19 de novembro, 2024

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A luta das Vovós Contra a Direita na Alemanha

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Em 27 de janeiro de 2018, aniversário da libertação de Auschwitz, uma aposentada enérgica percorre sua lista de contatos no Facebook em seu apartamento no norte da Floresta Negra. Ela está furiosa, quer agir, mas seu computador está lento, talvez porque tenha muitos documentos e fotos salvos na área de trabalho.

Aos poucos, uma nova página se abre: um grupo no Facebook. Ela digita o nome Omas gegen Rechts (Vovós Contra a Direita) e envia um convite para todos os seus contatos. Mais tarde, o grupo ganharia milhares de membros.

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Anna Ohnweiler, de 70 anos, disse que houve vários momentos em sua vida em que se sentiu “forçada a agir”. Momentos em que ela – uma ex-professora e diretora de uma instituição social em Baden-Württemberg – sentiu que precisava se manifestar.

Ela escreveu mais cartas e iniciou mais petições do que consegue se lembrar. Algumas delas foram parar no gabinete de Helmut Kohl quando ele era chanceler federal, outras mais recentes foram encaminhadas à atual chefe de governo, Angela Merkel, quando ela ainda encabeçava o Ministério da Mulher e da Juventude.

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Nem sempre Ohnweiler obteve uma resposta, mas isso não importa, diz ela. Aposentada desde 2015, ela passa os dedos pelos cabelos curtos, escolhe bem as palavras e resume seu lema em alto e bom som: “Quem adormece numa democracia, acorda sob uma ditadura.”

Ela sabe do que está falando. Ohnweiler passou a juventude na Romênia neostalinista. Crítica e resistência eram atitudes impensáveis no comunismo, lembra, mas não na Alemanha democrática, felizmente. E assim ela seguiu seu lema quando fundou o grupo Vovós Contra a Direita no Facebook. Desta vez, porém, algo está diferente. Talvez pela primeira vez, sua forte fé na democracia esteja misturada com o medo.

Vovós e vovôs se rebelam

O cenário é a cidade de Nagold, em Baden-Württemberg, num apartamento de três quartos no sexto andar. Da varanda, vê-se a Floresta Negra. Na sala de estar, fora o tique-taque de um relógio, impera o silêncio. Com interiores da década de 1980, o tempo aqui parece ter parado: móveis de carvalho, tapetes com grandes ornamentos, vitrais coloridos nas janelas por onde entra a luz do sol. Nas prateleiras, livros sobre o Holocausto ao lado de coletâneas ilustradas sobre a região da Transilvânia, na Romênia. Nas paredes, há colagens de fotos mostrando seus dois filhos adultos e seus netos, de 5, 8 e 14 anos. “Vovó, eu te amo”, diz um cartão postal.

Entre as fotos de família dispostas numa mesinha, Ohnweiler politizou seu papel de avó. A iniciativa Vovós Contra a Direita, que já existia na Áustria, inspirou o grupo alemão de mesmo nome no Facebook, que hoje conta com mais de 2 mil membros. Em 2019, Ohnweiler fundou uma associação com outras “vovós”: lá também há “vovôs”, que atualmente respondem por cerca de um quinto do movimento.

O sentimento de revolta que move muitos “vovôs” e “vovós” nasceu em Ohnweiler naquele dia de janeiro de 2018. No Twitter, ela havia lido uma postagem de um membro do movimento identitário, de extrema direita. Baseado em Salzburg, o usuário reclamava dos aposentados que protestavam contra o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), uma sigla populista de direita. Ohnweiler se recorda das palavras usadas: “Quando você já está muito velho para ser útil à sociedade.

A indignação ainda pode ser sentida no tremor de sua voz. “Vida inútil?”, pergunta ela, com os olhos arregalados. Ela fala sobre como os velhos e os doentes foram assassinados sob o regime de Adolf Hitler e diz que o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) trouxe a terminologia nazista de volta ao debate político alemão.

É justamente nesses momentos, quando não consegue mais se acalmar, que ela começa a enumerar o que a linguagem da direita faz com a democracia, como ela divide a sociedade. Quase todos os dias, conta, Ohnweiler passa de três a quatro horas na internet procurando exemplos para compartilhar no grupo das vovós no Facebook.

Protesto por convicção

Ela usa um broche do Vovós Contra a Direita, faz cartazes e comparece a manifestações de vigília quando neonazistas decidem marchar na Alemanha. Ela fala com entusiasmo do protesto Unteilbar (Indivisível) em Dresden em agosto de 2019, que marcou o primeiro grande encontro das “vovós” de toda a Alemanha. Elas vieram de todos os cantos, lembra. “Tivemos a sensação de que realmente estávamos fazendo a diferença.”

Atualmente, a associação está ativa em mais de 70 cidades. Através dela, “vovós” e “vovôs” lutam contra o esquecimento, organizam estandes informativos antes das eleições e providenciam que as chamadas Stolpersteine (pedras de tropeço) – placas de bronze em homenagem às vítimas do regime nazista – sejam colocadas nas calçadas. Eles também apoiam o movimento ambientalista Fridays for Future.

Eles se preocupam, afinal, com o futuro dos netos. Nem todos são vovós e vovôs no sentido estrito do termo; alguns, inclusive, são até jovens demais para isso. Mas isso não importa: o protesto é um protesto por convicção, argumenta Ohnweiler. Afinal, o movimento tem uma coisa em comum: muitos de seus apoiadores pertencem à geração do pós-guerra e conhecem os horrores do nazismo pelas histórias de seus pais.

Após a guerra, os pais de Ohnweiler foram deportados para um campo de trabalho soviético, pois sua família pertencia à minoria alemã na região da Transilvânia. Ela conta que, sob Hitler, muitos dos alemães romenos serviram ao Reich. “Quando a guerra acabou, eles viraram alvo de vingança”, explica. Expropriação, repressão, discriminação – ela sabe o que a história de sua família lhe ensinou: “Nunca mais guerra, nunca mais exclusão, nunca mais destruição”.

Ela também foi fortemente influenciada pela falta de liberdade na Romênia sob a ditadura de Nicolae Ceausescu. Numa foto de sua classe na escola, é possível identificar a jovem Anna numa fileira de meninos e meninas. Rindo, ela conta como quase não teve permissão para fazer os exames finais da escola, porque havia incentivado outras meninas a usar minissaias.

As memórias de sua juventude foram capturadas em poemas que a retratam como uma rebelde defensora dos direitos das mulheres: “Sua saia é muito curta, seu cabelo muito longo, seu olhar muito ousado, seu andar muito orgulhoso – isso é escandaloso.” Outra foto mostra a jovem Anna com sua avó. “Ela era uma mulher segura de si, uma grande influência para mim.”

Quando o marido de Ohnweiler fugiu para a Alemanha, ela não teve mais permissão para atuar como professora na Romênia. Ela obteve permissão para emigrar em 1979 e passou a trabalhar para a organização jovem cristã Jugenddorfwerk em Nagold. Mais tarde, acabou fundando uma escola noturna.

Com Vovós Contra a Direita, Anna Ohnweiler quer se envolver no discurso político na Alemanha durante sua aposentadoria. A iniciativa é obviamente apartidária, enfatiza ela repetidas vezes. É o que diz o estatuto – e as “vovós” dão grande importância a isso.

Certa vez, esse medo pela democracia foi parar em sua caixa de correio. Em fevereiro de 2019, ela conta ter recebido um cartão postal com ameaças, repleto de um discurso de ódio voltado contra seu compromisso como “vovó” nos termos mais ignóbeis. As autoridades foram notificadas, mas o remetente jamais foi identificado.

Seus filhos se preocupam, mas Ohnweiler sorri. Não, algo assim não irá impedi-la. Nem mesmo os incontáveis e-mails de ódio a perturbam. “Do meu ponto de vista, o medo é um mau conselheiro”, avalia. “Se ele se espalhar de forma tão ampla que todos ficarem em silêncio, então vejo nossa democracia em perigo real.”

Fonte: Yahoo!

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