19 de setembro, 2024

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Ameaçada no Ceará, jandaia-verdadeira volta a repovoar céu de Fortaleza

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A jandaia-verdadeira (Aratinga jandaya), ave que já foi comum no Ceará, está atualmente ameaçada de extinção e suas últimas populações conhecidas são pequenas e vulneráveis. De acordo com a Lista Vermelha da Fauna do Ceará, publicada em 2022, a espécie é classificada como Em Perigo de Extinção (EN), refletindo a gravidade de sua situação no estado.

No passado, o Ceará era um refúgio para diversas espécies de psitacídeos, como araras, papagaios e periquitos, mas a situação mudou drasticamente (Foto: Fábio Nunes/Aquasis)

No passado, o Ceará era um refúgio para diversas espécies de psitacídeos, como araras, papagaios e periquitos, mas a situação mudou drasticamente. Hoje, a jandaia-verdadeira quase não é encontrada no estado, restando apenas algumas populações dispersas em outras partes do Nordeste, incluindo capitais como São Luís (MA), Teresina (PI) e João Pessoa (PB).

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Jandaia-verdadeira já foi comum no Ceará, mas atualmente está ameaçada de extinção (Foto: Fábio Nunes/Aquasis)

No entanto, Fortaleza tem se revelado um local de interesse para a espécie. Há cerca de um ano, a ave reapareceu na cidade após escapes de cativeiro e solturas e, desde então, tem mostrado sinais de adaptação e reprodução local, o que pode ser um indício da existência de áreas na capital que podem auxiliar na sobrevivência da jandaia-verdadeira.

Os primeiros registros dessa espécie foram feitos no bairro Luciano Cavalcante e, aos poucos, foram se expandindo na porção sul de Fortaleza.

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Embora haja relatos de bandos de mais de 20 indivíduos, o número exato de jandaias-verdadeiras na cidade e região metropolitana ainda não é conhecido com precisão. O desafio principal para essas aves é a escassez de áreas verdes urbanas adequadas, que são essenciais para a sua sobrevivência e reprodução.

Desafio principal para as jandaias-verdadeiras é a escassez de áreas verdes urbanas adequadas, que são essenciais para a sua sobrevivência e reprodução (Foto: Fábio Nunes/Aquasis)

A área verde do bairro Cajazeiras é particularmente significativa para as jandaias-verdadeiras, pois o local oferece uma combinação de árvores frutíferas, como cajueiros, mangueiras e carnaúbas, que são cruciais para a alimentação e a nidificação das aves.

A proteção desse espaço verde é, portanto, fundamental para garantir que a jandaia-verdadeira possa continuar a prosperar em Fortaleza.

O biólogo Fábio Nunes, da ONG Aquasis, explica que – segundo os moradores locais – já houve interesse de se construir um loteamento nessa área verde.

Retorno das jandaias-verdadeiras é indício de que ainda existem áreas na capital cearense que podem suportar a sobrevivência da espécie (Foto: Fábio Nunes/Aquasis)

“Representaria uma ameaça grave, pois o projeto poderia devastar o habitat das jandaias-verdadeiras, levando a um possível declínio rápido da população local”, comenta.

Em contraste, Fábio destaca que o caminho para criar condições favoráveis para a espécie seria fortalecer a proteção da área, promover o plantio de mais árvores frutíferas e carnaúbas, e instalar ninhos artificiais.

“Sua conexão com o Parque Estadual do Cocó, maior fragmento verde da cidade de Fortaleza e maior parque natural em área urbana do Norte e Nordeste do Brasil, representa uma oportunidade favorável para incluir uma proteção legal a essa área”, diz.

Fábio destaca também o importante trabalho de ciência-cidadã que está acontecendo no local, já que a comunidade pode criar uma rede de vigilância e proteção para essas aves na cidade.

Caminho para criar condições favoráveis para a espécie seria fortalecer a proteção da área, promover o plantio de mais árvores frutíferas e carnaúbas, e instalar ninhos artificiais (Foto: Leanne Peixoto/Parque Arvorar)

De acordo com o biólogo, o futuro da jandaia-verdadeira na capital cearense depende não apenas de esforços de conservação, mas também da capacidade de integrar as necessidades ecológicas da espécie nas estratégias de desenvolvimento urbano.

“Já tivemos casos bem sucedidos de repovoamento de espécies, como o periquito-cara-suja, ave endêmica da Mata Atlântica e que nos últimos 50 anos passou por várias extinções locais em sua área original no Nordeste do Brasil. Entretanto, as iniciativas de conservação nos últimos dez anos, como a instalação de caixas-ninho e campanhas para aumentar a conscientização sobre a espécie, conseguiram melhorar seu status de conservação, passando de Criticamente Em Perigo para Em Perigo”, afirma Fábio Nunes, biólogo da Aquasis e coordenador do projeto Periquito Cara-suja.

Apesar dos avanços, ainda era necessário um programa de reintrodução do cara-suja. Assim, a Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra da Aratanha, que abrange os municípios de Maracanaú, Maranguape, Guaiúba e Pacatuba, foi escolhida para receber o repovoamento, pois oferecia um habitat adequado e estava perto da área principal onde a espécie ainda era encontrada.

A ideia é que seja aplicada a mesma proposta de reintrodução do cara-suja para a jandaia-verdadeira e que casos como esses sirvam de exemplo para outras espécies regionalmente extintas no Ceará, como flamingos (Phoenicopterus ruber), emas (Rhea americana) e duas espécies de araras, a canindé (Ara ararauna) e a vermelha (Ara chloropterus).

Troncos de carnaúbas caídos foram doados para ONG Aquasis para que possam se transformar em ninhos artificiais (Foto: Fábio Nunes/Aquasis)

Projeto de reintrodução da jandaia-verdadeira

Segundo Fábio Nunes, a reintrodução da jandaia já vinha sendo planejada há alguns anos e ganhou força com o surgimento do Parque Arvorar, em Aquiraz (CE). A área de 20 mil metros quadrados ainda não tem previsão de quando será inaugurada.

Embora haja relatos de bandos de mais de 20 indivíduos, número exato de jandaias-verdadeiras em Fortaleza e região metropolitana ainda não é conhecido com precisão (Foto: Fábio Nunes/Aquasis)

“Essa espécie emblemática para o Ceará terá destaque no contexto desse parque como uma espécie-símbolo. O objetivo é usar o carisma dessa ave para promover a conscientização ambiental e apoiar um projeto de reintrodução chamado Refauna Arvorar”, explica Fábio.

Neste projeto, duas aves serão contempladas: o periquito cara-suja (já em andamento) e a jandaia-verdadeira.

A zootecnista e gerente do Parque Arvorar Leanne Peixoto ressalta que um dos papéis do parque é contribuir com estrutura, assim como acontece no Parque das Aves, em Foz do Iguaçu. “A ideia é formar bancos genéticos e possuir programas de reprodução com foco na conservação”.

“Acreditamos que quando as pessoas conhecem sobre biodiversidade e se conectam com ela, elas passam a ter um olhar mais dedicado à conservação. Queremos que cada vez mais pessoas conheçam essas histórias de espécies que estão ameaçadas para que possam também fazer a diferença”, completa Leanne.

Escultura assinada pelo artista cearense Narcélio Grud recebe visitantes de asas abertas no Parque Arvorar (Foto: Fábio Nunes/Aquasis)

De acordo com Leanne, ações de reintrodução com a jandaia-verdadeira foram incluídas no Plano de Ação para a Conservação das Espécies Ameaçadas da Região Costeiro Marinha, que está em fase de conclusão pelo Programa Cientista Chefe em Meio Ambiente Sema/Funcap.

Desafios da reintrodução

Assim como o periquito cara-suja, o limitante para a reintrodução da jandaia-verdadeira, além da disponibilidade de habitat adequado, é a garantia de locais seguros contra sua captura.

No caso da jandaia, em um cenário urbano com problemas de segurança pública e ausências de áreas protegidas, condomínios ou loteamentos planejados com extensas áreas verdes controladas podem ser locais seguros para reintroduções, impulsionando o processo de reocupação dessa espécie na cidade e Região Metropolitana.

Considerada espécie símbolo do estado do Ceará, jandaia-verdadeira foi popularizada pelo poeta romancista José de Alencar no livro Iracema (Foto: Fábio Nunes/Aquasis)

“Pensando nessa possibilidade, foi escolhido o bairro planejado Terra Brasilis, em Aquiraz, que, além de uma extensa área verde de Mata de Tabuleiro (Complexo Vegetacional de Zona Litorânea), tem um maior rigor de fiscalização e possibilidade de maior engajamento da comunidade, bem como a presença do próprio Parque Arvorar”, destaca Fábio.

As jandaias que chegarão ao Parque Arvorar são oriundas de cativeiro. Com o tempo, a ideia é que elas recebam treinamento para serem soltas no bairro Terra Brasilis.

Ainda de acordo com o biólogo, o processo para soltura de animais criados em cativeiro leva tempo, pois é preciso escolher e instalar um recinto de soltura, escolher aves aptas à reintrodução, aclimatar as aves e treiná-las para a vida livre, realizar os exames sanitários adequados, realizar a soltura branda dos indivíduos aptos, e ainda realizar monitoramento pós-soltura.

Parque Arvorar possui 20 mil metros quadrados e atuará no acolhimento e conservação de aves silvestres, educação ambiental e reintrodução de espécies (Foto: Leanne Peixoto/Parque Arvorar)

“Tudo isso acompanhado de uma forte campanha de envolvimento de moradores e comunidade local, incluindo a instalação de ninhos artificiais, plantio de árvores frutíferas. A previsão é de iniciar em 2025”, completa.

Histórico da espécie

Espécie emblemática do estado do Ceará, a jandaia-verdadeira ficou famosa graças ao poeta José de Alencar, no livro Iracema, onde ele escreve: “Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba”.

Mapa de ocorrência da jandaia-verdadeira no estado do Ceará (Foto: Fábio Nunes/Aquasis)

O fato de estar praticamente extinta no estado onde já foi comum tem origem no século 19, quando muitas dessas aves foram exportadas para a Europa e a América do Norte.

Histórias de matanças de papagaios e periquitos ligadas ao cultivo de algodão e milho são comuns em registros históricos de várias cidades do Nordeste, isso porque essas aves eram vistas como “pragas” para as culturas locais.

Jandaia-verdadeira mede 30 centímetros de comprimento e pesa cerca de 130 gramas (Foto: Fábio Nunes/Aquasis)

Na época, os psitacídeos eram tão numerosos que a Câmara Municipal de Fortaleza, em cerca de 1798, emitiu um decreto obrigando os agricultores a exterminar, sob pena de prisão e multa, “trinta cabeças de papagaios, maracanãs e periquitos” todos os anos, devido ao transtorno que causavam.

A captura e exportação desses animais eram incentivadas por dois motivos principais: gerar uma fonte de renda e reduzir o número de indivíduos nas plantações.

Saiba mais sobre a espécie

  • Nome científico: Aratinga jandaya;
  • Tamanho: 30 cm de comprimento;
  • Peso: cerca de 130 gramas;
  • Alimentação: sementes, castanhas e frutas;
  • Ninho: Ocupam ocos de palmeiras ou outras árvores, feitos por pica-paus ou ação natural;
  • Número de ovos: 3 a 4, brancos, medindo 28 x 22 mm;
  • Comportamento: observados isoladamente, em pares ou grupos pequenos (10 a 15 indivíduos); até 40 indivíduos em Pernambuco. Não são tímidos, barulhentas, voo rápido e direto, e mudanças súbitas de direção;
  • Distribuição: Brasil (sudeste do Pará até norte de Goiás e oeste da Bahia, litoral do nordeste).

As jandaias-verdadeiras se alimentam de sementes, castanhas e frutas (Foto: Fábio Nunes/Aquasis)

Fonte: G1

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