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O relógio marcava exatamente 8h07 da manhã de terça-feira, 24, quando as universitárias Mariana Bazza e Heloísa Passarello se despediram em frente à academia onde costumavam treinar na cidade de Bariri, interior de São Paulo. “Até quinta”, falaram uma para a outra.
O que elas não imaginavam é que o próximo encontro seria no enterro de Mariana, realizado quinta-feira, 26. A estudante de fisioterapia foi assassinada naquela manhã.
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O principal suspeito é Rodrigo Pereira Alves, de 37 anos. O homem, que está preso, abordou as duas jovens na saída da academia e ofereceu ajuda para trocar o pneu do carro de Mariana, que estava murcho. Elas recusaram. Ele insistiu.
Em depoimento para Marie Claire, Heloísa conta o que aconteceu naquela manhã – o diálogo com o possível assassino da amiga, o momento em que recebeu uma foto de Mariana na chácara onde teria ocorrido o crime (a mesma que ela enviou ao namorado momentos antes da morte) e a ajuda na investigação.
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A estudante de direito, de 19 anos, diz que se sente culpada por não ter insistido para a amiga ir embora. E espera por justiça. “Vou terminar meus estudos e focar no meu concurso para a polícia pelo meu sonho e agora até mesmo por ela, para evitar que isso aconteça com outras Marianas”.
Confira o relato:
“Foi como todos os outros dias de treino. Eu enviei mensagem a ela dizendo que eu chegaria atrasada e ela me responde “eita”. Eu chego umas 7:10, converso com ela, brinco com ela o tempo todo, até mesmo na hora de colocar os pesos na barra.Treinamos como de rotina. Eu ainda observei ela pulando corda e fazendo flexão – coisa que eu nunca havia feito, que era parar o meu treino pra olhar ela. E às 8h a gente sai da academia. Brincamos do começo ao fim.
Nós não tínhamos visto o pneu murcho. Ele gritou do outro lado da avenida sobre o pneu. Ela sai com o carro, eu espero ela sair, porque minha moto estava na frente. A hora que a Mariana vai sair ele já grita do outro lado da avenida, em frente ao portão da chácara, que o pneu traseiro do lado direito (o que estava encostado na calçada) estava murcho. Eu ainda deixo uns carros passarem e vou de moto até ela falar o que ele tinha falado. Aí a Mariana estaciona o carro onde está nas filmagens que vocês têm acesso. Ele já vem atravessando a avenida quando eu paro do lado dela. Ele vem com o celular no ouvido como se estivesse falando com alguém.
Mas em momento algum direcionou a palavra a alguém no telefone, e falando com ela. Eu estaciono a moto novamente na frente do carro dela, ambas descem dos veículos e vão olhar o pneu. Eu fiquei na frente do carro olhando e ela foi até o pneu. Ele também vai do lado dela. Nesse momento ele fala “oooo” como se fosse falar nome de alguém no telefone e para e continua com um “daqui a pouco eu te ligo”. Mas não olha na tela para ver se a suposta pessoa desligou e nem se quer toca na dela. Para mim não passava de uma simulação.
Ele oferece ajuda e a Mariana recusa dizendo que iria ligar para o pai e que qualquer coisa ele mandava um borracheiro, mas ele insiste. Nessa hora eu entro no diálogo e mando ela ir embora, porque dava para chegar em casa. Ele já pergunta imediatamente onde ela morava. Após ela responder ele diz que era longe e que estragaria o pneu se ela fosse até lá. Eu ainda faço uma pergunta pra ele, mas ele não me responde e não olha na minha cara, e volta em insistir a trocar. E ela continua com a fala de que ligaria para o pai.
Depois de uma quatro vezes insistindo e ela dizendo que não precisava, ele diz “então se precisar de ajuda é só me chamar que eu estou lá”. E atravessa a avenida e volta para chácara. Enquanto isso ela liga para o pai e eu fico esperando, mas ele não atende. Nem ele e nem o primo. E eu digo novamente para ela ir embora e ela disse que ia ver com o pai o que faria. Fiquei até às 8:07 e falei que eu tinha que ir embora se não chegaria atrasada no serviço. Falei para que me ligasse qualquer coisa e dei tchau.
Nas filmagens mostra que 8:12 ele já está lá conversando com a Mariana novamente. Ela chega a me enviar a imagem dele trocando o pneu às 8:23. Eu respondo às 8:38. A mensagem chega, mas ela não me responde. Às 10:00 eu ligo e dá caixa postal. 10:14 mando mensagem e não chega.
A mãe dela já tinha ligado para minha mãe para ver se eu tinha chegado na firma. Ela ia passar na prefeitura para levar um recibo depois de arrumar o pneu. Eu fui até o borracheiro que o pai dela mandou ela ir, porque ela conseguiu falar com ele depois, e ela não tinha ido. Aí eu voltei na academia para pedir as gravações, porque já desconfiava que aquela imagem era de dentro da chácara. Minha mãe ligou para a prefeitura para perguntar e tinham dito que não, que ela não tinha ido até lá.
Antes disso eu desconfiei, porque parei para pensar que do local que ele estava não dava para ter visão do pneu. Quando vi a gravação achei estranho ela demorar para sair e depois descer para fechar o portão (por que ela fecharia e não ele?) e quando o carro sai eu vi que o jeito de dirigir não era o dela. E voltei a analisar mais duas vezes. Na terceira notei que a pessoa que desce estava de calça clara e que ela tinha ido com uma calça roxa. Aí eu mandei áudio falando para o namorado dela. A mãe dela chega e já acionamos a polícia no momento.
Já imaginei o pior porque a Mariana não era de desligar o celular e não nos responder, e não era bateria fraca. Na sequência a polícia já chega umas 11:15 e vai olhar as gravações e começa a investigação.
Recebi a notícia por áudio de WhatsApp, mas não acreditei. Aí liguei para a mãe dela para pedir o número do pai porque o namorado não atendia, e a mãe dela na ligação me diz que ele tinha confessado e estava levando a polícia até o local
Eu estou me sentindo culpada, sem chão. Eu choro e paro, porque a ficha não cai. E volto a chorar novamente. Éramos amigas há quatro anos, nos conhecíamos há oito.
Eu acredito que ele agiu sozinho. Eu espero que a justiça seja feita, que o nosso código penal colabore com o caso. Deveria ser extinto o “in dúbio pro reo” em um caso como esse. Eu cheguei a ajudar a polícia com conta do celular que eu já tinha tentando rastrear, com roupa para o cão farejador. Mas eles não me perguntaram algo a mais, não dei depoimento.
Eu não sei ainda como vou retornar na academia sem lembrar. Como vou correr sempre lembrar que ela cortava o caminho pra vir de encontro comigo reclamado que odiava correr. Lembrava dela deitada no tapete fazendo alongamento e brincando sobre a blusa estar marcada. Eu só tenho lembranças boas. Uma pessoa cheia de luz, eu nunca vi ela cogitar em fazer mal pra alguém. Uma pessoa de coração enorme, de chorar ao pensar em algo acontecendo com algum animal. E ela era apaixonada por todos que ela tinha.
Fica de aprendizado a nunca confiar em alguém. Eu já não confiava e agora vou desconfiar mais ainda. Eu vou terminar meus estudos e focar no meu concurso pelo meu sonho e agora até mesmo por ela, pra evitar que isso aconteça com outras Marianas e outras mulheres. Eu estou prestando pra polícia militar e depois de formada para delegada federal. Espero que sirva de lição até mesmo pra outros homens que planejam fazer o mesmo.
Fonte: Marie Claire