acontece agora, com esse atrapalhado horário novo atual. É por isso que, hoje, reservo sempre uma ponta de mamão maduro (comprado no Supermercado) para os sabiás que cantam, rigorosamente, no novo horário, lá fora, perto da janela. São meus despertadores canoros, em adiantado sol maior. Ai, ai… em plena madrugada!
** Dr. Francisco Habermann é exaluno da 1ª. Turma de Medicina da FCMBB, docente aposentado da atual FMB-UNESP. Professor da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu